O Triste Fim do Pequeno Principe

As frestas no maderit, piso bruto de terra, telhas de brasilit que aquecem como um forno, lodo sobre o piso úmido do banheiro, tornam o castelo de madeira um ambiente pouco atrativo para o nosso pequeno príncipe que acabou de completar oito anos e não ganhou se quer um abraço para marcar a data tão importante, sentado na cama com seus outros irmãos assiste Tv , prestando atenção a cada movimento do personagem do desenho ,a televisão de madeira,com antena improvisada com pedaço BomBril, colocada sobre um criado mudo segurado por blocos de alvenaria.

Marcas da briga da noite anterior reflete nos vidros do prato que foi arremessado contra sua mãe , pelo então presente ,exemplo e modelo de vida , padrasto.

Depois de uma escassa refeição com pães amanhecidos e um café ralo e sem açúcar, um clima tenso onde sete pessoas dividem quatro metros em sala cozinha e quarto. Com espaço extra para uma varanda segurada por palafitas fincadas no esgoto (Nosso garoto provavelmente nunca irá ao Play Center, mas a casa dos horrores ele conhece bem).

Após um construtivo dialogo entre mãe e filho, onde de dez palavras sete foram palavrões e blasfêmias, com direito a uma despedida fria e sem afeto, pega o material escolar na sacolinha de mercado e vai para escola buscar sua segunda refeição com o álibi de quem vai estudar . Com oito anos usando roupa de criança de cinco doada pela bondosa madame onde sua mãe fazia faxina. Pretinho distante do padrão global causa nojo às professoras pelas feridas e piolhos , vitima de um preconceito que ainda não consegue definir, mas sente na pele .

Atravessa a ponte de madeira que da acesso a rua de terra , ao sol do meio dia caminha devagar como se o tempo aguardasse se entreter com coisas que se acha no chão , abaixa, pega, olha arremessa de volta,cantando baixo a musica do desenho que acabara de ver . Uma rabiola enroscada num pé de mamona de um terreno baldio, muda os planos do garoto, hoje sua roupa repetida por toda semana não será motivo de sarro para os coleguinhas da escola, nem será usado como mau exemplo de comportamento e pela professora .

O programa dessa tarde requer folha de caderno, mas não para fins didáticos, com a medida exata dobra a folha no meio, rasga uma ponta e a outra e uma pipa improvisada flui da idéia do nosso pequeno príncipe, em época de pipa não é difícil encontrar pedaços de linha no chão e o brinquedo, que não é um X Box , Max Steel ou Hot Wells, irá proporcionar horas de prazer através da imaginação do nosso Dom Quixote com coração de Lancelot .

A pipa dança no céu enquanto o garoto olha com dificuldade para o sol quente, tira a camisa e mostra seu físico desnutrido, corre, puxa , grita xinga e pós algumas horas de diversão força do vento vai acabando, e a fome se tornando cada vez mais presente, é hora de procurar algo diferente para fazer, e voltar para casa agora não é uma idéia sabia, já que sua mãe acredita que nesse horário ele esteja na escola .

Nas ruas de terra esburacadas da periferia o que não falta é lugar para criança se divertir, e a criatividade do nosso pequeno príncipe, faz da favela um reino encantado, um mundo perfeito onde a metáfora torna o que seria catastrófico e desumano em um conto de fadas .pés de goiaba , ameixas, amoras e outras frutas pequenas são os pomares que alimentam aqueles que não querem voltar pra casa antes do fim do dia , os tubos que seriam usados na canalização do esgoto que foi esquecido pela prefeitura, serve de playground, os barrancos e aterros proporcionam adrenalina , construções servem como esconderijos nas brincadeiras de esconde-esconde, ou como banheiros em caso de necessidade .

Existe ate monstros que não são imaginários, e sim construído através do olhar das crianças, é o dragão de cirene, que cospe fogo e leva meninos que se comportam mal, e quando ele esta por perto é melhor se esconder , por que o dragão vigia a miséria e se alimenta daqueles que resistem a ela .

Algo no seu inconsciente de nobre cavaleiro lhe diz que esta predestinado a enfrentar o dragão, sabe também que assim como outros seu final não será glorioso, sabe que o reino o qual o aguarda , o legado da desgraça e da miséria , não terá um final feliz.

Esse confronto será apenas um trágica conseqüência das condições precárias que contribui para sua degradação física e mental, onde seus sonhos serão massacrados pela dura realidade e o ódio inexplicável, tanto do mundo, quanto de si mesmo o consumirão , sua incompreensão do porque o mundo não o aceita, fará com que construa sua personalidade através do consumo.

A criança será trancafiada em algum calabouço, e apenas um adulto triste de vida breve, com memorias dos poucos momentos de alegria, vagará pelo deserto escuro da vida .