Já segurei a mão de Hitler
Estou na graça de contemplar auroras e ver pássaros brancos á noite. Era um desejo ser alguém hoje ou amanhã. Mas, minhas revistas e livros de história transfiguravam meu íntimo para outra época.
Em outra idade estava segurando a mão de Hitler quando tudo começou. Segurava forte aquela mão áspera e suja de valores. Olhava profundamente suas pupilas e nada falava. Eu conspirava a negatividade. Por isto estava eu ali diante da autentica genialidade e perversidade humana. Havia rumores de guerra, mas as ideias eram velozes ao ponto de invadirem até o lado mais profundo do córtex cerebral dos seres que o ouviam. Foram desligadas todas as emoções humanas. E todos, como eu, no maior complexo do ser comportavam- se como simples soldados obedientes, ou como apenas fantoches na mão de um (ou não) irresponsável.
Somente algumas doses de álcool eram capazes de me livrar do silencio que estava ampliando se cada vez mais dentro de mim. Bem verdade que o cigarro também me ajudava, mas não podia fazer tal ato estando ao lado de Hitler, já que o mesmo era ex-fumante e repugnava aqueles que fumavam.
Hitler, seu bigode, e o continente europeu sendo dominado. Aquilo acontecia tudo diante do meu olhos, até achava que era meu professor que estava narrando aquilo aos meus ouvidos A história cochilou, sim, talvez aquele instante fosse delimitado como percursor para eternidade.
Quando no Brasil em 1930 homens eram escravizados pela suástica e palmatória no Rio de Janeiro, eu estava pateticamente ignorando meus princípios ali segurando a mão daquele ser que tanto desconhecia (e conhecia). Mas, pense e pergunte-se: o que estava eu fazendo ali segurando a mão do mesmo? Até quem nunca ouviu falar de nazismo sabe falar da afetuosidade e carinho demonstrado por Hitler acerca de estranhos. A verdade é que estava ali por engano. Ele segurou a mão de uma judia por todo o seu percurso de antissemitismo e racismo. Sim, eu era judia. E pensava ele ser uma sobrinha desconhecida.
Em viagens ao Brasil durante o governo de Vargas lembro-me ter visto de longe o olhar de Olga Benário Prestes, e ali durante aqueles segundos senti inveja de seu pudor e de sua tristeza intrépida. Em mim despertou falar e gritar ali mesmo. Queria conhecer de perto o "monstro de mil cabeças" que falavam acerca do comunismo.
Ao sair do Brasil e quase chegando á Alemanha o que menos queria veio átona. Olhei pela última vez para o bigode e todo o semblante de Hitler e falei o que eu era. Sim, eu falei. Chorando, sentia sangue ao descer das lágrimas e de toda minha garganta. Ele empurrou-me devagar. E apenas cochichou com um dos soldados que estavam ali. Então fui junto aos 6 milhões de judeus e aos campos de concentração. Fiquei ali durante dois dias. Mandaram-me para um campo de extermínio. Era uma câmera de gás, eu sabia. Havia escolhido o mesmo destino da mulher que senti inveja dias atrás. E despedi-me das mãos de Hitler, para sempre.