Viagens pelo Ceará LXVIII

IDEIAS AVENTUREIRAS, MUSICAIS, LITERÁRIAS, MÍTICO-CURANDEIRAS, ENXADRÍSTICAS, TEATROLOGAS E INSANAS... DE MORADORES DO VALE JAGUARIBANO, NUM ANO DE ESTIO.

O BRUCUTU DE BOQUEIRÃO

Entendi e me enterneci com todo aquele sentido desabafo e confissão, pois sei que embora o álcool fosse responsável por boa parte da emoção do Manfredo, creio que ele estava sendo sincero.

O monólogo do músico foi proveitoso mas era hora de se descansar afinal já passava das duas da manhã.

Ao sair de Limoeiro resolvi ir pela estrada estadual que dá acesso a Tabuleiro do Norte. Antes de chegar à barragem, mas já a avistando parei o carro ao lado de uma pequena elevação para fazer umas fotos. Pouco tempo depois, estranhei e até me assustei com uma gritaria vindo de uma casa do outro lado do morro, onde uma porção de garotos gritavam:

- Cuidado prá não morder a língua! Cuidado pra não morder a língua!

Estranhei aquilo e procurei ver a quem se referiam. Ao olhar para a lateral do morro vi, um homem barbudo e sem camisa se levantando do chão e segurando um saco velho que levou às costas com as duas mãos.

Parecia e era um andarilho e era sim, estava maltrapilho, suado e queimado de sol, enquanto andava na direção do asfalto ia respondendo aos insultos dos meninos:

- Vão estudar bando de analfabeto! Bestões! O homem emocionado fica burro! Bando de otário isso tudo é elementar! O vento que venta aqui é o mesmo que venta lá! Vontade é coisa que dá e passa.

E os garotos continuavam: - Cuidado pra não morder a língua Brucutú!

- Morder a língua é uma porra! Bando de filho da puta. Venha qualquer um ou todos que vou esfregar no nariz de vocês a verdade! Bando de bitolados vocês os novatos! Os velhos são bois mansos. Não tenho medo de nenhum, agora se for pra tremer na base não venha não!

- Cuidado pra não morder a língua - insistiam os meninos .

- Deixo qualquer um numa sinuca de bico desgraçada, quem diz o que quer ouve o que não quer! Bando de oreia! Dou dura, desço o sarrafo, só falo o que sei, nunca fiz a caveira de ninguém porra!

O homem sujo demonstrava revolta e grande força no desabafo como um ébrio, não era tão velho, não demonstrava completo descuido de si mesmos, mas era daqueles que gostam de perambular pelas estradas e às vezes ficam sentados nas calçadas das ruas. Estão sempre carregando algum saco e objetos velhos e são tidos por alguns como aflagelados.

Não gostei daquele tipo de brincadeira dos meninos. Olhei pro homem e ele parecia assustado e muito zangado e estranhou que eu o tivesse olhando também, mas continuou andando pela estrada como um cachorro que é enxotado com insultos, senti piedade dele, contudo resolvi não incomodá-lo. Entrei no carro e me dirigi à casa onde estavam os meninos. Apareceu uma mulher e eu me dirigi a ela e perguntei sobre o homem que os meninos começaram a incomodar. A mulher respondeu que era o Brucutu de Boqueirão. Era um rapaz que morava em Alto Santo e tinha ficado meio doido por ter estudado muito, não tinha mais família e vivia pelas estradas e até dormia no mato. Ficava andando de Boqueirão para Alto Santo toda semana, e por onde passava tinha gente que gostava de fazer raiva a ele, falando coisas e o chateando. Bastava dizer que era pra ele ter cuidado pra não morder a língua que ele se irritava e respondia alguma coisa.

Fiquei curioso pelo fato da mulher ter dito que ele ficou daquele jeito por ter estudado muito. Quando eu chegasse em Alto Santo ia procurar saber do caso do Brucutu do Boqueirão.

Não me demorei em Tabuleiro do Norte, apenas fiz alguns registros fotográficos da cidade e segui na direção de Alto Santo. A estrada estava boa e a mesma paisagem típica do semi-árido é o que se mais se vê. Ao chegar em Alto Santo, procurei o mercado, fazia tempo que eu não comia um guizado de boi com cuscuz e café. E foi isso o que fiz. Perguntei à senhora vendedora do guisado quem poderia na cidade me informar sobre a vida do Brucutu do Boqueirão, e ela disse que qualquer um morador da cidade poderia me informar. Ela sabia que ele tinha ficado daquele jeito depois da morte do pai dele. Devido à mulher estar muito ocupada atendendo aos fregueses, resolvi não interroga-la mais, porém depois que ela atendeu a todos e eu lhe pedi a conta, ela disse que quem poderia me dizer alguma coisa mais sobre o andarilho era o marido dela, que àquela hora devia estar na praça da igreja jogando dominó e conversa fora. Era um magro de chapéu e se chamava Chico Girão. Agradeci à mulher e me dirigi para lá.

Obs:Tenho publicado somente no recanto das letras uma auto-biografia, meu primeiro livro, cujo nome é “Fascinado por chuvas”. Já este texto que voce acaba de ler é parte do meu segundo volume, cujo título e subtítulo pode se lê acima.

Caso essa seja sua primeira leitura desses contos, sugiro que leia desde o primeiro capítulo para uma melhor compreensão e proveito. Atenciosamente

Agamenon violeiro

Agamenon violeiro
Enviado por Agamenon violeiro em 29/04/2013
Código do texto: T4265101
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.