SAUDADES

SAUDADES

Recordo ainda, no tempo de criança, quando tudo parecia fantasia, eu brincava e era tão boa a vida e, para lembrar de tudo isso, resolvi fazer uma visita meio sem sentido.

Voltei á casa onde nasci, lembro que era da cor rosa por fora e azul por

dentro. Ao chegar, estava tão diferente quanto eu estou, creio que ela não me reconheceu, mas eu a reconheci, pois era peça principal das minhas lembranças, lá nasci, cresci e fui feliz nos meus tempos de infância.

Bati palmas, e esperei Ouvi vozes de criança, o cachorro também se manifestou e ruídos de passos apressados deram a entender que alguém

se aproximava, a senhora gorda, com faces rosadas, enxugando a mão num avental, me cumprimentou meio desconfiada.

Pergunto-lhe:Posso ver a casa?

Ela arregala os olhos, e com tom de surpresa de quem nada sabia, me diz que não fora comunicada de que o proprietário queria vender o imóvel. Sorri meio desconcertada.

_ Não, minha senhora, entendeu errado. Quero matar as saudades. Vim visitar a casa onde nasci e passei boa parte da minha infância.

A mulher, meio constrangida, desviava o olhar e fitava a criança que, agora, segurava sua saia.

E com voz abafada, simulando uma tosse que lhe cortavam as palavras, desculpou-se e me explicou que, no momento, estava muito ocupada e que talvez em outra hora e me entregou um cartão meio amarelado que retirou de dentro de um livro fincado numa velha estante na sala.

_Aqui está o endereço do proprietário, o senhor liga, vem com ele e mata as suas saudades.

Segurei aquele cartão por entre os dedos, esbocei um leve sorriso e a mulher desapareceu casa a dentro.

Entendi que ela ficara receosa em permitir que eu entrasse em sua casa, , tinha razão não devia abrir as portas a um estranho. Me sentei na calçada e revivi minhas lembranças as brincadeiras de criança quando em caixinhas de fósforos fazíamos enterro dos grilos e borboletas que conseguíamos apanhar. As vezes eu nem abria a porta, pulava a janela.

E um assobio era a senha e logo estávamos juntos brincando.

A noite, a conversa das vizinhas sentadas naquela mesma calçada que

agora eu sentava, quando o assunto era impróprio minha mãe fazia um

sinal com o dedo, franzia o cenho, eu me afastava era a senha para dizer que o assunto era "coisa de adultos".

Eu numa dessas ocasiões, entrei na sala que estava escura, acendi a luz e dei de cara com a minha tia beijando um rapaz, corri gritando com um espanto invejável pedindo socorro.

Minha mãe levantou-se e as amigas todas acorreram e sentindo-me mais segura expliquei o que acontecera:'' O moço estava comendo a boca da minha tia".

Não entendi os risos e nem a reação da minha tia que parecia me golpear com o olhar, suas faces estavam enrubecidas. Minha mãe, em tom grave, lhe disse três ou quatro palavras, ela saiu chorando para o quarto. E o rapaz? Ah! Esse saiu de assalto.

E tantas foram as lembranças que me acalentaram naquele momento

lamentei não ter podido entrar examinar meu quarto, a cozinha, o quintal com a goiabeira que dava para a casa do vizinho.

Será que ainda estava lá?

Levantei-me aproximei-me do muro e vi um galho de árvore, o vento soprava e ela parecia acenar para mim, as lágrimas insistiam em rolar por minha face, senti o gosto amargo da saudade que me feria o coração.

Uma vida que parecia não ter sido a minha estava ali gravada naquelas paredes.

E a minha goiabeira acenou tristemente, embora hoje eu seja a criança envelhecida, minha goiabeira me reconheceu, lembrou-se de mim e com certeza em forma de orvalho uma lágrima correu-lhe pelas folhas, uma lágrima de saudades.

Polly Hundson