Viagens pelo Ceará LIII
IDEIAS AVENTUREIRAS, MUSICAIS, LITERÁRIAS, MÍTICO-CURANDEIRAS, ENXADRÍSTICAS, TEATROLOGAS E INSANAS... DE MORADORES DO VALE JAGUARIBANO, NUM ANO DE ESTIO.
QUIXERÉ
A reação do contador de história foi mais uma vez calma, falou que ele mesmo não era testemunha de nada disso que seu tio contava, pois apenas tinha viajado do Maranhão para o Piauí e depois pro Ceará, tinha visto pouca coisa, só não duvidava de nada porque quando se trata de coisa do nosso mundo é preciso se ir aos lugares pra ver como são as coisas. Porém, quando se tratava de visagens e coisas do outro mundo, nem todo mundo tem os mesmos dotes de perceber e sentir as coisas.
Não gostava de inventar histórias mas, podia contar uma que ele mesmo viu no Piauí que era a janta dos cachorros. Aí o Sarará disse:
- janta de cachorro? E isso é estória que se conte rapaz? Severino era paciente e não deu ouvidos ao que o outro falava e disse que morou num vilarejo do Piauí e que por lá certa noite um conhecido seu lhe convidou para jantar. Disse que estaria recebendo uns amigos caçadores com os seus cachorros. Mas não disse nada mais e foi assim:
“Os caçadores chegaram com os cachorros. O dono da casa deu as boas vindas a todos e disse que a mesa da cozinha era pequena e que ia preparar a comida pros bichos numas cuias ali no terreiro da casa. Ora eu não entendi porque aquele cuidado em dar de comer aos cachorros antes dos donos. Mas foi o que aconteceu, o dono da casa preparou a carne de gado gorda, bem cozida, fez pirão de farinha e encheu as cuias pros animais. Os donos, cada um segurando seu cachorro ia dando de comer a eles segurando-os pela corda. Uma cuia daquelas dava pra fartar bem dois cachorros daqueles. Depois que os cachorros comeram até não querer mais, aí os donos os amarraram nas estacas da cerca e todos entraram pra jantar com o dono da casa. Eu jantei com eles e vi tudo isso. Eu que era apenas conhecido do anfitrião, fui convidado pra janta e fiquei por ali intrigado, sem saber muito bem o que dizer mas, por fim tive coragem de perguntar porque aquele costume de dar de comer aos cachorros antes dos donos. Pois me disse o dono da casa ser aquilo uma promessa feita a São Lázaro, por que ele, o dono da casa, tinha estado todo ferido, fêz promessa ao santo e ficou curado, então tinha obrigação de dar de comer daquele jeito aos cachorros e aos donos que tivesse prometido convidar.”
Foi aí que o Sarará resolveu criticar mais uma vez o nego contador de casos dizendo: - esse home só gosta de contar esses contos que tem coisa de santo no meio, me diga uma coisa, você é macumbeiro?
- pratico minhas rezas como qualquer cristão não sou de frequentar dança de xangô não senhor, mas parece que o senhor tem medo dessas histórias não é?
- tenho medo de nada não - falou o sarará irritado - pra mim o que pode me faz mal é o que está vivo, nunca vi morto voltar, não tolero é estória besta...
O assunto foi encerrado ali e os cortadores resolveram dormir, mas depois da meia noite tivemos uma surpresa. Foi um sobressalto, um assombro para todos. O sarará acordou gritando e se valendo da virgem Maria, ninguém sabe o que ele sonhou, mas certamente não foi coisa boa, esteve sob efeito de forte pesadelo, não dormiu mais ali, e no dia seguinte pediu as contas. Até que eu gostei do fato de ele ter ido embora, era muito grosso e metido a brigão. Daí em diante o negro Severino passou a ser visto como feiticeiro, que havia preparado aquele susto pro valentão. Mesmo assim os cortadores continuaram a pedir pra ele contar as suas estórias, pois os matutos do meu tempo gostavam de ouví-las.
O negro Severino falava pouco quando estava no trabalho, era concentrado e sereno. Depois em conversa ainda debaixo da casa de farinha, falou de outras coisas que viu e que eu já vi também. Disse que já havia avistado o fogo do batatão, que brilha à noite em beira de córregos e mesmo no meio do mato. Muitos dos que estavam ali falaram que não tinham visto mas, que sabiam de comentários de pessoas que viram. Severino me assegurou que até dentro do mar tem gente que vê aquele clarão que chamam de santelmo.
Obs:Tenho publicado somente no recanto das letras uma auto-biografia, meu primeiro livro, cujo nome é “Fascinado por chuvas”. Já este texto que voce acaba de ler é parte do meu segundo volume, cujo título e subtítulo pode se lê acima.
Caso essa seja sua primeira leitura desses contos, sugiro que leia desde o primeiro capítulo para uma melhor compreensão e proveito. Atenciosamente
Agamenon violeiro