Viagens pelo Ceará XXXXVIII

IDEIAS AVENTUREIRAS, MUSICAIS, LITERÁRIAS, MÍTICO-CURANDEIRAS, ENXADRÍSTICAS, TEATROLOGAS E INSANAS... DE MORADORES DO VALE JAGUARIBANO, NUM ANO DE ESTIO.

QUIXERÉ

Entramos, o outro que se chamava Bastião, deu água aos cachorros e perguntou se eu comia carne de peba, ele havia matado dois naquele dia. Falei que havia comido carne do tatu uma vez e tinha achado tão saborosa como galinha caipira, e o homem foi me dizendo em voz alta que era mesmo, o nome do tatu verdadeiro em alguns lugares era tatu-galinha.

O Aprígio trouxe tamboretes e me ofereceu água, aceitei, ficamos sentados no alpendre, enquanto o Bastião que era o morador da casa ao lado, se dirigiu pra lá levando os dois cachorros. Senti que o velhão estava cansado e que eu não devia fazer perguntas a ele, resolvi falar de mim e da minha andança. Expliquei que eu não era repórter, apenas um viajante curioso que gostava de fotografar e ouvir pessoas. Eu estava aposentado e viúvo, os filhos criados, portanto estava fazendo uma coisa que gostava que era ver lugares, assistir a apresentações artísticas, ouvir cantador e estórias que o povo conta.

Ele me ouviu com atenção e disse que ele não havia viajado muito, também era viúvo e os filhos estavam criados.

Notei que o homem possuía uma linguagem polida o que contrastava com o seu aspecto de rústico caçador.

Foi me dizendo que morava sozinho ali. Estava aposentado, mas possuía dois hectares de terra que serviam para estender palha no verão e plantar milho e feijão no inverno. Naquele momento estava vindo de lá e o Bastião estava chegando de uma caçada que fez com outro caçador. Ele, Aprígio havia caçado muito no passado, matado veado, porco espinho, tamanduá, mas hoje não fazia mais isso, na verdade não precisava e além do mais sentia pena dos bichinhos.

Senti que era agradável conversar com ele, mesmo naquele horário de quase meio dia.

Devido à casa ser cercada de árvores, naquela varanda não fazia calor. Comecei a sentir o cheiro de alho frito no ar vindo da casa ao lado perguntei se ele comia carne de caça, respondeu que não comia mais, e eu estava convidado a almoçar com eles. O que podia oferecer era um pirão de feijão, girimum e quiabo, não comia mais carne, depois do almoço, ia armar redes ali mesmo no alpendre pra nós. Eu agradeci e resolvi perguntar algo. Interroguei se ele era da região e em que trabalhou. Disse que era nascido ali, e que seu pai havia sido cortador de palha e agricultor e ele seguira o mesmo caminho. Que ali no tempo dele de rapaz, antes de Quixeré ser cidade, a cera de carnaúba tinha valor e havia muito mel nos matos, muita caça e muito peixe no rio. Era certo que quando o ano era seco o rio ficava como agora, mas dava pra se plantar batata no brejo.

Também era certo que carnaúba não sofria por falta de chuva, mas hoje a cera estava sem valor, ainda bem que o governo dava aposentadoria pros velhos como ele.

Disse que estava com oitenta e dois anos e ouviu quando menino, seu pai dizer que o bando de Lampeão havia passado um dia de manhã bem cedo por ali. Os cangaceiros vinham de Mossoró e estava indo pra Limoeiro. Seu pai havia saído com mais dois para caçar e de madrugada os cachorros começaram a latir e ele e os outro caçadores ouviram a barulheira do andar apressado dos cabras. Ficaram quietos, apesar dos cachorros terem latido o tempo todo. O bando passou e naquela caçada, nem seu pai nem nenhum dos caçadores caçaram nada. Lampião almoçou e passou a tarde em Limoeiro. Antes do anoitecer os cangaceiros pegaram o rumo de Tabuleiro, policiais de outros estados estavam em Russas à procura do bandoleiro. O bando havia sido expulso à bala de Mossoró e fugiram no rumo do Ceará.

Obs:Tenho publicado somente no recanto das letras uma auto-biografia, meu primeiro livro, cujo nome é “Fascinado por chuvas”. Já este texto que voce acaba de ler é parte do meu segundo volume, cujo título e subtítulo pode se lê acima.

Caso essa seja sua primeira leitura desses contos, sugiro que leia desde o primeiro capítulo para uma melhor compreensão e proveito. Atenciosamente

Agamenon violeiro

Agamenon violeiro
Enviado por Agamenon violeiro em 14/04/2013
Código do texto: T4240276
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