Viagens pelo Ceará LXI

IDEIAS AVENTUREIRAS, MUSICAIS, LITERÁRIAS, MÍTICO-CURANDEIRAS, ENXADRÍSTICAS, TEATROLOGAS E INSANAS... DE MORADORES DO VALE JAGUARIBANO, NUM ANO DE ESTIO.

Nesse momento imaginei que ele tivesse concluído o que queria dizer das diferenças entre as músicas de roedeira do passado e as do presente. A mulher dele já estava bocejando mas o cara queria falar mais e continua dizendo:

“Sei muito bem o que causa em mim re-escutar um canção, creio que posso “reiterar” algumas delas e explico já, já. Ouvir outra vez, uma música que já ouvi, é algo bem distinto de ouvir alguma pela primeira vez. Nem sempre, ao ouvir algo novo tenho uma sensação agradável, muitas vezes pode acontecer o contrário, posso me agradar depois de bastante ouvir algumas, posso não me agradar nunca, é um instinto meu, creio. Não sei explicar porque não gosto de uns tipos, sei que a sensação me é desagradável e, com as que gosto, sei que gosto e posso tentar explicar porque gosto. Mas isso se torna meio enfadonho pra quem não conhece os intervalos melódicos, acordes, inversões, modulações e outras coisas teóricas, só que antes mesmo de eu conhecer esses símbolos sonoros, podia gostar e já gostava de algumas músicas e não sabia porque gostava, sabia sim que as achava belas, embora não soubesse nada mais, nem as notas musicais.

Uma vez, quando eu era solteiro ainda, convidei uma garota amiga minha e que depois foi namorada, pra gente ir a um concerto no teatro. Foi no tempo que morei no Rio de Janeiro. Ela aceitou e nós fomos, mas antes ela me disse que nunca havia pensado em ir a um concerto, porque não entendia aquele tipo de música. E eu aproveitei para dizer pra ela que eu também não entendia, o que era mesmo interessante era a gente procurar sentir os sons. Vou então usar o verbo sentir, pode ser que assim eu me saia melhor nessa explicação.

Volto a falar das primeiras e das secundárias audições de uma melodia. Digamos que eu ouça uma palavra que esteja numa canção que eu goste: janela, deusa, rosa, confraria, garota, ouça... ou mesmo eu escute um assobio pela rua, quase sempre essas duas coisas são contagiantes e logo começo a entoar a cantiga ou a arremedar o assobio. Já comprovei que uma boa gargalhada, um solfejo de uma canção alegre ou mesmo uma animada conversa, tudo isso pode afugentar meu mau-humor. Esse contágio é fatal até pra passarinhos, já observei que eles estando em galhos ou gaiolas são contagiados por expressivos sons musicais que escutem por perto e logo começam o seu trinado também. Sem querer atribuir nada às ciências dos místicos, sinto a simples vibração sonora me despertar e convidar, porque na vibração do canto ou do assobio, estou de certa forma trilhando um caminho, como uma velha e conhecida estrada, que pode nem ter começo meio e fim, mas vários quadros atrelados á minha lembrança... noutras palavras: há músicas que me fazem esquecer o meu presente e me levam pela imaginação a pensar em situações e momentos que vivi, e por ali fico a devanear, e revisitar algumas cenas minhas do passado.

Certa feita e acho que eu nem tinha treze anos, ouvi num parque de diversão a trilha sonora de um piano lento em menor e a voz de Roberto Carlos cantando: "eu disse adeus, nem mesmo eu acreditei mas disse adeus... mas foi melhor dizer adeus naquela hora pra não chorar depois". De imediato fui tocado por aquela música e a lembrança da uma garota da minha sala que eu gostava em segredo, aquele tipo de paixão medrosa que acho todo rapazote sente... As vezes imagino que eu sempre tive alma de velho por coisas sentimentais, senão como explicar que um garoto de treze anos que nunca soube o que era uma despedida, ou um sentimento nostálgico similar, possa se enternecer por canção tão adulta e carregada de drama e desengano que, ainda nem pensava em viver. Seria eu já dotado de um bem desenvolvido diapasão para estar afinado com o sentimento realmente vivido pelo compositor e bem interpretado pelo cantor e os músicos? Talvez sim, se não foi isso, foi só sentimento mesmo e não sei o que foi, se não foi uma das duas coisas, mas aqui cabe ressaltar que estou falando da letra da música, que era tão triste como a melodia.

Obs:Tenho publicado somente no recanto das letras uma auto-biografia, meu primeiro livro, cujo nome é “Fascinado por chuvas”. Já este texto que voce acaba de ler é parte do meu segundo volume, cujo título e subtítulo pode se lê acima.

Caso essa seja sua primeira leitura desses contos, sugiro que leia desde o primeiro capítulo para uma melhor compreensão e proveito. Atenciosamente

Agamenon violeiro

Agamenon violeiro
Enviado por Agamenon violeiro em 23/04/2013
Código do texto: T4255536
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