INESPERADO REENCONTRO

Corria o ano de 1954. O trem vindo de São Paulo já estava próximo de Sorocaba, distava apenas uns vinte quilômetros desta. No vagão de passageiros de primeira classe havia alguns lugares vagos. Quem viajava sozinho tinha oportunidade de fazer uma viagem relaxante. Podia se espichar à vontade, colocar os pés na poltrona da frente e tirar uma bela soneca.

Carmélia, na companhia de sua cunhada Augusta, olhava a linda paisagem pela vidraça do trem, porém, seus pensamentos continuavam voltados para a capital paulista. A cada dois meses faziam essa viagem do interior até a capital.

“Será que ele vai sentir minha falta? Nossa despedida antes de ontem, no seu apartamento, foi indescritível. Jamais poderei esquecer. Hum! Mas como é gostoso o caviar...nunca tinha experimentado antes...e aquele champagne? Acho que abusei um pouco. Nunca havia me soltado totalmente...Será que ele não me achou vulgar? Ah! Bobagem. Ele estava também super feliz. Que vontade de contar para o mundo...Uma tarde perfeita! Nunca o achei tão carinhoso como desta vez. Bem que havia me dito que eu jamais iria esquecer essa comemoração dos dois anos do nosso primeiro encontro. Realmente foi demais. Rubens me enlouquece. Infelizmente agora, essa amarga despedida. Ainda bem que é só por dois meses. Vou sentir muito sua falta. Se meu marido não fosse tão bravo e ciumento, Rubens poderia de vez em quando viajar comigo ao invés desta solteirona puritana.”

Augusta, solteira por opção, sentada à frente de sua cunhada termina de rezar o terço, guarda o rosário e passa a corrigir algumas provas de seus alunos da primeira série do segundo grau. “Meu Deus, vou ter que ser mais severa com esses alunos. Como escrevem mal! Também, ninguém lê naquela sala. Vou ter que incentivar a leitura para esse pessoalzinho.”

— Mãe, eu quero fazer xixi! – berra o moleque que não parava de bagunçar pelo corredor do vagão.

O polaco de quase dois metros de altura, que viajava com mulher e filhos, desperta do cochilo erguendo seu chapéu de palha que estava levemente abaixado, olha para sua mulher e sinalizando sua fome, passa a mão sobre o abdômen em gestos giratórios. A esposa incontinênti se levanta e apanha do espaço reservado aos objetos pessoais dos passageiros, na parte superior sobre a janela, o farnel com os encapotados de galinha, canecos e um litro de café com leite. Oferecem as duas mocinhas que estão viajando do outro lado do corredor. Estas, mesmo salivando, educadamente agradecem e rapidamente apanham de suas bolsinhas umas pequenas barras de chocolate. De soslaio, observam os vizinhos devorarem com satisfação o delicioso alimento.

Nas proximidades de uma ponte, a Maria-Fumaça emite um lamentoso apito. Os viajantes observam enquanto um lenço de fumaça adentra pelas janelas abertas dos vagões de passageiros.

Ao chegarem no destino, Carmélia ainda no interior do trem, buscando com o olhar seu esposo na plataforma da estação ferroviária, quase tem um ataque cardíaco. Rubens estava ao lado do seu marido. Pensou em seguir viagem com o trem. E a sua cunhada? Como poderia explicar?

— Nossa como você está pálida? Por que está tremendo assim? Está sentindo alguma coisa? — pergunta Augusta, já desesperada com a transfiguração de Carmélia — espere aqui que vou chamar o Rubaldo.

A cunhada, ao colocar a cabeça pela janela do trem para chamar o irmão para vir atender Carmélia, também entra em pane e grita histericamente:

— Meu Deus, olha quem está ali, Rubens, o meu amado Rubens!

— Você também conhece o Rubens — pergunta enfurecida Carmélia, já recomposta pelo ciúme.

— Claro que conheço. É nosso irmão que estava desaparecido há vinte anos. Veio jovem para São Paulo e acabamos perdendo o contato.

O chefe da estação autoriza a partida da composição, o trem apita, os apressados retardatários se esbarram nas entradas dos vagões.

— Vamos, Augusta, me ajude a apanhar a bagagem, rápido, o trem já vai partir!

— Nossa, Carmélia, olha teu vestido, você derramou água no assento? Está toda molhada!!!.

— Derramei sim! ...vamos logo, vamos logo... — Exclama Carmélia constrangida e com grande inveja do garoto que preventivamente tinha pedido à sua mãe para ir ao banheiro fazer xixi.

sexta-feira, 1 de setembro de 2006

Luiz Celso de Matos
Enviado por Luiz Celso de Matos em 24/03/2007
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