Um Romance no Deserto: Final
Vi toda minha vida ir embora naquele momento. Senti minhas forças me abandonarem rapidamente. As mãos de Madalena me apertavam como nunca, eu podia sentir o medo na vibração do seu corpo. Ela começou a chorar, como se soubesse o que iria acontecer dali pra frente.
Tentei proteger minha donzela atrás de meu corpo, eu era a única chance que nós tinhamos, mas eu não era a prova de balas. Severino parou bem na nossa frente e desceu do seu gigantesco cavalo negro, sem tirar os olhos de mim. Caminhou calmamente em minha direção sem dizer palavra. sentia meus ossos congelarem a cada passo dele. Normalmente eu não teria medo de enfrenta-lo, mas a situação agora estava contra mim, desarmado e sozinho contra cinco dos seus piores capachos... Eu não teria chances!
Severino estava bem na minha frente agora. Eu podia sentir o ódio arder em seus olhos, os mesmos olhos que eu encarei sem medo um tempo atrás. Mas a situação agora era outra. Pensei em tudo que eu podia fazer para sair vivo dessa. Todas as possibilidades, olhei ao redor e nada parecia fazer sentido para mim. Minha pequena Madalena não conseguia fazer outra coisa se não me abraçar ferozmente. Não tinha jeito, iriamos morrer ali mesmo, naquele chão rachado,seco e fervente, no meio do deserto sem vida. Nossa história de amor terminaria no mesmo lugar onde começou e viveu durante dez longos anos.
-Você realmente achou que ia escapar de mim?-Disse Severino com sua voz rouca.-Achou mesmo que iria ter uma bela vida com essa vagabunda?
Meus punhos cerraram naquele momento. A raiva me consumiu de tal modo que não pude me controlar, como ele ousa chamar minha bela menina de vagabunda? Voei no seu pescoço tão rápido que Severino não teve tempo de reagir, eu o agarrei com força e o derrubei no chão, socando seu rosto magro e maltratado pelo tempo. Antes que eu pudesse atingi-lo mais uma vez, um estampido me fez parar. foi um barulho forte e seco, muito próximo de mim. De repente, senti uma dor aguda bem no meio das costas, e o meu sangue quente escorrer pela minha coluna. Um dos capangas de Severino atirou em minhas costas sem dó nem piedade, como eram acostumados a fazer com qualquer um que ameaçasse a segurança de seu senhor.
Severino me jogou no chão, e eu, nada podia fazer, senti uma fraqueza enorme, meus músculos começaram a tremer, eu não estava mais aguentando o peso do meu corpo. Olhei para o rosto do meu covarde carrasco e ele sorria descaradamente. Virei-me para Madalena e vi seus olhos vermelhos e lacrimejantes, presa pelos braços do outro lacaio de Severino. Tentei me por de pé, mas foi em vão. Minha vista começava a escurecer e eu entrei em desespero! Não via mais Madalena, nem Severino e nem ninguém. Era a minha hora...
O pior foi pensar que eu estava morrendo e deixando minha Madalena sozinha ali com aqueles monstros covardes. Não suportava pensar no que eles poderiam fazer com ela! Senti um vento frio passar por mim, como se atravessa-se meu corpo de ponta a ponta. Então, a dor sumiu, o sangue parou de escorrer da ferida da bala e eu me senti muito bem. Não sabia onde estava mas com certeza, não estava no mesmo lugar onde morri. Não entendi muito bem o que aconteceu. Não sabia se tudo havia sido apenas um sonho, um pesadelo horrível ou se realmente era a pior das hipóteses: Eu havia sido morto cruelmente na frente de minha mulher!
Olhei ao redor e não vi nada além de um imenso jardim, muito bonito por sinal. Com certeza estava bem longe daquele deserto escaldante que que sobrevivi durante todo esse tempo. Não conseguia pensar em nada a não ser nela, Madalena! Pensar que nunca mais sentiria seu cheiro doce de novo, seu cabelo macio, seu corpo envolvente me maltratava cada vez mais. Essas lembranças iriam me atormentar para sempre. Mas então, vi se aproximando de mim, uma silhueta linda e muito familiar. O jeito majestoso de andar, o leve balançar dos cabelos e o movimento flertivo dos quadris não me deixaram dúvida, era ela, Madalena. A minha Madalena!
Correu ao meu encontro e me abraçou tão forte que quase caímos no chão. Me beijou de um jeito tão apaixonado que mais parecia o primeiro de nossos beijos. O que houve afinal? O que raios acontecera? Eu não fazia ideia, e com ela ao meu lado, pouco me importava se eu estivesse morto, contanto que passasse toda a eternidade ao lado dela. E assim vivemos, um dia após o outro, sem se importar com o amanhã, eu e minha doce e delicada Madalena, nós dois aprisionados nessa lenda que foi contada e recontada por muitas e muitas gerações depois da nossa. E assim nós vamos embora, sem dizer adeus ou qualquer outra forma de despedida, pois a noite é longa e é tanta terra,... poderemos estar mortos em outra cena.