Julgamento de Réu
Silêncio...
Tensão...
Reverência...
O lugar parecia uma igreja. Templo da justiça. A Justiça é cega e motivava aquela encenação para se verificar – Ficar a Verdade.
Um a um os intimados chegaram e tiveram seus nomes e identidades checados.
Aos poucos alguns se reconheceram. Eram conhecidos de outros espaços. Funcionários públicos, trabalhadores, operárias do lar. Cidadãos. Isto favoreceu cumprimentos e conversações a partir de curiosidades: Como isto acontecerá? Será isto ou aquilo? É assim. Não tem outro jeito. Por que eu fui escolhido? Que susto que levei com a palavra ‘Intimado’.
Entraram os atores: advogado, promotor, juiz, escrivães.
Chamadas dos nomes dos possíveis jurados e explicações.
Entrou a razão de todos estarem ali: o réu. Apreensivo, humilde, escoltado por policiais. Ele buscou um olhar amigo. Encontrou indiferença. Recorreu ao advogado com o olhar. Este estava mais preocupado em se concentrar para atuar naquela peça digna de um dramaturgo à altura de Shakespeare. O profissional liberal lhe estendeu a mão só depois que seu cliente assentara mais humilhado ainda por não encontrar a amizade do olhar pago e comprado quando ainda em pé o buscara. Descuido e nervosismo do advogado.
A tensão aumentou.
O juiz fez observações para quebrar o clima de excesso.
Leu-se o nome daqueles intimados que foram sorteados para a possível composição do corpo do júri. A Sorte escolheu alguns. Destes, um grupo menor que serão aceitos ou rejeitados pelo promotor e pelo defensor.
Apreensão.
O juiz chama os sorteados. Ao ouvir o nome, cada qual se levantou para a apreciação da defesa e da acusação.
Um dos escolhidos quebra o drama e quase o transforma em comédia com a sua justificativa. E interpõe o argumento:
-Peço às autoridades presentes que me desculpem e que me isentem de hoje. Prometo que nos próximos julgamentos eu estarei presente, mas eu não sabia, até hoje de manhã, que eu estava intimado a estar aqui. Por isto eu comprei passagem para a capital e ingresso para assistir ao futebol de hoje à noite.
A cena irreverente e motivo banal provocaram risadas de todos. Inclui aqui o riso do juiz que aceitou a justificativa e tratou de indicar outro jurado. A cena ameaçava tornar-se cômica se a apreensão do substituto não causasse expectativa.
Sendo composto o corpo pelo número previsto de jurados foi dado aos demais intimados a possibilidade de escolher ficar para assistirem ao espetáculo ou ir embora. Alguns preferiram ficar para o desenrolar da cena. A maioria preferiu ir embora. Os escolhidos pela Sorte da Justiça eram obrigados a tomar ciência do ato do réu.
Ocorrera tempos atrás um incidente de trânsito entre o carro do que ali se encontrava como acusado e a moto da vítima. O infeliz preferiu transformar aquilo em crime. Percorreu ruas perseguindo a moto para desaforos orais. O veículo de duas rodas derrapou e seu condutor fora lançado ao chão. O carro em disparada atropelou o jovem caído. Matou-o assim.
Aqueles que preferiram sair sentiram aliviados da tensão e agraciados pela sorte de poderem ir para seus lares.
Ao se caminhar pela rua buscando distração para se pensar em coisas cotidianas ouviu-se dois estalos interrompidos por uma fração de segundo.
Pluf!
Plof!
Era uma pomba que se chocou ao voar imprudentemente com a parede de um pequeno edifício. Pluf! Fez-se surdamente.
Caíra ao chão. A sentença fora Morte que chegara rápida.
Azar da pomba.
Destino?
Justiça?
Julgamentos.
Leonardo Lisbôa, Barbacena, 09/05/2013.