A árvore

Girou a chave na fechadura. Empurrou a porta, e fechou-a logo. Chovia. Acendeu a luz da salinha. E, por desfastio, procedeu de igual maneira na cozinha contígua. Entreteve-se um minuto esvaziando os bolsos: papeis molhadas, carteira, celular. Depositou tudo na pequena estante.

Desabotoou a camisa completamente encharcada, repousou-a no espaldar. Afastou os sapatos enlameados para um ângulo da sala, e livrou-se também da calça jeans e das meias, empapadas. Finalmente abriu a porta do quarto.

A luz foi se coando gradativamente para dentro do cômodo. Foi alumiando os ladrilhos, e subindo pelos pés da cama: sobre seus lençóis um corpo de mulher jazia nu. Os beiços pareciam feitos de sangue. Um calor quase sonoro se despejava de dentro daquele corpo para o exterior. Era um pequeno sol no centro de seu quarto. "Uma mulher-ET", pensou.

Ao invés de cabelos, faixas de cetim amarelo saiam de dentro do couro cabeludo agonizavam antes de atingir os ombros. O tecido era salpicado por centenas de pequeninas flores pretas . Era uma caricatura: sua boca abriu-se e Jorge viu sua língua pontiaguda. Os braços finos, o corpo todo diminuto. Febril. Ele apertou de leve aquele rosto entre suas mãos úmidas. Era um sujeito sentimental.

Deitou-se ao lado do corpo desconhecido . Simbiose. A cama englobou os corpos com uma calma mecânica e transmutou-se. Fertilidade, várzea... Cheiro de argila impregnou-se nas paredes e confundiu-se com o ar

Um rato ruivo desprendeu-se do teto, planou sem peso. Foi engolido pela terra movediça.

Uma seringueira brotou com austeridade daquelas entranhas e rompeu a noite.

Welliton Oliveira
Enviado por Welliton Oliveira em 23/04/2013
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