Viagens pelo Ceará L
IDEIAS AVENTUREIRAS, MUSICAIS, LITERÁRIAS, MÍTICO-CURANDEIRAS, ENXADRÍSTICAS, TEATROLOGAS E INSANAS... DE MORADORES DO VALE JAGUARIBANO, NUM ANO DE ESTIO.
QUIXERÉ
O velho Aprígio comeu calado, enquanto o Bastião procurava ser receptivo perguntando sobre o que estava achando do tempero do peba, elogiei o tempero, mas o que merecia aplauso mesmo era aquele pirão feito em panela de barro junto com o feijão de corda. Comi bem e depois bebi da água do pote.
Após o almoço, o velho Aprígio disse pro Bastião armar as duas redes no alpendre e que eu descansasse, que mais tarde depois do chá ele ia me contar algumas histórias da época em que começou a trabalhar com o corte de palha.
O Aprígio foi para o quarto, eu deitei-me em uma das redes e o Bastião ficou na outra. Por incrível que pareça, com o sol que fazia, ali naquele espaço o calor não chegava. Por um momento antes do almoço, senti que eu podia estar sendo incômodo, mas agora, depois da promessa do Aprígio de me contar alguma coisa, e eu bem alimentado, ali naquele clima, relaxei e dormi.
Acordei antes das duas e vi o velho ao lado da porta, sentado em uma cadeira grande de madeira que parecia uma cadeira de engraxate ou barbeiro. Estava sério como era do seu feitio, o Bastião estava na cozinha fazendo um chá de capim santo.
O Aprígio me disse que havia água no tanque do banheiro, se eu quisesse poderia me molhar e eu disse que ia apenas lavar o rosto, o clima da casa dele era muito agradável e eu não queria incomodar mais do que estava incomodando. Ele não disse nada, fui ao banheiro que ficava depois da cozinha. Quando voltei o chá sem açúcar já estava pronto, tomei um pouco num dos canecos de alumínio. Sentei-me na rede e liguei o gravador portátil. O que gravei foi proveitoso porque o velho Aprígio mesmo não gostando de responder pergunta, gostava de falar o que sabia. Dei liberdade à sua língua, e o homem parecia inspirado por alguma boa força.
ESTÓRIAS DE VELHO APRÍGIO SOBRE SEU TEMPO DE RAPAZ
Naquele tempo, - começou dizendo com voz forte e pausada - o povo desse vale vivia tranquilo, não havia sequer o temor de aparecer por aqui, outro bando de cangaceiros como se deu quando o de Lampião foi expulso de Mossoró, na verdade os moradores tinham mais medo era dos flagelos das secas. Essa nossa região nunca teve tradição bandoleira.
Tudo ainda era muito rural, o transporte precário, os estios e as enchentes quase sempre alternando suas aparições de uma década para outra. Sertão é sertão e a caatinga que só existe nesse pedaço do planeta, é quem está ainda aí de prova do que vou dizer.
O corte da palha de carnaúba era totalmente manual, o motor a gasolina ainda não havia aportado por aqui, as estradas, quero dizer veredas, eram povoadas por tropas de burro, às vezes um carro de boi e os bichos da selva. O sertanejo vivia do que produzia, para isso os mais abastados possuíam, além da morada, uma casa de farinha. Estas eram galpões sem parede onde a mandioca era manufaturada, e junto à casa de farinha, às vezes um quarto onde era trinchada manualmente a palha seca da carnaúba. Os apetrechos usados em ambos os serviços ficavam sob a asa da casa de farinha, protegidos da chuva e do sol. No período das farinhadas a animação era bem maior porque, todos se concentravam naquele espaço, homens, mulheres e crianças, diferente do que acontecia na época do corte da palha. Nesse tipo de trabalho, mulher não participava, mas a raspadeira de mandioca, era figuras indispensável nas desmanchas.
Obs:Tenho publicado somente no recanto das letras uma auto-biografia, meu primeiro livro, cujo nome é “Fascinado por chuvas”. Já este texto que voce acaba de ler é parte do meu segundo volume, cujo título e subtítulo pode se lê acima.
Caso essa seja sua primeira leitura desses contos, sugiro que leia desde o primeiro capítulo para uma melhor compreensão e proveito. Atenciosamente
Agamenon violeiro