Dia de homem

É noite. Fico olhando uma mancha na parede, sem alternativa. Deitado com o corpo retorcido, arremedando uma jiboia. Abaixo as pálpebras teatralmente. Sem ânsia, sem monotonia: finjo que a mancha inchou e engoliu a parede e o mundo. Vida mesmo só restou a minha, envolvida em todo esse manto de escuridão. Sinto um calor de pele entrando por meu nariz. Com certa fatalidade, digo em voz alta: “tudo é uma mancha, sem tempo e com densidade infinita, singularidade”. E é engraçado, pois eu digo desse jeitinho aí, imitando a voz do Ciro. Mas, tão logo o princípio do sorriso se desesboça do canto da minha boca, encho-me de drama e contorço o corpo mais um pouco. Olhos ainda fechados. Um pouco desordenadamente, filmes muito violentos se misturam com minha imaginação. Sinto uma angústia leve, e hesito. Hesito, agora, outra vez sem tragédia. Um novo cansaço. Lembro-me, nesse momento, da palavra "parcimônia" e deixo escapar um débil puta que o pariu. Paro. Silêncio, silêncio.

Sem saída, abro um olho, com desconfiança. Em seguida o outro. Estou só no aposento: “Estou só na América”, digo emprestando uma falsa fraqueza a voz. Olho-a, e depois, mais de perto, e mais um pouco, e mais. E já tenho a cara cosida à parede. Cheiro, toco, lambo. Inútil: nada intuo da mancha que me espreita, soberba.

“A lua assopra luz branca alisando teus seios descorados/seios gradeados por enferrujadinhas sardas”. Levanto. Camisa, bermuda, chaves, algum dinheiro. Saio. Vou em busca de alguma lugar para beber cerveja e comprar cigarros. É noite de gente grande. Levo comigo, em toda a extensão da minha língua, esse poeminha que fiz para uma outra mulher. É noite. Ando pela avenida. Ando durante uma hora. Estou muito doente, perdido na rua. E a cidade é atroz.

"Ele deve estar morto de tanto estar na sala de cera. É a grande chance. Escrevo no espelho com tinta vermelha: “a ideia da distância, garota”, separando meu rosto em dois pedaços assimétricos. E parto desta vida de cão. Estou doente e não posso. A vida explode meu corpo de homem.

Agora sigo cogitabundo, especulação.

Welliton Oliveira
Enviado por Welliton Oliveira em 18/04/2013
Reeditado em 18/04/2013
Código do texto: T4247420
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