Darfur – Um palco de lágrimas na dor de uma mãe



Entre tantas terras espalhadas no continente africano, ali, encontramos o gigantesco país da África – O Sudão, e que refaz nos retratos como a antiga Núbia, tendo sido agrupado ao mundo islâmico no século VII, originalmente o nome Sudão deriva de uma expressão árabe “Bilad-as-Sudan", ou “Terra dos Negros”. Diante de tantas lutas foi apossado pelo Egito, e mais tarde, na expansão e controle do Reino Unido. Nestes traços nacionalistas fora defendido por um grande líder religioso Mahdi que expulsou os ingleses com a revolta, após sua morte, os britânicos retomam o poder em 1898. Seguindo esses momentos sobrepujados, após anos, o Sudão é dominado por um regime egípcio-britânico, tendo a sua independência somente em 1956, como República. O que neste episódio permaneceu marcado um ano anterior, em 1955, a repartição no sul pela guerrilha separatista com o ponto de vista de exterminar o domínio muçulmano.

Nos tapetes amarelados de areias, sobressai o deserto da Líbia e o da Núbia com um clima árido, porém, predominante ao norte, uma que vez que o sul está repleto de savanas e florestas tropicais, banhado pelo Rio Nilo. O maior rio do mundo, centrado no nordeste do continente africano, e abrolhando a sul da linha do Equador e desaguando no mar. É a vida e o manancial daquele povo sofrido que vive de pequenas irrigações na produção de alimentos de suas subsistências, além da pecuária. A capital é Cartum com o maior número de habitantes, sede governamental e centro financeiro dimensionado por várias classes de etnias, tais como árabes sudaneses em sua maioria, grupos autóctones que são os “bejas”, além de outros, atrelando neste encalço a religião como fator predominante o islamismo e outras crenças religiosas.

É sem dúvida, um país despedaçado e muito fragmentado por campanhas de guerras entre árabes muçulmanos do norte que controlam o Sudão, e na região sul por uma população sem subsídio e negra. Arrastada por completa pobreza e abandono em que a população desprotegida batalha por uma condição de existência. É, ali, os lençóis das tristezas que invadem na aurora com a maior taxa de mortalidade materna. De maneira especial neste relevo histórico, a primeira guerra civil teve princípio em 1955, antes da independência, e se estendendo até o ano de 1972, com dados informativos que assinalam para uma lesão de 600.000 vítimas mortais numa cruzada sem limites enquanto o mundo fechava os seus olhos ao povo pobre africano.

Novamente, em 1983, desentravava o silêncio das fontes de publicidades e jornalísticas, o fantasma da assombração, era mais uma guerra civil com retoques diferenciados na caça implacável de pequenos seres humanos que possuíam apenas as chamas abertas de esperanças. Pois, tratava-se de um plano agigantado de islamizar os povos que se aglomeravam em tribos com suas várias crenças religiosas, proporcionando por toda área a implantação do arabismo com a deportação de milhões de sudaneses no fruto de um massacre sem causa, além de que estes povos poderiam colocar em choque os negócios financeiros dos campos de petróleo, manobrados pelos países exploradores, gerando um genocídio sem escala. Neste embate sangrento, a divisão e recrutamento das vítimas muçulmanas e não muçulmanas, recebiam o apavorante medo e terror das investidas de surpresas a qualquer hora dia e noite. Década após década é sempre a mesma areia com sangue inocente num conflito religioso insustentável.

Sabe-se que a região pobre de Noba, aldeia com inumeráveis muçulmanos negros, ali, centrou-se um dos melhores teatros a céu aberto dos algozes, acrescentando aos olhos destes, a impureza da existência de por os pés na mãe África. Eis o prato primordial daqueles executores radicais islâmicos sobre a proteção do Dr. Hassam Thorabi. Sem se importar, a varredura étnica dos africanos, mutilações, trabalhos forçados, massacres em massa, eliminação de outras religiões e crenças, estupros, deportações indesejável, e total desrespeitos às crianças retirados dos lares. Não há dúvidas, que estas trincheiras humanas lançadas no solo africano concorrem em igualdade ao lado das vítimas da Segunda Guerra Mundial, transformando sem dó milhões de sudaneses em refugiados. Não importa os meses e nem os anos, os processos de radical arabização e islamização do território nacional são metas do governo, sofrendo as minorias cristãs nas redes da discriminação social, humana e religiosa. Tais atitudes concretas era a bandeja do fundamentalismo islâmico na conversão sob os efeitos das armas. Outrora, a sumária aplicação da Lei Islâmica sem piedade como punho verdadeiro para a harmonia justa do Sudão para o mundo.

O governo atual veste as mangas do fundamentalismo islâmico numa República presidencialista, em que o general Hassan Ahmad al-Bashir, teve o peculiar interesse em tirar os ciscos da província de Darfur, apesar, que se ergue numa ditadura militar desde 1989, abrindo os vértices à China como o seu maior parceiro comercial, e enxugando o lado escuro dos guerrilheiros cristãos, animistas do sul e tantos outros. Com suporte financeiro dos países que mantém a orla, o patrocínio com a mais densa benção do governo na desenfreada busca e surpresa do povo difamado. Darfur que jamais havia sido retocada pelos grandes jornais do mundo, passou a elevação do centro mortífero da África num conflito com mais de 400.000 mil vítimas, não se sabendo ao certo essa miserável avalanche que somente após o massacre, o mundo veio a dar conta de que o massacre em massa não poderia mais vitimar tantas vidas. Entretanto, eis os maiores desperdícios de vidas humanas imaculadas que o planeta já conheceu na globalização. Nem mesmo a grande potencia não se ocupou em erradicar o crescimento abrupto desse genocídio aos dias atuais. Não se olvidando que em 1991, o governo adotou o seu Código Penal baseado na lei islâmica, a Sharia, e com entusiasmo, alvoroçou centenas de corpos em praças públicas como forma de correção e disciplina.

É a maior crise humanitária da nossa atualidade no Sudão com guerras e secas prolongadas num inferno em chamas, com o crescente brilho de um governo terrorista sob a proteção demasiada de alguns países e da própria ONU que abre o leque em vislumbrar a guerra civil naquele condenado país, muito embora tenha realizado missões tardias, porém, não repatriou os milhões de sudaneses espalhados pelo mundo mergulhados na incerteza volátil sem casa e pragas. Não adiantou embargos com sanções meramente econômicas, vez que o terrorista, o general e Presidente Hassan al-Bashir obteve de outros modos a condução de seus feitos nas nuvens de poeira que assopra na África.

Não há como entrever noutros parâmetros que a guerra civil já ultrapassa mais de cinquenta anos aos olhos da insensibilidade de toda a comunidade internacional, e que de um modo ou outro compartilha na adesão do silêncio, até mesmo para prender um presidente. E nesta amplitude desumana, o país dividiu-se no Norte com as areias do deserto basicamente povoado por árabes muçulmanos e o Sul se desdobra com a riqueza do solo petrolífero e o beiral do grande Nilo, localidade repleta de negros africanos com relevantes tradições cristã e animista, assim, com numerosos muçulmanos de origem árabe. Daí, a política desgovernada do Presidente Hassan al-Bashir de impor à força os africanos do sul à sua superioridade fundamentalista, a religião, submetendo num árduo e brutal regime aos que se negam, à língua, cultura e à lei. É fácil entender que num rápido esclarecimento que não são os muçulmanos em geral os causadores dessa guerra, todavia, é o governo fundamentalista que declarou guerra a todos os africanos de cor negra daquela região por ter religiões diversas.

Há também de reconsiderar, que sendo a província de Darfur localizada no sul do país uns redutos potencialmente humanos e com agigantados recursos naturais, não se conhece por lá, qualquer traço de desenvolvimento econômico e eficaz para a população que tanto sofre há vários anos. E a paz nunca se edificou no ápice do governo, assim como Cartum jamais abreviou a pobreza ou lhe impusera oportunidades. As aldeias ou grupos subdivididos que ali se arrastam são os enormes palcos estarrecedores de várias tragédias, onde a irreverência toma as asas do desequilíbrio e a razão, num labirinto de fogo e morte, onde não há dinheiro, não há remédio, eletricidade, estradas, escolas, praças, comércio, água e até mesmo se distância das informações. Sem educação que se aprofunda na perdição das almas, é ali um grande inferno vivo e cheio de fogo ardente. É ali, em Darfur os alvos diários e sangrentos de Cartum, levando o lenço roto de bombardeios no sossego monstruoso aos olhos dos governos do Ocidente.

Plantar e semear o terror sempre foram os objetivos do governo fundamentalista que abriiu as alas dos campos petrolíferos e esmagou todos os opositores, varrendo com impetuosidade a maior escalada de sangue sem freios. Aos impulsos intoleráveis, as populações se deslocaram com traumas que carregam nas gemas aos países fronteiriços como o Quênia, Etiópia e Uganda. Partindo tudo nos rastros da poeira amaldiçoada das tristes lembranças assopradas nas rajadas das metralhadoras. Sobretudo, as mágoas inseridas nos turbilhões de pólvoras e lançadas nas aldeias, demonstraram e como representam as amplitudes dos lucros nas exportações do petróleo em armas e o cordão devastador da “guerra santa”. A oportunidade em que os laços governamentais inserem nesse contexto é gerir naquele território milhões de dólares na cor do sangue inocente, expulsando, esmagando e domando os negros da mãe África sob o aspecto religioso.

Está mais que provado, que a continuidades da exploração das riquezas do subsolo, com as grandes companhias petrolíferas necessitam de segurança na zona ensanguentada pelos nativos e nômades muçulmanos, cúmplice em colaborar com o genocídio. E não adianta esforços para a paz, se o próprio governo coordena e mantém inúmeras milícias no deserto, além das Forças de Defesa Popular (FDP) e há também o exército de moudjahiddin fidelíssimo e combatentes do jihad (guerra santa).

Naquele território de Darfur, não há relógio ou sirenes de avisos, os milicianos aceleram os objetivos em massacrar todos antes do clarão do dia, queimando as casas, plantações e fazendo escravos homens, mulheres e crianças. Vários países são culpados e responsáveis em assistir os massacres das populações civis, vez que estes sabiam que os pequenos e pobres africanos estavam à beira das mortes em carne viva.

É com razão que estes cidadãos, humildes, esquecidos por toda a história, ainda suportam a luta com robustez e dignidade a defender a sua casa, a família, a sua religião, o seu solo e a sua identidade, na esperança futura de ampliar a sobrevivência no caminho da paz que se torna a cada dia mais difícil. Por isso, Darfur deve ser liberta, e que as algemas sejam lançadas no Nilo, aprofundando com isso a independência de Darfur como um território a ter seu próprio domínio e constituição. Não será a imposição assustadora do terrorismo governamental de Cartum que fará a liberdade do povo esmagado. E não tardará, quando soar o hino de Darfur com uma bela bandeira hasteada na coragem dos bravios homens que deram o seu sangue sem defesa e sem luta.

Importante frisar, que populações inteiras, rumam sem destinos aos campos de refugiados no Quênia ou da Uganda na busca insaciável de remédios, alimentação e apoio moral e espiritual. Daí sobressai as importantes Igrejas e ONGs que vão aos poucos se deslocando na relação de ajuda humanitária e lutar por dias melhores aos indigitados homens negros. Não se imagina a peleja de um negro africano do sul do Sudão em busca de alimentos, assim, como a envergadura para trilhar no deserto do Saara e atravessar as fronteiras, entregando a sua alma aos passos de sua imaginação. Dias e mais dias, noites e mais noites, os pés não descansam nas areias e florestas, crianças e adultos formam o maior exército sem armas na sede e fome do povo mais empobrecido do planeta e um dos mais ricos em petróleo.

Não há tempo para pensar, não há tempo para olhar o horizonte vermelho africano que urge em despir na calada assonante mais uma trilha sem destino ao novo mundo exterior, e que não sensibiliza a opinião pública internacional e nem governos, porém, os demasiados gritos de socorro eclodem no Sul do Sudão. Assim, é a história da Marly Mahomed da província de Darfur que passo a narrar.

Era aproximadamente três horas da madrugada do mês de novembro de 2004, um vento forte assoprava o vilarejo naquela localidade, e a escuridão transpirava em cada rosto na casinha de barro coberta com fibras de palhas com uma cerca improvisada, cuja moradia, dividia a distância entres os casebres de cada morador. Naquele momento, um avião sobrevoou o povoado, lançando uma bomba sobre as demais casas. Uma grande explosão chamou a atenção de todos os moradores da aldeia, momento em que o esposo de Marly acordou, e saiu para verificar o acontecido numa distância de duzentos metros, barulho que deixou a esposa e os dois filhos menores assustados. Joseph Mahomed de cinco anos, Manfy de apenas seis meses.

Em Cartum, o chefe de governo e comandante do exército telefona ao Presidente Hassan al-Bashir, dizendo:

-Presidente. Temos notícias que a aeronave voltou com sucesso.

O presidente pergunta:

-E quais as dimensões desse belo estrago?

-Ainda não temos informações. Foi um estouro maciço, e o nosso pessoal de terra ainda não concluíram.

Diz o Presidente.

-Quero toda a área de Darfur limpa, afinal de contas, já paguei pelo serviço. Já pensou como serão os nossos negócios com esta população crescendo e planejando se emancipar. É pura derrota para o nosso governo.

-Eu sei, Presidente, não é por isso que foram deslocados para a área mais de quinhentos homens fortemente armados. Saiba que o nosso amigo já nos enviou dinheiro e armas. O navio atracou ontem e já foram entregues, e tenho certeza que o senhor não terá surpresas.

-Vou lhe aguardar cedo. Pois, necessito urgente limpar os pedregulhos da região, Caso contrário, perderemos o nosso maior parceiro petrolífero, se houver qualquer insurreição com os rebeldes. Jamais aceitarei tal independência. Temos que derrotar o inimigo com ALÁ. Não quero que fique nem as cinzas das casas dos porcos.

-Senhor presidente, está no acordo com os milicianos. Não se preocupe o senhor terá surpresas agradáveis. E quanto as reuniões dos rebeldes em fazer independência é um caso improvisado sem qualquer sustentáculo. Tenho certeza que nenhum país Árabe será a favor dessa organização. Há informações que Kadafi está por trás disso tudo, armando os rebeldes. Sorriu.

-É... Eles almejam fazer como na palestina. Sabe... O nosso chefe me informou, além dele, há ONGs e seitas religiosas cristãs para enfeitar as coisas. Quero todos os rebeldes capturados para julgamento.

-Sim. Confie, tudo sairá bem.

-Também fui informado que padres e religiosos estão batizando, abrindo igrejas, mantendo reuniões a portas fechadas com o apoio dos rebeldes. Estes ratos querem implantar seitas para recuar o Islã. Isto é imperdoável

-Acredite. Tudo será destruído, a perseguição continua por todo o país sem trégua. Ontem foram presos nas demais províncias do Norte vários padres e mulheres religiosas, além de bíblias nos vilarejos. O Senhor sabe que não há como se evitar os jornalistas disfarçados de muçulmanos. Apesar da repressão, eles invadem nossas fronteiras e se alojam nas casas dos sudaneses. Mas o exército está de prontidão vinte e quatro horas.

Na aldeia de Darfur, gritos, choros, gemidos e fogo se alastravam entre as casas na madrugada, centenas e centenas de homens a cavalo, incendiavam os pequenos casebres que não foram atingidos pela bomba lançada do jato. Os janjauidis metralhavam a multidão que saiam das casas, cercados, os corpos se amontoavam. Jaziam sem forças no chão, crianças, velhos, mulheres e jovens, outros corriam em várias direções, enquanto os algozes não lhes davam oportunidades de defesa. O solo seco e duro corria o sangue de milhares e milhares de sudaneses no mais violento e cruel ato desumano que a história jamais descreveu em detalhes. Podia se ver que era uma matança com atos pré-históricos a cavalo com lançamentos de tochas de fogos nas casas.

Sem demora, um muçulmano insurgente adentra na residência de Marly, apavorada, segura o recém-nascido no colo, e suplica ao impiedoso para lhe poupar a vida. Soluçando disse:

-Não mate meu filhinho.

Sem nada falar, o algoz coloca a mão em sua boca, e retira a roupa de Marly na presença do filho maior, segurando com a mão esquerda o fuzil em direção à criança, Naquele instante, o janjauidis joga ao solo a criança. A mãe lagrimando, ainda suplica e o menino Joseph Mahomed, grita:

-Mãe! Mãe! Mãe!

O carrasco num ato único esbofeteia o rosto da criança que o sangue respinga na parede de barro, caindo desmaiado. Em minutos, deita-se com a mulher que nada diz, porém, as pupilas relampejam em gotas de dor naquela monstruosa relação sexual. Com tiros e milhares de estampidos lá fora, a relevância da agonia com os braços caídos da mulher, perdem os sentidos, as suas pernas frágeis adormecem na consternação e desamparo. Somente as pálpebras levantam em direção ao bebê que assistia pela última vez, a cena mais horrenda de sua vida sem compreender.

Com o assombro no seu corpo, Marly apenas olhava para o quadro dependurado por trás da porta de lascas de pau. Ali mesmo, nas horas finais, o seu pensamento ultrapassou os limites da dor, quando observou que a figura no quadro, também lhe assistia na profunda aflição sem voz. Era o Senhor de todas as Nações, o homem verdadeiro e Rei Supremo de todos os exércitos, o Senhor Jesus de Nazaré num quadro com uma bela manta, e em suas mãos abertas com as chagas, e dali, impulsionava um doce olhar na direção da despojada mulher. Enquanto o facínora remexia o corpo dentro da mulher ao prazer, ela fixava os abatidos olhos, desmoronando na face os pingos ao encontro do coração do Nosso Senhor que brilhava dentro de suas gemas. Marly fechou os olhos no momento em que o estuprador se deliciava com violência em suas carnes quando este gritou por gozo.

Naquele instante, o esposo de Marly, Redlym Kassan voltava para proteger a família, com a porta encostada, ele percebeu que eles poderiam ter procurado abrigo. E chamou por duas vezes o nome da esposa que nada respondeu. Ao empurrar a porta foi alvejado com um tiro certeiro na cabeça, desabando numa lagoa que se formava de sangue. Sem sombras de dúvidas, mais furioso o carnífice ficou quando viu o retrato de Jesus Cristo, este, arrancou-os da parede, despedaçando. Completamente nua, empreendeu numa fração de descuido do rebelde, tomando-lhe a metralhadora, e sem conhecer a prática de tiros, acertou no peito com um único disparo o carrasco. Sem demora, ela recolheu os pedaços da imagem de Cristo, que meses passados havia recebido como presente pela sua conversão de um padre da Igreja Católica de Eritréia. Chorando, Marly colocou no bolso, abaixando-se, beijou a cabeça do esposo que dormia sem vida.

Ainda desanimada, o sangue escorria pelas pernas e manchavam os pés, momento em que agarrou o filho menor e acordou Joseph Mahomed de cinco anos que havia desmaiado. Naquela região o palco do conflito já se prolongava com grandes rajadas de tiros, bombas e fogo com milhares de corpos espalhados. O ardor das chamas já penetrava na residência da mulher, sem nenhuma provisão, segurou na mão do filho Joseph Mahomed e com um braço sustentou a criancinha, ainda derramando sangue entre as pernas. E disse com os olhos fechados:

-Senhor! Deus todo-poderoso em pedaços no meu bolso. Guardo a tua imagem inteira no meu coração! Abras um caminho no meio do fogo e não me deixe na luz que ilumina os olhos dos meus inimigos. Lembre-se Senhor Jesus na dor de Maria segurando o vosso filho morto! Maria ficou calada vendo o seu único filho sofrer na plena vontade de Deus! Por isso eu te clamo! Faça-me sair de Darfur agora com estas duas crianças tuas! Se Maria confiou, eu também confio!

A mulher saiu pelos fundos da casa, penetrando num vendaval de fogo e fumaça, bombas se explodindo aos seus pés, casebres voando pelos céus em pedaços, balas cruzando em todas as direções, uma passagem pelo inferno humano da guerra. Saltando entre brasas impetuosas não tocavam os pés e nem os corpos dos três. Foram mais de duas horas na travessia do fim do mundo ardente. Sem saber da direção, a mulher e seus dois filhos cortavam a serpente ao meio dos horrores dos homens sem paz.

A fuga despreparada, corpos desnutridos, sofrimento nas faces, a lenta angústia percorrendo as curvas dos desenganos, destilavam o medo e se concentrava a fé no ramo do caminho mais perfeito da engenharia da mente. Eis que a sustentação embaralhada e depauperada nas traves dos desesperos era a dor repercutindo num microfone obsoleto no deserto quente. 

Bem ali à sua frente, havia dois desertos, a saber: O Deserto do Saara e o deserto da vida na abertura aprofundada dos momentos cruciais daquela existência. Persistindo com as batidas do coração, os pés da mulher eram de muita dor e sofrimento com inchaços, além das moscas que acompanhavam com o odor do sangue que descia pelas pernas. A sudanesa não refletia sobre o pesado drama com os filhos no lago do amor consubstanciando a dureza das folhagens da solidão que geme. Por vezes, ninguém imagina o retrato hábil da construção infeliz da guerra que míngua todos os sonhos e felicidades.

Enfrentando as barreiras intransitáveis do ser humano, a fé, é o mais habilitado instrumento de orientação humana, riqueza e humildade da alma que não possui cor, língua, raça e religião. É a bússola conectada ao Ser Supremo em todas as temporadas da vida. Marcando as esperanças nos telhados da consciência, a pobre sudanesa apenas olhava para um lado e outro o deserto sem fim e sem começo ao vibrante calor, sede, tempestade de areia e fome. Sem saber onde se encontrava, Marly nada disse, desviando das serpentes e lagartos, observava sem cansar os montes e montanhas de areis ao longo da terra entre o vasto céu no vale de lágrimas.


O filho segurando o vestido amarelado da mãe notava os pés amarrados com pedaços de panos para conter o inchaço, instantes em que indaga:

-Mãe! O pai está esperando a gente do outro lado. Não é mesmo?

-Por que a senhora chora?

Silenciando, nada dizia a pequena mulher sudanesa, apenas os olhos desfechavam lágrimas que molhavam o corpo da criancinha de colo que assistia cair no rosto os doces afagos de amor.


A tarde na região de Darfur era noite com o céu coberto de fogo e fumaça, sem olhar para trás, a mulher atingiu uma parte nas areias do Deserto do Saara ao leste, e caminhou com destino para as fronteiras de Uganda. Dormindo nas areias brancas, sentindo sede e fome, a mãe saciava com a sua própria saliva a sede dos filhos e se alimentava de grilos que se alojavam na areia. Em seguida, a mãe amamentava o filho que chorava na plena agonia de fome. Na manhã seguinte, a bola amarela surgia nos confins do horizonte, clareando algumas pequenas árvores. Observando aquele sossego, Marly, empreendia nova caminhada sem trilhas, até que a mulher avistou folhas verdes onde os gafanhotos lutavam nas folhas por um pedaço de alimento. Os dois comendo os gafanhotos e folhas verdes matavam a fome e a sede.

Já contando com mais de seis dias em caminhada, eles avistaram ao norte de Uganda o cheiro, o vento frio, as florestas e as margens do maior Lago Africano – O grande Lago Vitória. Sem forças para andar e com a vagina inflamada ocasionada pelo estupro, a mulher parou. E neste exato momento, Jesus Cristo entregou a eles um casal de turistas que estavam fazendo um safári terrestre em direção ao Lago Vitória, sendo socorrido pelos excursionistas que imediatamente chamaram o socorro, prestando-lhes ajuda e encaminhando a uma ONG.

Fim

Conto e3scrito em Julho de 2005


Em tempo:Darfur conseguiu a sua Independência em 09 de julho de 2011 - reconhecido como Sudão do Sul. 



ERASMO SHALLKYTTON
Enviado por ERASMO SHALLKYTTON em 08/05/2013
Reeditado em 08/05/2013
Código do texto: T4279631
Classificação de conteúdo: seguro
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