Viagens pelo Ceará LII
IDEIAS AVENTUREIRAS, MUSICAIS, LITERÁRIAS, MÍTICO-CURANDEIRAS, ENXADRÍSTICAS, TEATROLOGAS E INSANAS... DE MORADORES DO VALE JAGUARIBANO, NUM ANO DE ESTIO.
QUIXERÉ
Aquilo parecia e era uma temeridade, e podia muito bem em poucos instantes um deles se encontrar viajando para o além. Caso houvesse somente um bate boca ou uns tabefes que chegasse ao conhecimento do dono do carnaubal, este podia no mesmo instante despedir os dois.
Mas felizmente não se deu nada disso. Severino ao ouvir os insultos, simplesmente dirigiu um triste olhar para o sarará Glicério e a conversa a partir daí deu lugar a outros assuntos, e naquela noite não se fez mais perguntas ao estranho Severino de voz aveludada.
No terceiro dia os serviços transcorreram normalmente e o negro Bastião resolveu dizer alguma coisa ao meio dia na hora do almoço.
- Aprendi a andar pelo mundo e tenho fé de que em certas horas não se deve dizer nada de ruim, porque a coisa pode acontecer! E falou de pragas jogadas em horas abertas e que, meio dia era uma dessas horas e que dez da noite era hora de visagens e que era preciso diante de um grande problema não se tomar imediata decisão, mas sim deixar uma noite no meio.
Tudo aquilo soou espantoso e muito diferente para os que ouviram, e já às quatro da tarde tinha companheiro falando pra outro em tom de confidencia que aquele negro era no mínimo cria de algum macumbeiro e podia muito bem estar preparando alguma pro sarará.
À noite do terceiro dia na casa de farinha a conversa foi trivial mas, até aguardente havia pra quem quis matar o bicho antes da janta. Como não se dizia nada de novo e já se encontravam cada um em sua rede, o negro Severino perguntou se queriam ouvir alguma das história que seu tio, muito viajado tinha lhe contado. Nem todos responderam que sim mas, ninguém disse que não. Então ele começou a falar de jeito manso. Disse que o seu tio Valter viajou muito pelo nordeste como tropeiro e que depois embarcou num navio na capital São Luis com destino a Belém e de lá foi também de barco pelo rio até Manaus. Seu tio viveu por lá muito tempo e não satisfeito, ainda viajou pra Mato Grosso e outros lugares. Severino disse que era um menino, que contava uns dez anos quando seu tio voltou a residir no Maranhão. Que quando voltou, em suas conversas contava as coisas que tinha visto lá pelo norte. Havia a história de uma cearense por nome de Itelvina que, foi morta de forma cruel em Manaus, e que fazia milagres, sua catacumba era muito visitada no cemitério e lá estava escrito que “ uma mão perversa arrancou-lhe a vida” era tida como santa, e pessoas faziam promessas. Disse também que esse seu tio tinha visto por lá até uma capela dedicada ao “pobre diabo”, mas que esse diabo não era o cão do inferno e sim um homem dono de uma bodega que se chamava Antonio José da Costa, também morto de forma trágica. E disse que o seu tio havia presenciado um costume estranho lá no Mato Grosso, onde os homens depois do carnaval esperavam o fim de semana para fazerem o enterro dos ossos. Só que não existia osso nenhum pra se enterrar. O negócio era assim: no domingo depois do carnaval, os foliões chegavam á beira do rio com uns caixõeszinhos como que de defuntos, esses caixotes estavam cheios de boa comida e bebida e eles comiam bebiam, se divertiam como no carnaval, era assim o tal enterro, uma festa, uma folia.
Ao ouvir esse tipo de curiosidade, alguém do grupo de cortadores talvez por achar meio sem graça aquelas coisas que o Severino falava, perguntou se o tio dele, por lá não tinha visto algum bicho grande da mata, alguma onça pintada, jacaré ou coisas assim. O negro respondeu prontamente que sim, ainda lá no Mato Grosso o seu tio disse ter avistado um bicho-tatu que era um monstro, que era chamado de canastra e que jacarés e cobras sucuris eram vistos com grande facilidade pelas beiras de rios e estradas da Amazônia. Contava ainda que os que trabalhavam na borracha às vezes davam de cara com onças pintadas e estas nem sempre eram atacadoras como o pessoal daqui pensava.
Isso bastou pra que o Sarará desse uma risada de deboche, e em seguida dizer que aquele tio do negro devia ser muito do mentiroso.
Obs:Tenho publicado somente no recanto das letras uma auto-biografia, meu primeiro livro, cujo nome é “Fascinado por chuvas”. Já este texto que voce acaba de ler é parte do meu segundo volume, cujo título e subtítulo pode se lê acima.
Caso essa seja sua primeira leitura desses contos, sugiro que leia desde o primeiro capítulo para uma melhor compreensão e proveito. Atenciosamente
Agamenon violeiro