Viagens pelo Ceará XXXXVIX

IDEIAS AVENTUREIRAS, MUSICAIS, LITERÁRIAS, MÍTICO-CURANDEIRAS, ENXADRÍSTICAS, TEATROLOGAS E INSANAS... DE MORADORES DO VALE JAGUARIBANO, NUM ANO DE ESTIO.

QUIXERÉ

Ele era menino e não esquecia aquele acontecido.

Perguntei ao homem sobre os anos secos e os de enchente e ele disse que que não lembrava bem da enchente de 24, mas da seca de 1932 recordava sim e mais ainda da época da guerra quando passavam muitos aviões emparelhados voando. Naquele tempo o povo tinha dinheiro pra comprar comida mas faltava tudo, até farinha.

Calou-se e pareceu pouco interessado em contar algum episódio que lembrasse sobre essas datas, mas em seguida disse que hoje quase todo mundo era rico, não se via mais ninguém com roupas remendadas, todo mundo tinha crédito e o governo pagava até ao povo para estudar. Hoje em dia não se via mais gente retirante nem saqueadores nos anos de seca, e somente o gado é que às vezes morria de sede e fome nos sertões, ele mesmo não sabia de casos de pessoas morrerem de fome hoje em dia. Em toda casa todo mundo come mais arroz do que farinha de mandioca, naquele seu tempo só quem comia arroz era rico. Hoje todo mundo tinha o que comer e o governo dava ajuda para tudo quanto era família de pobre, naqueles tempos não era assim não.

Notei que o homem estava conduzindo a conversa pra assunto muito corriqueiro e tentei levar a coisa para o lado folclórico e as experiências surreais que por acaso ele soubesse, afinal os moto-taxistas me falaram de que ele contava casos de assombração.

Elogiei a sua plantação ao redor da casa. E ele me disse que gostava de tudo quanto era planta medicinal, pra fazer remédios e chás. Mas permanecia sério e parava suas frases bruscamente como que querendo encerrar logo os assuntos.

O bom cheiro do guisado de peba temperado no alho e sendo cozido certamente em fogo de lenha, impregnava o ar. O Bastião apareceu no portão para dizer que o cozido ia estar pronto em breve, já havia temperado bem o bicho na pimenta, limão, alho e sal.

Resolvi entrar no assunto de leve já que o Aprigio havia falado em chá, e perguntei sobre rezas com ramos de planta, se havia alguém por ali que ainda praticava esse tipo de cura. O Bastião apontou o Aprígio e disse que eu estava falando com o maior entendido naquele assunto. Notei que aquilo parecia interessar aos dois e por isso fiquei mais à vontade para perguntar.

Ouvi alguns dizeres do velho e pelas respostas comprovei, o Aprígio era um homem que acreditava na força curativa das plantas e na oração. As pessoas da região sempre o procuravam para rezar quando ficavam doentes. Ele recomendava chás e meizinhas e muitos ficavam bons.

Todavia o homem botava pontos nos assuntos e eu não sabia o que perguntar. O Bastião foi ver a panela e eu fiquei por ali. Resolvi perguntar sobre o corte de palha de carnaúba. Disse poucas palavras, pareceu desanimado e disse que ia tomar um banho pra almoçar. Aguardei, mas fiquei meio sem graça. Passou pelo meu pensamento me despedir e esquecer aquilo de perguntar sobre casos bizarros àquele cidadão tão lacônico. Mas pouco tempo depois o velho me convenceu a entrar até a cozinha onde havia uns bancos de carnaúba encostados à parede. Lá havia o fogão de lenha de mais de um metro de altura e duas panelas de barro sobre as brasas. Havia um pote do lado oposto e na parte de cima da parede alguns copos de alumínio reluzindo pendurados em espetos de pau e de boca para baixo. Achei aquilo tudo muito rústico e resolvi fotografar o recinto. Naquela casa não havia eletricidade, nem nenhum equipamento que funcionasse com tal forma de energia. Na sala depois da varanda havia duas redes enroladas e penduradas nos armadores e alguns quadros de santos na parede. Não observei o que havia no único quarto que ficava do lado esquerdo. Este me pareceu ser o lado oposto ao sol da tarde. O dono da casa preparou o pirão numa bacia e disse que na outra estava o girimum e o quiabo. Ele se serviu e eu resolvi comer um pouco. Nesse instante entra o Bastião com uns pedaços de peba num prato para mim, aceitei mas confesso que a carne apesar de bem temperada, não estava bem cozida.

Obs:Tenho publicado somente no recanto das letras uma auto-biografia, meu primeiro livro, cujo nome é “Fascinado por chuvas”. Já este texto que voce acaba de ler é parte do meu segundo volume, cujo título e subtítulo pode se lê acima.

Caso essa seja sua primeira leitura desses contos, sugiro que leia desde o primeiro capítulo para uma melhor compreensão e proveito. Atenciosamente

Agamenon violeiro

Agamenon violeiro
Enviado por Agamenon violeiro em 15/04/2013
Código do texto: T4241815
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