Viagens pelo Ceará LVIII
IDEIAS AVENTUREIRAS, MUSICAIS, LITERÁRIAS, MÍTICO-CURANDEIRAS, ENXADRÍSTICAS, TEATROLOGAS E INSANAS... DE MORADORES DO VALE JAGUARIBANO, NUM ANO DE ESTIO.
QUIXERÉ
Depois daquele monólogo do rezador eu estava com muita coisa gravada para ouvir e escrever. Saí daquele sítio me sentindo muito bem. Ainda peguei na pousada uma das câmeras de longo alcance e fiz algumas fotos da chapada do Apodi. Nisso a noite estava se avizinhando e era hora de procurar uma churrascaria e pedir uma cerveja gelada por que ninguém é de ferro.
Limoeiro era meu destino no dia seguinte mas eu só ia seguir viagem depois de copiar os depoimentos do velho Aprígio no computador. Por isso só cheguei a Limoeiro na parte da tarde.
LIMOEIRO
Observando o mapa pode-se dizer que Limoeiro é uma ilha, por se achar entre os braços do Banabuiú e o Jaguaribe. Me informei sobre a instituição “casa do cantador” que lá existe e a visitei. Infelizmente não encontrei nenhum repentista naquela tarde para conversar. Fotografei algumas igrejas da cidade e ainda visitei o atelier dos desenhistas. Aluguei vaga numa pousada e enquanto mantinha uns contatos pela internet, esperei a noite chegar.
Em Limoeiro conheci um artista da música. Flautista dos bons e bem falante. Contou-me muitas das suas preferencias e experiências no campo da arte. Ele é natural do Cariri, se chama Manfredo Coelho de Mello, morou e estudou no Rio de Janeiro e tem uma experiência de quase quarenta anos com a arte dos sons. O homem estava se apresentando num bar da rodoviária com um violonista, uma cantora e um percussionista. Após uma pausa na apresentação, me dirigi a eles e perguntei se eu poderia conversar com o grupo todo, mas notei que só ele e a mulher que era a cantora, se mostraram disponíveis, é que os outros precisavam sair, iam tocar em outro local ainda.
Depois que saí de Quixeré, fiquei meio temeroso de fazer perguntas a qualquer um, afinal não sou repórter e nem todo mundo gosta de ser interrogado. Expliquei que eu era um viajante e gostava de fotografar e conversar com pessoas, se ele não se incomodasse e quisesse falar de sua arte e experiências eu gostaria muito de ouvir. A receptividade do artista foi tanta que eu até estranhei, e até imaginei que que o flautista estava de bem com a arte e a mulher, além do mais havia tomado um bocado de uísque. Depois que ficamos numa mesa os três ele foi dizendo:
“Em se tratando de música, não percebo a arte como algo ligado ao modismo, sinto a arte sim, pela beleza que ela expressa independente da época. Me ligo no som do passado e ao do presente, tanto escuto Beethoven quanto Luis Gonzaga, tanto ouço os sons tribais, quanto o jazz e a música atonal, para mim a arte sonora é a que mais me apraz.Com a mesma sede de ouvir procuro sentir o belo, aprecio a graça de vestimentas, de esculturas, o prazer de cheiros e sabores, a beleza de velhos filmes e fotos antigas, coreografias arcaicas de dança, formatos de objetos e muito mais que nem lembro agora. Basta existir a beleza e eu percebê-la que me sinto atraído”.
Eu não o conhecia sóbrio, mas tenho a impressão de que o uísque o ajudava a ser mais expressivo. Continuou falando:
“Ainda sobre a música, tanto existe a atração como a repulsão, é que alguns ortodoxos não aceitaram facilmente a colocação da guitarra elétrica na chamada pura música brasileira na década de 1960. Não vejo porque esse preconceito, e é bem provável que hoje ainda, nem tudo seja bem aceito por todos em matéria de sonoridade. Confesso que permaneço na minha, assim, tento divulgar o que sinto, sei que existem pessoas empáticas comigo por este mundo de meu Deus.
Rapaz não sei se você leu mas, existe um excelente livro escrito por Nelson Motta, chamado: Noites Tropicais solos, improvisos e memórias musicais, que fala da evolução da música brasileira, desde o início da bossa nos anos cinquenta, recomendo-o vale a pena.
Tomou mais um gole e deu um beijo na mulher, ela estava com a cabeça encostada ao seu peito dele. E ele foi dizendo que certa vez, despertou para uma coisa muito interessante e que hoje inda gostava de fazer que era ficar ouvindo vozes estrangeiras em rádios pela internet.
Obs:Tenho publicado somente no recanto das letras uma auto-biografia, meu primeiro livro, cujo nome é “Fascinado por chuvas”. Já este texto que voce acaba de ler é parte do meu segundo volume, cujo título e subtítulo pode se lê acima.
Caso essa seja sua primeira leitura desses contos, sugiro que leia desde o primeiro capítulo para uma melhor compreensão e proveito. Atenciosamente
Agamenon violeiro