Boa noite
Eu estava no canto da maior ala do hospital. Ora lúcida, ora inconsciente. Tudo doía, parecia que estava raspando meus ossos com uma faca cega e arrancando os pedacinhos com uma pinça cheia de espetos. O frio era grande, e o medo pior ainda. A cada vez que chorava e gemia de dor, todos os que estavam ao meu lado choravam, doía-lhes também o coração.
Da morte eu não tinha tanto medo. Temia o que viria antes e depois da minha morte. Temia a piora, o clímax da dor, a tortura extrema. Afligia-me mais ainda pensar que depois da última batida do coração já não haveria resquícios de mim. Minhas filhas chegariam a minha casa, veriam meu varal, tirariam minhas roupas em pranto e as guardariam. Como, meu Deus, como cheguei a tal ponto de causar-lhes tanta dor? Entrariam em meu banheiro veriam minha toalha, meus brincos e anéis, e por fim, fim. Conformidade.
Tudo de mim depois só lembraria tristeza a todos que amo. Tudo remeteria à agonizante dor que sofri e fiz todos sofrerem, e no final de todo esse caminho banhado a lágrimas eu seria esquecida.
Pensara nisso e uma inquietação anormal ia me corroendo aos poucos. O médico chegou me olhou nos olhos e tocou minha mão enrugada numa ternura extrema, como um filho. Me acalmei, pensei no nada, exerci a plena paz e fechei os olhos.