Alguma democracia
Quando cheguei com a criação dos laços presos aos braços, percebi e quase fingi que não queria fugir da cerca elétrica. Foi aí, descobri então que no meu país eu era negro. Sem lei, nem rei, eu tenho sim, DNA negro.
Negro nordestino, aceitando as condições e colocações que a mim fizeram. Roubei não nego, mas ‘nêgo’ eu sou. Da raça que temem e ignora, etnia luta agora. Eu acredito talvez, não sei, nem sei.
Por mais que meu professor escrevesse “democracia”, no fim pintava outra filosofia. Doutrina esta que nem mesmo ele entedia.
É arriscado sair com a minha cor pelas ruas da cidade. Primeira esquina que dobro, sou chamado de pretinho, dobro segunda esquina então, ouça um grito: “pega o ladrão!”. Terceira esquina se passar é confusão.
A cor que pigmenta minha pele será hoje culpa imediata de minha morte?
Ouvi um som de tiro.
Não sou poeta, mas escrevo. Eu sou nego brasileiro. Tenho seu sangue, você o meu. Nascido de uma mulata baiana foi descrito até agora: da cor das asas da noite, noite essa que fez amizade com o tom da minha pele. Descrito como mais um indivíduo condenado ao caixão.
O tiro acertou meu peito.
Sinto um aperto, logo um cansaço.
Só resta, eu acho, um pigmento do que restou da cor.
(O novo pigmento era avermelhado. Descia pela calçada o sangue do mulato que sonhava um dia ser poeta.)