O azulão
O azulão
Gostava muito de passarinhos. Andar pelo capoeirão, ouvindo o seu cantar. Espreitá-los no ribeirão quando desciam para beber água, quase sempre à tardinha. Esquecia as horas. Identificava a maioria deles pelo canto: o canário, o pintassilva, o galo-de-campina, o açum preto, tão cantado por Luiz Gonzaga; o curió, também conhecido como ferreiro, com seu som estridente de quem está malhando em ferro: “téim, téim”; o azulão...Ah! O azulão. Era o que mais gostava. O seu favorito. Ouvira falar do canto do uirapuru, mas nunca tinha visto um pelas bandas por onde andava.
Não era fácil capturar nenhum deles. Eram espertos, ágeis. Pareciam pressentir o perigo que corriam, mas o “bicho-homem” é danado e ele sempre encontrava um meio de aprisioná-los. As arapucas precisavam ser bem preparadas. Alguma coisa tinha que ser colocada nas armadilhas para que aquelas aves pudessem ser atraídas. Costumava usar também visgo do avelóz, colocado nos galhos onde pousavam, prendendo-os pelas pernas. Às vezes levava gaiolas com um pássaro para servir de isca com seu canto.
Detestava machucá-los. Nenhum havia morrido em suas mãos. Menino que era, não tinha muita noção do que era liberdade: O passaredo livre a cruzar as matas; a construir os seus ninhos... Achava belo mesmo era eles cantando nas gaiolas dependuradas na varanda de sua casa.
Eis que um dia conseguiu aprisionar um azulão. Logo um azulão preso em sua arapuca. Seus olhos brilharam. Pegou-o com muito cuidado, mesmo com a bicada no dedo. Colocou-o na melhor gaiola que tinha. Dele cuidava com atenção e desvelo. Nunca deixava faltar água e ração. Passava horas admirando o seu cantar, notadamente na alvorada.
Mas mesmo com todos os cuidados, um dia sentiu que o azulão estava triste. O seu canto era pungente. Mesmo assim cantava. Quem sabe? Saudade da mata, do ar, do céu, do horizonte, do ribeirão, de uma companheira, de outros pássaros, da liberdade.
Também ficou triste. Apesar de todo apego que tinha com o bichinho, seu adorado azulão, abriu a gaiola e deixou-o voar, livre, logo desaparecendo do seu campo de visão. Talvez tenha lembrado a letra da música que diz: “Vai azulão, companheiro, vai”.
Iria senti falta daquele canto, daquela sonoridade anunciando as manhãs, o despertar de um novo dia. Mas estava consciente de que fizera o certo. Talvez viesse a prender outros passarinhos. Azulão não.
No dia seguinte acordou surpreso com o canto do azulão bem próximo à sua janela. Poderia ser um outro, mas não, reconheceu o seu azulão que cantou por alguns instantes e depois se foi. No dia seguinte, a mesma coisa e, assim, por outros dias. Aquela visita lhe enchia de alegria. Passou a imitar o seu canto. Fazia-o com perfeição. E assim, por outras manhãs formaram um belo dueto, dando a ambos o sentido da liberdade.
Paulo Salles