Viagens pelo Ceará LI
IDEIAS AVENTUREIRAS, MUSICAIS, LITERÁRIAS, MÍTICO-CURANDEIRAS, ENXADRÍSTICAS, TEATROLOGAS E INSANAS... DE MORADORES DO VALE JAGUARIBANO, NUM ANO DE ESTIO.
QUIXERÉ
No ano de 1954, o inverno já tinha se ido e os cortadores estavam começando a amolar as ferramentas. As carnaubeiras dançavam ao sabor dos ventos com a suas maduras e fartas cabeleiras de palha em ponto de corte. Os grupos com tabocas, foices e facas, saíam cedo para o local marcado e os transportadores com seus jumentos e burros, pouco tempo depois voltavam com os animais que mais pareciam enormes bichos de áspera pelugem. Chegavam e os transportadores iam espalhando pelo campo do cercado os feixes da cheirosas palha verde, onde outros trabalhadores as iam estendendo, umas ao lado das outras, sobre o velho bagaço seco do ano passado, que cobria os terreiros perto da casa. Ali, as palhas iam permanecer até esbranquiçarem e o pó se desprender num simples esfregar de dedo.
Os trabalhadores para o corte, eram contratados pelo dono do carnaubal, recebiam pagamento, comida e eram alojados na casa de farinha. Os que vinham de longe traziam seus pertences, que consistia basicamente de uma rede, a ferramenta de trabalho e uma muda de roupa pra dormir.
Naquele ano, apareceu um trabalhador desconhecido do pessoal, que se apresentou dizendo vir do Maranhão. Isso podia ser motivo para alguma apreensão, mas o dono da casa era quem decidia se concedia ou não emprego ao estranho. Se chegou dizendo chamar-se Severino, nascido no interior de Pereiro, Maranhão. Era negro mas, devoto de mãe Marçalina que tinha lhe infundido o gosto pela virtude e pelo trabalho, sabia se colocar no seu lugar e tinha aprendido a respeitar para bem viver no meio do mundo.
O nego Severino deu mostras de habilidade e se comportou com a devida parcimônia a que se propunha. Naquela primeira noite em baixo da casa de farinha a conversa foi animada, mas o cansaço venceu cedo aos trabalhadores. Depois da janta e do cigarro de palha, morfeu os dominou a todos, pois já na hora das raposas, ressonavam e quem sabe até sonhavam com alguma coisa que só cada um sabia e podia revelar depois.
- Ao ouvir aquelas palavras, fiquei estupefato, o homem sentado naquele trono, falava como um orador e me pareceu de uma eloquência invejável. Cheguei a pensar que ele não fosse o mesmo de antes do almoço. Mesmo assim procurei não demonstrar muita admiração diante dele. O Bastião que havia ido á sua casa, se chegou pra outra rede e ficou a ouvir o que o velho dizia.
- Durante o dia de trabalho a conversa era quase nenhuma, logo o sol incomodava muito a todos. Era necessária a atenção do vareiro derrubador, o aparador devia ter cuidado com os espinhos dos talos e contar as palhas para os feixes, o carregador também era todo pressa nas suas viagens com os animais. O descanso do meio dia não era nada convidativo para se falar muito devido ao calor, mas à noite a coisa era diferente.
No segundo dia de trabalho, a conversa à noite se prolongou e as interrogações foram dirigidas para o estranho, o novato Severino. Já naquele tempo se tinha ideia de que o pessoal do Maranhão era exemplo de boa expressão e fala, mas isso parecia não ser dote dele. Desde que chegou, mantinha-se quieto, sereno mas, muito presto na sua função de aparador. Quando foi interrogado respondeu com uma voz calma a todas as perguntas e num tom de quem não tem muito interesse em ser bem ouvido por todos.
Um dos derrubadores de palha, era sujeito sério no serviço, mas quando largava a taboca com a afiada foice, era um dos mais fanfarrões do grupo, se chamava Glícério Sarará. Para alguns dali, o Sarará era tido como um tipo de negro. Estes eram sujeitos o mais das vezes de tosca catadura, com sangue no olho e cabelo na venta, o atrevimento e a língua diziam o que lhes viesse na ideia e dali esperava o estopim pegar fogo pra ver quem era mais rápido no bofete ou no domínio da peixeira. A opinião primeira do Sarará foi dita à boca de siri que, aquele negro do maranhão era um besta, um mero comedor de mangusta, mas pouco tempo depois quando ouviu a fala contida do estranho, jogou em alta voz uma das indiretas mais diretas que alguém pode ouvir:
- Macaco não fala para não dá recado!
Obs:Tenho publicado somente no recanto das letras uma auto-biografia, meu primeiro livro, cujo nome é “Fascinado por chuvas”. Já este texto que voce acaba de ler é parte do meu segundo volume, cujo título e subtítulo pode se lê acima.
Caso essa seja sua primeira leitura desses contos, sugiro que leia desde o primeiro capítulo para uma melhor compreensão e proveito. Atenciosamente
Agamenon violeiro