Viagens pelo Ceará LXIX

IDEIAS AVENTUREIRAS, MUSICAIS, LITERÁRIAS, MÍTICO-CURANDEIRAS, ENXADRÍSTICAS, TEATROLOGAS E INSANAS... DE MORADORES DO VALE JAGUARIBANO, NUM ANO DE ESTIO.

ALTO SANTO

Resolvi fotografar alguns pontos da pequena cidade. Ao chegar a praça da igreja, vi que havia mesas de alvenaria para jogos de tabuleiro. Duas delas estavam ocupadas com quatro jogadores cada uma . Eram homens de certa idade e deviam estar aposentados. Cumprimentei a todos, pedi licença e desculpas por interromper o jogo deles. Vi que havia dois de chapéu e me dirigi ao mais magro, perguntei se ele se chamava Chico Girão. O homem pareceu ter se assustado com minha interrogação, mas antes que ele pudesse imaginar qualquer absurdo, tipo ser eu um pistoleiro, fui explicando meu propósito. Naquele momento, todos pararam pra me ouvir e observar, quando souberam do meu interesse pela história do Brucutu, voltaram a se concentrar no jogo. O Chico Girão foi atencioso e me disse para eu me sentar na mesa vazia ao lado. Continuou seu jogo e foi falando para todos escutarem o que ele sabia sobre o Brucutu. Achei interessante, inclusive porque alguns dos outros jogadores também participaram da descrição, confirmando e acrescentando coisas sobre o assunto.

Chico Girão começou dizendo que o Marquinho picolé, filho de um vizinho dele, havia sido colega do Brucutu nos tempos de ginásio e testemunhou muitas de suas ações dentro da sala de aula. Após o ginásio o Marquinho resolveu parar de estudar e montou a sorveteria, o Brucutu, cujos pais eram de Quixadá, foi morar em Fortaleza na casa de uma irmã dele e continuar os estudos. Segundo os alunos de sala e os professores do colégio Estadual, o Brucutu era muito inteligente, mas era tão calado como um mudo. Era bom aluno em tudo mas detestava ter que falar alguma coisa em público.

Até ir pra faculdade, foi criado no cabresto pelo pai, que era viúvo e só tinha ele e a filha mais velha. Esta estava casada e já morava na capital. O velho contratou uma emprega para fazer a comida e lavar as roupas deles dois. O Brucutu só estudava e o pai dele frequentava com assiduidade as reuniões do AA. Iam vivendo, mas o rapaz tinha esse problema de não gostar de falar e quando falava era de uma brutalidade extrema. Sabia-se que eles eram do Quixadá, talvez descendentes de sertanejos rudes. As pessoas daqui passavam a entender aquele comportamento e nunca houve desentendimento nem inimizade por isso. Ao que se sabe o pai do Brucutu se mudou pra cá, por ter brigado numa bebedeira e quase ter levado um irmão à morte. Mudou de cidade. Quando vieram, a família ainda era completa, e além da mulher, vinha com eles um outro homem, o Jairo, que era irmão do velho Chico, pai do Brucutu. O velho Chico dizia ter sido um alcoólatra mas, que se tornara um ortodoxo frequentador do AA. Fez de tudo para o filho se manter longe da bebida, e talvez por ser durão no seu comportamento, morreu de um ataque fulminante e de repente quando o Brucutu estava no ano de terminar a faculdade. No dia do funeral vieram os dois filhos e alguns parentes do morto lá do sertão central.

Dois dias após o enterro, os filhos deixaram a casa com placa de venda e voltaram pra capital. Mas antes do fim do ano o rapaz apareceu por aqui e estava outro. Bebendo e falando muito nos bares da cidade. Todo mundo estranhou aquilo. O que se sabe pela irmã dele é, que naquele mesmo ano o rapaz foi convidado para uma despedida de solteiro de um colega da universidade e por lá tomou o primeiro porre e não mais conseguiu se livrar das garras do álcool. Como o diabo não faz uma maldade só, o rapaz começou a fumar também. E assim sem mais nem menos, bastou não ter mais o pai para lhe infundir medo, que o rapaz resolveu mudar de rumo. Nem terminou o curso e a irmã e o cunhado agora é que iam carregar aquela cruz pesada.

Obs:Tenho publicado somente no recanto das letras uma auto-biografia, meu primeiro livro, cujo nome é “Fascinado por chuvas”. Já este texto que voce acaba de ler é parte do meu segundo volume, cujo título e subtítulo pode se lê acima.

Caso essa seja sua primeira leitura desses contos, sugiro que leia desde o primeiro capítulo para uma melhor compreensão e proveito. Atenciosamente

Agamenon violeiro

Agamenon violeiro
Enviado por Agamenon violeiro em 29/04/2013
Código do texto: T4265476
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