A semente que não queria germinar.
Quando chegou a nova estação que trazia em seus ares o suave clima da possibilidade da germinação, a Pequena Semente, que fora lançada na terra não se sabe se ao acaso, por mãos do destino ou por carinhosa intenção, hesitava diante do impulso que nascia de seu interior. Pois, tudo era um processo de profunda dor, embora ha pouco tudo lhe parecesse mágico em um ambiente acolhedor e até mesmo inspirador.
Como confiar? Como acreditar, se a morte parece se aproximar?
Ha pouco, tudo parecia estar em paz e a harmonia em tudo reinar.
O ambiente oferecia suave calor, doce umidade de acolhimento e proteção. Era como se um macio e envolvente cobertor estivera sempre presente, a impedir asperezas e causas que promovessem dor.
Tudo era confortável. Como uma brincadeira infantil, a vida seguia na envolvente magia.
Alimentos, então, como mágica surgiam de todos os lugares e satisfaziam todas as necessidades, até mesmo aquelas mais prescindíveis. E, os sons, sempre agradáveis, como hinos e canções pareciam lhe embalar, como cantigas infantis que lhe faziam somente sonhar.
De repente, a nova estação chegou e o ambiente acolhedor já não era tão salutar e parecia até mesmo devastador. Dele emergiam, agora, forças hostis que ela não podia identificar e nem de onde surgiam. Mas ela sabia, de alguma forma, que as forças, também, causavam estímulos e levavam a dolorosas contrações. Era como se seu peito fosse explodir. E, isto, sua cabeça não podia entender.
E, em meio aquele intenso e verdadeiro sofrimento, como é natural diante do desconhecido que parece ameaçador, primeiro emergiu dela o sentimento da revolta e do temor, que logo disseminou em seu interior uma vontade irresponsável e, também, a fez um hábil acusador, de grandes habilidades de excelente manipulador .
A dor, que lhe parecia vir do seu próprio interior, aumentava a cada instante e, por isso, justificava a necessidade de que tudo se explicasse e até mesmo alguns culpados, fora de sua natureza, logo fossem detectados para, imediatamente, também serem acusados.
Os sonhos, ainda quase infantis, aos poucos a abandonavam ou, então, em negros pesadelos se tornavam.
Tudo era terrível. A nova estação era um profundo e incômodo clima de dor. E, assim, o que era belo, suave e seguro, no feio, no mal aos poucos se transformava.
Qualquer coisa e todos que até a momentos eram salutares, amigos, fiéis protetores, heróis e até mesmo deuses, aos poucos em gigantes e tenebrosos vilões se transformavam. Tudo era ameaçador e, como em um intenso e duradouro pesadelo, as figuras que em seu interior habitavam, rapidamente, em monstros se metamorfoseavam .
Ela era o centro da sua própria dor e o principal personagem da angustiante trama que a Natureza lhe reservara.
Para a Pequena Semente, naquele momento, uns eram bandidos, outros fracos e até mesmo indignos traidores, mas todos inimigos e responsáveis por suas dores.
Porém, na particular agonia de sua inexplicável transformação, ela - que intensamente lutava para permanecer imutável, como alguém que quer se aprisionar em seus sonhos e ilusões - num esforço eminente buscou em sua própria razão os mais fantasiosos motivos para justificar o que lhe parecia uma traição.
Então, de repente e em sua profunda dor, a Pequena Semente se sentiu só, como nunca sentira. E, em seu isolamento, negou a existência dos agentes que lhe cercavam e intensificou sua revolta fazendo acusações, como se fora a única forma de manter sua integridade.
Foi neste ambiente de penumbra e de dor que emergiram as causas e se justificou a rebelião. Pois, afinal, ela era uma simples semente que só queria existir e tudo o mais destruir.
Entretanto, mesmo diante da dor dos efeitos da extraordinária lei da eterna perpetuação, como a lagarta que se deixa recolher em seu cansaço para sabiamente esperar o alquímico processo da transformação, a Pequena Semente – ainda que nos últimos restos de suas revoltas, de suas angústias e medos – deixou-se abater pelas forças da natureza e num olhar, quase pueril, viu suas casacas racharem e um belo e forte broto entre elas surgir.
De repente, um prazer inesperado se fez presente e uma nova força em seu interior nasceu. Aquilo que era uma sensação de morte em esperança se tornou e tudo, rapidamente, se suavizou.
Era como se o esplendoroso sol de novo voltasse a brilhar. Tudo fazia sentido, agora. E, na medida em que novos e promissores brotos surgiam, ela também se percebia transformar e logo se pôs a chorar.
Agora entendia que, ainda que sua aparência milagrosamente aos poucos mudava, sua consciência permanecia e somente se ampliava, já que ela continuava a ser ela mesma, a eterna semente que no próximo momento árvore seria.
E, assim, a Pequena Semente parou de resistir e para a vida se entregou, num suave abandono que a fez compreender que germinar, se transformar, não é terminar! Não é morrer! Mas, simplesmente, em outro estado de consciência entrar para cumprir os desígnios da Criação e os caminhos de sua própria vida trilhar.
Eis que, no final, apesar de tanto relutar, a Pequena Semente em árvore frondosa se transformou e com mundo passou a colaborar.
– 2 de maio de 2013 –