Serpente da inspiração

Lá fora fazia um tempo confortável. As janelas estavam abertas e uma brisa arrepiava-me o cabelo, enquanto eu emprestava a minha alma aos escritos.

Só um gato me fazia companhia e o nome dele era Sol. Eu gostava dos felinos. Também gostava de escrever... É, eu adorava escrever. Estava esperando uma

visita há muito tempo solicitada. Aquela visita tinha potencial para mudar a minha vida. Tratava-se de alguém muito especial para mim. Ele chegaria em dez minutos.

Enquanto esperava eu compunha versos e mais versos. A serpente da inspiração se enroscava em mim. Eu estava num momento de êxtase.

Uma profusão de cores, sombras e luzes pairava sobre minha cabeça e eu simplesmente CRIAVA! E os minutos iam se passando, até que ele chegou.

Por um momento, quis morrer. Não haveria de ter momento mais especial para deixar este mundo! Há quanto tempo não o esperava? O coração me saiu pela boca,

as mãos trêmulas e o corpo todo agindo por um impulso mais forte do que todos os sentidos! Eu quis abraçá-lo. No entanto, não sabia se devia.

- Olá - Ele disse fitando-me os olhos.

Não respondi de cara, fiquei a encarar aqueles encantadores olhos cor de mel. Respirei, pensei e falei:

- Oi, pode entrar.

Então, ele entrou e avistou os papéis jogados no chão, na escrivaninha e no sofá.

- Desculpe-me pela bagunça, estava compondo meus poemas.

- Ah posso vê-los?

- Sim, claro.

Então, ele leu em voz alta:

"A ponta dos dedos me grita

O céu azul lá fora me irrita

Quero mesmo é me danar

Quanto tempo estive cega

Mas não quero me olhar

Teu olhar não nega

Que meu vazio te completa

Pois tu és o tudo e eu o nada

Já me desfiz das metas

Eu só estou cansada"

- Não gostei tanto assim - Ele me confessou. Então, por um instante, não soube o que responder.

- Eu entendo - Respondi- Também não gosto tanto assim dos seus.

Ele deu de ombros e leu mais outro.

" Baby, eu escutei um blues

E comecei a chorar...

Lembrando dos momentos

Que não vivi

Do beijo que não dei

E pensei que a vida é um beco

Estreito e lotado

Que não há espaço para todos

Em verdade, existem vários caminhos

E só um ponto de chegada

Como os rios que desembocam no mar

É, todos os fluidos da vida convergem

Para a morte. Será que quando meu blues

Terminar, o coração me irá parar?

Toda a minha pulsação depende apenas disso

Num ritmo gasto, eu vou escrevendo

Num ritmo gasto, ainda te amo."

- Este é bonzinho - ele disse.

- Sei.

- Eu sei que este foi para mim, não precisa esconder, baby.

- Poder ser e pode não ser.

Então ele me perscrutou e pôde me ver através dos olhos e se calou.

- Temos um assunto a tratar - Eu disse.

- Qual ? - Ele perguntou.

- Este aqui - Eu o beijei.

Eu precisava fazer aquilo, tomar uma iniciativa e tal. Eu já havia desperdiçado muitas oportunidades, não estava preparada para desperdiçar aquela. E, no fundo, ele gostava dos meus escritos.

Só não queria admitir. Assim como era difícil para ele admitir que me amava. O beijo foi bem esclarecedor.

- Deixe-me ver o que você estava escutando ... Back to black da Amy Winehouse. Muito bom.

- Não mude tão ridiculamente de assunto, seu fraco. Eu o beijei. O que acha disso tudo?

- Achei legal. - Ele sorriu!

- Como assim??

- Relaxe, garota.

Eu o expulsei da minha casa, fiquei um caco por dentro, mas logo me voltei aos pensamentos.

Até que ponto idealizar é saudável? O amor seria um ideal? O que é o amor? Talvez o amor fosse sofrer. Talvez sofrimento e amor caminhem juntos. E isso é uma bela questão filosófica.

No entanto, estava sem saco para filosofia naquele dia. Eu só queria relaxar e esquecer. Me foi impossível esquecer, porque ele retornou à minha porta no dia seguinte.

- O que você quer? - Perguntei.

- Desculpa se fui um tanto quanto insensível.

- Só isso??

- Posso entrar?

- É, entre! - Falei sem me importar.

Então, ele continuou a falar.

- Eu sempre fui apaixonado por você, mas só percebi quando você me expulsou da sua casa.

- Hah que ridículo, continue...

- Eu quis mentir para mim mesmo.

- Quanta novidade!

- Gostaria de sair comigo para jantar amanhã?

- Pode ser. Agora chispa.

Eu estava usando a lógica, se ele descobriu que me ama quando o expulsei da minha casa, então se eu o tratasse um pouquinho mal por um tempinho ele me amaria mais hahaha!

E continuei a escrever... Era minha grande paixão. Logo a profusão de sombras, cores e luzes pairou novamente sobre minha cabeça.

"Ideia vagante que me vem

Ao brilho de uma estrela errante

Que me comove em sua desdém

e me suplica e se move

Ideia essa que aterroriza

mas que me transpõe

e me põe e me compõe

e eletriliza...

Ideia vagante e dispersa

Que me mobiliza

E suplica e se move

Movimento é a palavra

é uma metamorfose

Além da forma

Talvez vague nos arquétipos

Em tipos diversos

e se transforme num símbolo

que fala em versos

mais que as próprias palavras"