Kanaimé o Antigo Espiríto do Mal
O canaimé é um ser muito temido dentro das comunidades indígenas de Roraima, as pessoas de outras culturas acreditam que o canaimé é apenas uma lenda que os índios inventaram para amedrontar fazendeiros e outros brancos que moravam perto das malocas, outros dizem que o canaimé é um ser perverso, meio homem, meio bicho que despeja sua ira em cima daqueles que causam algum tipo de mal a natureza, pura falta de informação e pesquisa. Alguns desses brancos contam que canaimé era um índio vestido com pele de algum animal, geralmente pele de onça que atacava as fazendas para roubar gado, outros dizem que é um indio Justiceiro que castiga outros indios quando fazem o mal. Há relatos também nos diários de exploradores como Walter Raleigh, um famoso Corsário Inglês que vivia em busca do famoso ELDORADO a cidade de Ouro, na fronteira da Guiana Inglesa e o Brasil, ele descreve que quando chegaram na grande montanha cercadas por extensas matas seus guias nativos ficaram com muito medo e ameaçaram abandoná-lo pois ali naquela montanha era a morada dos CANAIMÃ, como era pronunciado o CANAIMÉ, os nativos descreviam o Canaimé como indios que usavam flechas e zarabatanas envenenadas com venenos de cobras, pintavam seus corpos para confundir seus inimigos e tinham o poder de se tornarem invisíveis, eles relataram ainda que os mais antigos de sua tribo ja haviam travados uma guerra entre as tribos dos Canaimés, eles viam roubar suas mulheres, e eles o descreviam como ``Os homens sem cabeça de olho na barriga``, eles eram canibais que comiam a carne de seus inimigos. Os nativos falavam também da grande montanha TUPUY, a montanha do Diabo era habitada pelos espiritos maus e animais gigantes, principalmente Cobra grande e lá era a grande morada de MAKUNAIMÃ, o deus do mal que transformava seus inimigos em pedra que eles acreditavam ser o pai dos Canaimés, alguns outros aventureiros relataram em suas escritas que expedições inteiras foram dizimadas pelos temidos canaimés, os que escaparam descreviam essas histórias que muitos achavam ser imaginárias e fantasiosas. Henri Coudreau em 1887, relatou dos antigos habitantes do setor Norte da Serra da lua, os ''
aturaiu'', histórias sobre a serra da lua e seus mistérios, onde o mesmo narrava. '' esta serra tem 1500 m de altitude absoluta, ela inspira os atorradis um ar superticioso, a montanha é maldita, não há pessoas lá, ninguém vai caçar, pois eles tem medo, há tribos de Canaimé, os Chiricoumes, des coucoichis''. Trinta anos depois que o viajante Francês relatou tais fatos sobre a enigmática serra, Koch-Grumberg também ouviu dos indígenas de Roraima que a serra da lua era habitada pelos ''Piscahukó, tribo de canaimé, odiada e temida por todos as outras tribos vizinhas especificamente os seus arqui-inimigos , os Taulipangs e arekuna que consideravam quase todos os falecimentos ocorridos na própria tribo causados pelas bruxarias daqueles''. No entanto, Koch-Grumberg diz que ''todos falam dos Pischaukó, mas ninguém jamais os viu''. Vimos, a partir desses, que a região serra da lua, desde o século XVIII, era tida tanto pelos Europeus, como pelos indígenas, como uma atmosfera repleta de mistérios, ora pelos temidos canaimés, ora, pelas fábulas do lago e da cidade de ouro. Ao ouvir os relatos das pessoas mais velhas da minha comunidade, pude observar que as histórias, se identificam com os relatos de alguns pesquisadores, aventureiros e antropólogos que conviveram entre os índios de Roraiam, pois falam desse antigo espiríto do mal que mata os inimigos, é oculto e pratica a maldade.
Nos contaram os antigos da comunidade Canauanim (minha avó Júlia Solon, meus tios Lourival Solon e Zé neve) que o Canaimé é um homem, normal como qualquer outro, porém ele usa uma planta que lhe dar poderes capaz de se transformar em várias formas diferentes de animais (porco, cachorro, tamanduá, cutia, veado,macaco e etc..), por isso dentro das aldeias é mais conhecido como rabudo, mas ele também pode se transformar em bichos que voam, como morcego, coruja (rasga mortalha) geralmente aqueles que vagam na noite. Minha avó Júlia Solon me contou antes de morrer que um antigo pajé chamado Joaquim bonitim (essa era a pronuncia usada), lhe contou que o canaimé sempre existiu, é um ser milenar, que eles são os espíritos dos antigos pajés mal que morreram e não conseguiram subir para céu ficaram vagando sem rumo, e foram morar nas serras e seus espíritos adormecem em uma planta que tem o nome de TAJÁ, essas plantas foram encontradas um dia por um feiticeiro Ingaricó que usou para fazer sua magia e perseguir seus inimigos. O Tajá precisa ser alimentado com sangue e carne putreficada de humanos e quando o dono não cuida dele direito, ele come o próprio dono, ou seus familiares, filhos, mulheres etc. Quem tem essa planta adquiri poderes sobre naturais e é capaz de se tornar invisível, só pajé é capaz de vê-lo, mas há relatos de que os Canaimés mataram muitos pajés no passado. Joaquim bonitim também disse a minha avó que existe uma serra chamada Kuando Kuando que lá existiu uma tribo grande de Kanaimé que se reproduziu e eles foram usados pelos Macuxis numa guerra tribal contra os Wapichanas, quando esses migravam da Guiana Inglesa para o Brasil, fugindo da perseguição Portuguesa pelo rio branco, ao mesmo tempo que os Indios Macuxis também fugiam da perseguição Espanhola no Caribe na Venezuela, pelo rio Orinoco, isso aconteceu no Século XVIII, segundo o professor historiador da Universidade Federal de Roraima Dr. Jacir Guilherme Vieira. Além de usarem os Tajás os macuxis tinham uma grande habilidade guerreira, enquantos os Wapixanas não tinham essas práticas e talvez pela falta de comunicação, pois os macuxis falavam uma língua que era incompreensível para os wapixanas a guerra aconteceu, guerra que alguns historiadores classificam como conflitos inter-étnicos, mas o Antrópologo Alemão Koch-Grumberg encontrou uma rica prosa entre os taurepangs, e macuxi do Surumú e Cotingo relatando Guerras sangrentas entre Wapixanas e Macuxis (KOCH GRUMBERG, 2006, PAG. 21), além de histórias incrívéis sobre o lendário Canaimé. Koch (1917) diz que ''O conceito de kanaimé desempenha um papel muito importante na vida desses indios. Designa, de certo modo, o princípio do mau, tudo que é sinistro e prejudica o homem e de que ele mal consegue se proteger, o vingador da morte, que persegue o inimigo anos a fio até matá-lo traiçoeiramente, esse ''faz kanaimé.'' Nessa guerra os wapichanas quase foram todos dizimados, mas conseguiram fugir, sempre ficando alguns pelo caminho, principalmente mulheres e crianças, eles fugiram para o norte e la fixaram moradas e colocaram o nome da região de Serra da Lua morada dos wapichanas.
O Canaimé ainda existe atualmente dentro das comunidades indígenas da serra da lua, só que em números reduzidos, eles matam crianças, velhos, homens e mulheres. Pajé contou que para matar um canaimé é preciso fazer uma defumação com pêlo do macaco Cuatá e fazer bala de cera da abelha Jandaíra, mas quem conseguiu fazer isso foi perseguido pelo resto da vida por outros canaimés. Eles costumam atacar pessoas que andam sempre sozinha(caçadores e pescadores) crianças indefesas, pessoas doentes e etc. Seu ataque é fatal, primeiro ele espanta as pessoas e elas desacordam, o canaimé então corta a língua , corta o pulso, quebra o pescoço e ainda coloca folha no ânus de sua vitíma e depois de tudo isso a pessoa torna em si, mas já está praticamente morta, pois matam o espírito primeiro, depois a vitíma fica com muita febre, não come, não bebe água e também não fala mais e o canaimé passa a noite rodeando a casa para terminar de matar definitivamente.
Antigamente existia muitos pajés bons que sabiam matar os canaimés, sabiam fazer orações no corpo dos mortos antes de enterra-los, pajé zé poeira jogava soda caústica no corpo da vitíma de canaimé, ele disse que depois de alguns dias o bicho volta no tumúlo de sua vitíma para comer sua carne e a salmora do corpo a soda contamina a criatura e seus comparsas matando-os com o acído. outras histórias contadas são com os Pêlos do macaco Cuatá que o pajé difuma e joga em cima do morto sempre fazendo seu ritual e quando encontra o homem que é canaimé ele fica completamente louco, alguns parentes da Guyana inglesa contaram que um homem por lá era canaimé e ninguém nunca suspeitava dele, mas um dia um pajé fez essa difumação com os pêlos do Cuatá e seus parentes contaram que ele estava em sua roça arrancando mandioca e de repente ficou louco, começou a pular feito macaco, rosnava que nem o bicho, arrancou suas roupas e começou a subir em uma arvóre grande por nome Samaúma e pulou lá de cima morrendo todo quebrado em baixo. Veja o relato de uma velha india wapixana por nome Maria madalena moradora da comunidade indígena Tabalascada que fez esses relatos verbais para João Paulo Jeannine sobre o kanaimé para sua tese de mestrado 2008. ''as pessoas dessa comunidade quase todos morreram por causa do Chico macaco, ele era kanaimé, ele matou minha mãe, ela veio me carregando pelo jamaxim aí o kanaimé matou ela, quando minha mãe chegou da roça ela morreu, ela e o nenê que estava em sua barriga, tinha muita gente, aí as pessoas foram morrendo, o kanaimé matou tudinho, todo mês morria gente, eles viam da Guiana, pessoal ia ficando roxo, quebrado, o pescoço. quando eu cheguei pra cá morreu muita gente na Serra Grande, Novo Itento, Malacacheta, Tabalascada, Cantá e foi o kanaimé, parece que foi o Chico Macaco, ele matou meu pai, minha irmã eu tinha dezeseis anos quando isso aconteceu. Através da narrativa de Maria Helena supõem-se que essa mortandade tenha ocorrido por volta dos anos de 1937/38, alguns anos antes da criação do Território Federal do Rio Branco em 1943. A suposta epidemia de Kanaimé espalhou-se por uma vasta região.
Zé mambira foi outro pajé que matou muitos kanaimés, porém foi perseguido pelo resto de sua vida, mas seu corpo era fechado e seus guias espirituais o cercavam toda vez que um canaimé se aproximava para atacá-lo. pajé ALEIXO foi um dos grande pajé de Roraima, foi ele quem fundou a comunidade indígena Serra da moça, morreu por ataque de canaimé quando fazia uma pescaria. tome muito cuidado com essas criaturas do mal pois elas estão em todos os lugares, seus donos são pessoas normais que nem nós, vivem em nosso meio, mas não a conhecemos. minha avó me dizia que esses bichos costumam matar pessoas principalmente nos meses de novembro e dezembro, quando saem de suas comunidades de origem e vão matar pessoas em outras comunidades diferentes, ela dizia que os guianenses viam da guiana matar pessoas no Brasil, geralmente a noite, pois eles andam longe, passam uma batata na perna que lhes permite andar ligeiro, ou podem vir em forma de morcego voando, ou em forma de Coruja rasga mortalha, minha avó aconselhava seus parentes para nunca deixar seus filhos sairem a noite sozinhos para fazerem suas necessidades, pois os olhos do canaimé enxergam longe, nunca sair sozinho para pescar ou caçar, nunca ir sozinho para a roça, nunca deixar as crianças sozinhas em casa, nunca deixar criança brincando sozinha, nunca mexer em plantas que estão nas matas. quando ela saía principalmente para roça se defumava com Maruay o cheiro incomoda o bicho, pois maruay também é um pajé. Uma pessoa quando é canaimé ela nunca olha direto nos olhos das pessoas, pois é no olhar que os pajés identificam os canaimés. Kaimem.....
Referências Bibliográficas:
CARNEIRO, j. jeannine, A morada dos Wapixanas - Atlas Toponímico Indígena da serra da lua (RR). Dissertação de Mestrado. USP. São Paulo, 2007.
COURDREAU, H.A voyage a travers: les Guyanes et 'L Amazonie. librairie Coloniale, Paris. 1887.
KOCH-GRUMBERG, Do Roraima ao Orinoco. 1 vol. Editora, UNESP. (1917) 2006.