Viagens pelo Ceará LXII
IDEIAS AVENTUREIRAS, MUSICAIS, LITERÁRIAS, MÍTICO-CURANDEIRAS, ENXADRÍSTICAS, TEATROLOGAS E INSANAS... DE MORADORES DO VALE JAGUARIBANO, NUM ANO DE ESTIO.
LIMOEIRO
Disse que ia contar mais dois casos, pra encerrar o seu falatório por aquele dia. Chamei o garçom e pedi a conta e ele continuou, a mulher dele dormia como uma criança.
“Esse caso se deu com a neta de uma senhora moradora da Ilha do Governador no Rio de Janeiro. A menina contava uns oito anos e se emocionava ao ponto de chorar, ao ouvir o toque do hino nacional brasileiro.
O segundo se deu comigo, ao ouvir uma peça musical nunca antes ouvida por mim. É um caso parecido com o da menina. Foi na sala Leopoldo Miguez também no Rio. O ano era 2002. Eu estava bem, ou seja não estava cansado, nem chateado, nem preocupado, nem nervoso. Ao contrário de tudo isso eu estava bem humorado antes de entrar no auditório. Sentei-me ao lado de uma garota que podia ter uns dez anos, ela segurava uma flauta doce ao lado de uma mulher que podia ser sua mãe. Eu aguardava tranquilo o início da execução, no meio daquele burburinho de sons dos músicos no palco se exercitando nos instrumentos. De repente o spalla entra e em pé, começa a friccionar a nota mi do violino para se iniciar a afinação, lá, ré, sol. O silencio se faz na platéia e em seguida soam aplausos para o maestro que entra, cumprimenta o spalla e o auditório. Pra encurtar a história, digo que aquela peça do Henrique Osvald me atingiu em cheio, e logo aos primeiros compassos me senti dominado, derramado copiosas lágrimas e soluçando como um menino, mas não sei definir o que senti. A garotinha ao meu lado, ao me ver e ouvir os suspiros do chorão aqui, se vira pra mulher e a interroga preocupada – será que ele está passando mal? – não eu não estava me sentindo com nenhum problema, eu só estava chorando emocionado por algo que não definia e que me chegou com aquela música.”
Nesse momento perguntei a ele que nome tinha a peça e ele respondeu que não se lembrava, mas ia tentar se lembrar para me dizer, mas não lembrou e por isso não me disse. E continuou:
“Existem canções que me tocam pela poesia e outras que fazem isso simplesmente pela melodia. Se lembra da descrição feita por Chico Buarque na música “a banda”, onde toda a cidade se enfeita e é de uma forma ou de outra, tocada pela banda que passa cantando (tocando) coisas de amor? Pois é, é coisa parecida com o efeito da flauta de Pan que enfeitiçava a natureza ao redor.
E só fez uma pausa para bebericar e continuou:
“Sou facilmente conduzido para esses recantos do pretérito através de sons musicais. Sinto que as sensações se assemelham, independente da distância, basta eu me lembrar de algum acontecido do passado, um sentimento vem atrelado a ele. É aquela verdade do bordão popular de que recordar é viver. O que senti há alguns anos é possível se identificar com uma sensação do presente, ou até outra mais antiquada já vivida. Sinto que a música está presente em minha vida, não só como sons para um simples ouvinte, pois desenvolvi o gosto de praticá-la. Sei que isso de se recordar lugares e situações através de uma melodia acontece na vida de quem é bom ou mau ouvinte, pois a música invade os ouvidos e se junta aos outros acontecimentos do momento, serve como marco e referencia e a única condição que exige é que a pessoa não seja surda.
Além disso existe música exclusiva para fazer parte de certos eventos, é o que acontece com hinos exclusivos para instituições, trilhas para filmes, novelas, academias de ginástica, bailes, sinfonias orquestradas, cantos de guetos e de tribos e muitas outros mais.
Relembro que em 1979, eu me encontrava numa manhã ensolarada em Fortaleza na praça José de Alencar e ia pegar a rua Guilherme Rocha na direção da praça do Ferreira. Naquele momento chegava aos meus ouvidos a bela voz de Patrick Dimon cantando a canção “Pigeon without a dove”. Essa música era recém lançada, a melodia, os arranjos, aqueles detalhes vocais femininos e o trecho de “O Guarani” de Carlos Gomes embelezando mais ainda a já linda canção, me inspirava um romântico, sentimental, e eu não sabia nada da letra. Eu já associava essa audição a outra que há uns três anos antes também mexeu com o mesmo sentimento. Era a canção de Morris Albert “She`s my girl”, sei, qualquer um pode dizer que são músicas românticas de uma época, mas eu digo que isso não basta, ou seja não é tudo, o caso exige maiores detalhes e explicação.
Obs:Tenho publicado somente no recanto das letras uma auto-biografia, meu primeiro livro, cujo nome é “Fascinado por chuvas”. Já este texto que voce acaba de ler é parte do meu segundo volume, cujo título e subtítulo pode se lê acima.
Caso essa seja sua primeira leitura desses contos, sugiro que leia desde o primeiro capítulo para uma melhor compreensão e proveito. Atenciosamente
Agamenon violeiro