NICODEMO, O OUTRO LADO

                    Sabes de Nicodemo? Tudo bem, se não sabes. Relaxa, não precisavas saber. A pergunta é apenas uma proposta para que examines o quanto te exiges saber acerca das coisas da vida, muitas das quais sequer ouviste falar. Nicodemo é o símbolo do que não conheces e nem precisas conhecer, porque talvez nada mude na tua vida se o conheceres.

                         Para mim, mudou. Conheci ele quando tinha uns vinte e três, vinte e quatro anos. Participávamos do Projeto Rondon, programa do governo que reunia universitários para atuar em comunidades carentes, algumas da própria região, outras em localidades de extremos opostos. Naquele fevereiro, nós, do Rio Grande do Sul, iríamos para a Paraíba.

                           O treinamento começara em setembro e o carisma dele me conquistou de imediato. Ele era tudo o que eu gostaria de ser. Simpático, espirituoso, envolvente, sedutor. As meninas o cercavam e a alegria e a descontração eram a marca dos encontros. Fiquei amigo do Nico por óbvias razões. Ele demonstrava um carinho especial por mim e fazia questão de me manter por perto. Me ensinava coisas. Filósofo, o Nico. Devia ter não mais do que vinte e sete, vinte e oito anos, mas sabia da vida o que sabiam os de quarenta. Morava num apartamento diminuto da Cidade Baixa, dividido com três colegas da Faculdade de Agronomia. Tinha vindo do interior, não lembro a cidade. Nos seis meses que convivemos, ele vestiu uma única calça jeans, colada no corpo magro. Lembro de duas ou três camisetas berrantes em seus coloridos e que só foram abandonadas quando recebeu as do Projeto Rondon, brancas, com o logotipo impresso na lateral superior esquerda, tendo, por baixo, o lema “Integrar para não entregar”.

                     Fizemos algumas festas antes da atuação no Projeto Rondon. Gostava de ficar ao lado dele, sempre rodeado de garotas interessantes. Com o tempo me surpreendi usando as frases dele, as gírias, as expressões pessoais. Lembro de ter ido nas Lojas Renner para ver se encontrava uma calça jeans igual à dele.

                    No ônibus, em viagem para a Paraíba, que durou cinco dias, fui escudeiro-mor dele, o personagem da viagem. Nico comandou o espetáculo e transformou o tédio num roteiro palatável. Foi uma festa e, coadjuvante, curti um palco que jamais abandonaria.

                        Depois dos dias que ficamos em João Pessoa, pouco contato tive com Nico.

                      em Porto Alegre, tentei contato, mas fui informado que ele havia abandonado a Faculdade e voltado para a cidade natal. Senti a perda.

                                            Parte do Nico ficou em mim. Descobri que ele era uma grande farsa, como foi a maioria dos meus heróis.

                              Ainda hoje lembro do Nicodemo. Do Nico que está dentro de mim. Do Nico que me sugeriu jeitos de ser. Jeitos que gostei de ser, sem desaprender outros jeitos, aprendidos com um certo senhor circunspecto e sem brilhos, mas sólido, real, que me cedeu os gens do que, inevitávelmente, sou e serei, além do meu romântico coração.

Nelson Eduardo Klafke
Enviado por Nelson Eduardo Klafke em 26/04/2013
Reeditado em 09/05/2013
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