Viagens pelo Ceará LXXI

IDEIAS AVENTUREIRAS, MUSICAIS, LITERÁRIAS, MÍTICO-CURANDEIRAS, ENXADRÍSTICAS, TEATROLOGAS E INSANAS... DE MORADORES DO VALE JAGUARIBANO, NUM ANO DE ESTIO.

ALTO SANTO

Perguntei ao Chico o que o Zé da Júlia dizia nessas conversas com as paredes. E ele respondeu que eram as coisas mais vulgares da história do Brasil mas num linguajar chulo. Que Dom João VI era corno, que Pedro II tinha um cabra pra masturbá-lo. Que o Euclides da Cunha e o filho dele podiam ter vivido bem mais e ter comido outras bucetas naquele tempo. O Euclides especialmente podia muito bem não ter entrado pra história como um traído ultrajado, ter arranjado outra mulher no momento em que soube que a sua estava trepando com outro, e que esse negócio de seguir regra de igreja é a maior das fuleiragens. Que casamento feito em igreja é prá dar satisfação à sociedade. Que toda mulher apaixonada é uma princesa no agrado, mas depois que casa e fica menstruada vira uma fuleiragem. De repente no meio de ditos assim ele parte pra dizer coisas sórdidas da política. Esculacha Jânio Quadros e o chama de otário, com cara de fuinha, que o certo padre da televisão pode não ser bicha mas desmunheca que é uma beleza, que a presidenta Dilma pode nem ser sapatão mas tem todos as ferramentas.

Xinga pessoas que ninguém sabe quem é, de frouxos e peidões, e igualmente se refere à moças dizendo indecências, que a racha que trazem entre as pernas querem mesmo é mastigar madeira! E que o amor da humanidade é uma mentira se referindo ao poeta Augusto dos Anjos. E repete ditos do Brucutu de que vontade é coisa que dá e passa.

Enquanto eu ouvia o que o Chico me falava, um dos jogadores gritou pra nós que o Zé da Júlia estava despontando na esquina da praça. Avistei o homem. Era alto, forte ainda, mas vinha como o Chico havia me dito. Se segurando às paredes das casas e nelas colando o rosto e os ouvidos, dizia coisas indefinidas ao sol, num murmúrio de lamento e choro.

Parei e refleti sobre os dramas que a vida pode reservar para qualquer um de nós. Naquele momento senti-me comovido com a presença do homem embriagado que começava a morrer como um Quincas Berro d`agua do Jorge Amado.

Agradeci ao Chico e aos jogadores pela conversa e atenção e me dirigi pensativo ao carro. Era um sábado o relógio da igreja bateu dez e meia do dia 3 de novembro. No dia anterior as pessoas vivas haviam visitados os túmulos dos mortos, e eu naquela praça de Alto Santo, ia caminhando a passos lentos e lembrando dos que que eu já não podia ter ao meu lado. Senti-me só e chorei um choro calado que só eu sei, com estremecimento e sem quase lágrimas. Perguntei-me se estava valendo apena eu continuar aquela viagem. E depois de chegar ao carro que estacionei sob boa sombra de árvore, olhei pra minha viola no banco traseiro. Lembrei que ela estava calada desde o início daquela minha aventura de quase um mês. Então era ela quem podia naquele momento falar melhor ao meu coração. Feri um la maior e lembrei-me da canção do Guilherme Arantes:

“Amanhã será um lindo dia

Da mais louca alegria

Que se pode imaginar...

Amanhã apesar de hoje

Será a estrada que surge

Prá se trilhar”

Obs:Tenho publicado somente no recanto das letras uma auto-biografia, meu primeiro livro, cujo nome é “Fascinado por chuvas”. Já este texto que voce acaba de ler é parte do meu segundo volume, cujo título e subtítulo pode se lê acima.

Caso essa seja sua primeira leitura desses contos, sugiro que leia desde o primeiro capítulo para uma melhor compreensão e proveito. Atenciosamente

Agamenon violeiro

Agamenon violeiro
Enviado por Agamenon violeiro em 01/05/2013
Código do texto: T4269253
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