Viagens pelo Ceará LXVI

IDEIAS AVENTUREIRAS, MUSICAIS, LITERÁRIAS, MÍTICO-CURANDEIRAS, ENXADRÍSTICAS, TEATROLOGAS E INSANAS... DE MORADORES DO VALE JAGUARIBANO, NUM ANO DE ESTIO.

LIMOEIRO

O Marquinho é um visionário, do jeito que ele quer fazer não convence a muitos. Ele, lá em Fortaleza, conheceu algumas celebridades nacionais e locais e igualmente andou trilhando caminhos espinhosos. Foi influenciado pelos músicos e começou pelo álcool, depois andou cheirando cocaína. Certa vez foi convidado para uma reunião do "santo daime" e por lá, depois de beber um chá, teve alucinações. Finalmente resolveu voltar pra cá. Ainda esteve vendo coisas por muito tempo. É tanto que me disse certa ter visto à noite o céu se abrindo e se iluminando, naquela luz lhe apareceram os apóstolos e os profetas, noutra visão viu a virgem Maria. Hoje em dia ele não está mais pra bebedeiras embora às vezes fantasie coisas sobre a política da cidade e torça por uma vaga na próxima administração, isto se o candidato que ele vai votar for eleito. Como você pode ver, os tipos que conheço no meu estabelecimento são às vezes muito exóticos, mais do que se possa imaginar”.

E sobre a música erudita perguntei se ele tinha algo a me dizer, falou:

“Sei por leituras e por audição que no campo da música erudita existiu um outro cidadão com o qual me irmano empaticamente. Sinto essa harmonia ao ouvir suas peças, é que nelas sintonizo uma identificação pelo estilo. Trata-se do alemão Beethoven, que viveu numa época de grandes preconceitos e sofreu o mau da surdez do meio para o fim da vida. Pra completar o drama do gênio incompreendido, ele foi um irrealizado no amor. O que me leva a pensar que talvez por ter vivido em contato constante com a angústia, tenha expressado a dor que sentia em suas composições. Assisti a um documentário sobre a sinfonia Heróica, em que uma pretendente do gênio se recusa a unir-se a ele, por ele não ter um título de nobreza, nem uma renda que ela julgasse suficiente. A tal mulher ainda dizia que não gostava de sua música, por achá-la barulhenta. Essa pessoa era uma viúva que desejava viver e ter paz com os filhos.

O grande músico foi também um inovador e estava bem adiante do seu tempo. Suas sinfonias e concertos apresentam um vigor eloquente em certos momentos como uma sentida e desabafada fúria que chega a acelerar a respiração do ouvinte. Sinto esse tipo de criação como se fizesse parte da minha natureza, e mesmo nas minhas execuções instrumentais, eu as quero assim, fortes de vez em quando e não uma constante e linear suavidade.

Mas de um modo geral a música erudita não tem muitos ouvintes, ela evoluiu para a música atonal, que é uma coisa abstrata, matemática, cerebral e são poucos os que a escutam como música pura, sim. Mas porque ela está embutida em trilhas de filme, as pessoas ouvem, mas poucos percebem a sua influencia por se ligarem mais às imagens”.

Perguntei o que ele podia falar sobre o jazz e disse que a próxima rodada eu pagava junto com o tira-gosto. E ele abriu o verbo:

“Depois que leio novos autores, depois de ouvir novos sons, e apreciar outras formas de arte como a pintura e a escultura, é que sinto o quanto as coisas evoluem e passam por transformações. Me arrisco a dizer que quem ama a arte, é naturalmente atraído por ela.

Tenho me deliciado com canções jazzísticas pela internet, são belas vozes americanas, cujas interpretações me fascinam pela pureza e sonoridade requintadas. Sou particularmente ligado aos felizes e sublimes registros de cantores e cantoras não tão modernas, gravadas há trinta, quarenta anos, mas sinto como se eu estivesse encontrado agora uma região das mais desejadas pelo meu gosto. Vozes como as de Petula Clark, Stacey Kent, Lisa Maxwell, Nancy Wilson, Joanie Somers, Natalie Cole, Diana Krall são muito belas, independente da época em que foram interpretadas. A beleza contida nas melodias são algo quase que divino pelas ternas expressões. Costumo chamar o jazz de o caminho da sonoridade, porque de lá, desde o nascimento do blues, ele tomou forma sofisticada e vive nos aparecendo com outras mil faces a cada apresentação onde os músicos se deleitam com a estrada do improviso. Pois é apaixonadamente assim que defino o jazz: estrada da bela sonoridade. O oposto do jazz, pode parecer esdrúxulo mas para mim é a música popular da camada menos intelectualizada do nosso país. Porque a pobreza em letra, melodia e harmonia beira o absurdo do inferno! É uma praga miserável, e uma tortura para os meus pobres mas exigentes ouvidos. Observo uma mania vulgar e exacerbada dos compositores de muito falar em paixão, amor ou coisa apelativa, machismo, homossexualismo, a indução ao consumo de álcool, à pornografia, chegando à beira do preconceito e desrespeito. Parece até que não existe mais censura alguma no país, e qualquer um pode dizer o que quiser prá quem quiser e da forma que lhe aprouver, que coisa horrível e de péssimo gosto! Não acha”?

Obs:Tenho publicado somente no recanto das letras uma auto-biografia, meu primeiro livro, cujo nome é “Fascinado por chuvas”. Já este texto que voce acaba de ler é parte do meu segundo volume, cujo título e subtítulo pode se lê acima.

Caso essa seja sua primeira leitura desses contos, sugiro que leia desde o primeiro capítulo para uma melhor compreensão e proveito. Atenciosamente

Agamenon violeiro

Agamenon violeiro
Enviado por Agamenon violeiro em 26/04/2013
Código do texto: T4260698
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