Viagens pelo Ceará LIX
IDEIAS AVENTUREIRAS, MUSICAIS, LITERÁRIAS, MÍTICO-CURANDEIRAS, ENXADRÍSTICAS, TEATROLOGAS E INSANAS... DE MORADORES DO VALE JAGUARIBANO, NUM ANO DE ESTIO.
LIMOEIRO
E Manfredo foi dizendo: - “Quando estou em casa, gosto de ouvir estações de rádios de outros estados e países, onde me delicio até mesmo com as vozes das apresentadoras e locutores, sinto melodiosas algumas delas, mesmo sem nem entender nada do linguajar. E por falar em língua, dizem que existe ainda umas três mil ainda faladas pelo mundo, sem contar com as dos anjos... é por isso que digo que o ser humano ainda é muito estranho para com os próprios irmãos dele, mesmo com todo o progresso tecnológico, estamos muito atrasados ainda, pois moramos num planeta e ainda não somos capazes de nos comunicar naturalmente, há entre nós a barreira da língua... mas não estou aqui para lamentar nada disso, porém, bem que eu gostaria de ouvir um pouco de cada um idioma se fosse possível, creio que isso seria um experimento para conclusões, porque estou certo de que nem tudo é completamente agradável como a gente imagina. Já constatei que existem alguns timbres que são repugnantes para minha audição, mesmo cantados, porque são fanhosos e gritantes, e isso me faz lembrar de uma terminação de um gabinete de cantoria onde um dos cantadores disse:
Eu acho que é quase louco
Grita muito e canta pouco
O cantador de vocês!
E Manfredo continua dizendo que para ele as vozes são música. Explica letras de canções em homenagem ao Jacó do bandolim, “naquela mesa”, “saudade de Amélia”, “amanhã será um lindo dia” do Guilherme Arantes, Cálice de Chico Buarque e muitas músicas de crítica de artistas para com outros artistas. Diz que Raul Seixas e Rita Lee criaram canções criticando outros artistas que faziam sucesso na década de 1970. Quando Raul disse: “eu também sou um rapaz latino americano que sabe se lamentar”, estava se referindo ao cantor cearense Belchior.
Fala dos timbres de algumas cantoras do Brasil e do exterior, me chama a atenção para a voz chorosa e os gritinhos da bem afinada Joelma do Calipso, para o grave de Nelson Gonçalves quando era moço e pra suavidade de um Augusto Calheiros. Diz que o cantor Djavan é um dos mais sofisticados compositores e intérpretes que ele já ouviu e que os cantores baianos são muito unidos entre eles. Além disso, fala de estilos e sofisticações sonoras, lugar onde se encaixou a bossa-nova que passou a ser um tipo jazz tipicamente brasileiro.
Naquela noite, resolvi tomar um uísque também e notei que a conversa ia entrar pela madrugada mas eu estava disposto a variar a rotina e sem que eu perguntasse mais alguma coiasa, ele continuou:
“Sou cearense do Cariri e nasci em 1961, por essa razão, ainda ouvi música em rádio valvulado. Lembro-me que as pessoas do interior chamavam as canções de moda... no rádio existia a moda nova e a moda velha, modas de Nelson Gonçalves, Orlando Silva, Noel Rosa já eram tidas por velhas na minha meninice, apesar de Nelson ter continuado gravando ainda por mais de duas décadas, mesmo que basicamente os mesmos temas. Eu gostaria de não citar os autores das canções interpretadas por ele, sei que Noel Rosa, Lupicínio, Ataulfo dentre outros foram muito bem interpretados pelo grave belíssimo do mestre Nelson. Porém o que me interessa comentar é o teor da letra, já que as melodias populares daqueles anos não apresentavam quase nenhuma sofisticação Mas mesmo assim, as canções eram muito bem orquestradas, havendo destaque para belíssimos arranjos de cordas, piano, metais e grande riqueza sonora... mas isso não significa que já usassem harmonias sofisticadas do jazz. As letras eram em sua maioria queixas de decepções amorosas tipo “ela se enamorou de outro rapaz”, estórias de desvarios e dramáticas paixões. Há uma em especial, em que o heroísmo-altruísmo do personagem é tanto que diz: “Eu sabia que você um dia me procuraria em busca de paz, muito remorso muita saudade mas afinal o que é que lhe traz”?... e explica: é o caso de uma ex-namorada do compositor que quando jovem e bela, teve muitos amores e quando já não é mais tão formosa, volta cansada da vida libertina que viveu, cansada dos prazeres mundanos e ouve dele uma lição de moral que é pra ela imitar a planta que morre de pé. Ainda por cima a agradece a ela por ter se lembrado dele, no final da canção diz: “homem que é homem, faz qual o cedro que perfuma o machado que o derrubou”, dando a entender que a aceita de volta.
Obs:Tenho publicado somente no recanto das letras uma auto-biografia, meu primeiro livro, cujo nome é “Fascinado por chuvas”. Já este texto que voce acaba de ler é parte do meu segundo volume, cujo título e subtítulo pode se lê acima.
Caso essa seja sua primeira leitura desses contos, sugiro que leia desde o primeiro capítulo para uma melhor compreensão e proveito. Atenciosamente
Agamenon violeiro