Presa a um sonho
- O repouso -
Lillian vivia trabalhando, sem tempo para ela e, às vezes sem mesmo para o marido. Os planos deles era de ter um bebê, mas ela tinha medo de ficar sem tempo para cuidar da casa, do marido, do bebê, do trabalho...
A mulher tinha vindo de uma família rígida. A mãe trabalhava em casa e o pai era militar. Ela tinha três irmãos mais velhos, era a caçula da casa. Depois que fez dez anos, mudou-se para a cidade de Haffy, e lá permaneceu. Quando conheceu o marido, casaram-se na cidade e permaneceram por alguns meses. Hoje ela mora em Jolib, mais ou menos quinhentos quilômetros de Haffy.
Depois de um dia inteiro de trabalho, o casal repousava. Era uma noite de lua nova. O céu estava estrelado. A mulher dormia ao lado de seu marido depois do ato de amor.
- A família -
Foi numa tarde como outra qualquer que recebi a notícia de papai: iríamos mudar de cidade. O motivo era simples, sem muitas palavras ele explicou, "fui transferido".
Papai não era muito de conversar com a família. Quando tinha seus cinco, foi mandado para colégio interno. Saiu na adolescência e não teve muito o que escolher, foi encaminhado para um colégio militar que, de lá já seguiria carreira. Formou-se então e começou a ter próprias responsabilidades e a responder por si, completava dezoito. Era um homem muito sério, de coração endurecido, mas tinha boa conversa e era bonito, muito bonito. Com todo charme que um militar não tinha, conseguiu conquistar mamãe. Mirando o olhar azul para uma linda moça alva e curvosa, com um sorriso escondido, chamou-a para dançar. No baile da cidade que eles se conheceram. Não sei em detalhes toda aquela história, mas foi mais ou menos assim. Bem, depois de três anos de namoro, papai pediu mamãe em casamento. Falam que foi uma linda cerimônia, cheia de primores e, entrada triunfal de mamãe cercada por um túnel de espadas. Depois de um ano veio Petriun, que permaneceu filho único por dois anos. Em seguida, vieram os gêmeos Gabux e Jelin. E por último (pelo menos até hoje), depois de dez meses, veio eu, a única menina da casa, Kuguia.
Mamãe é linda! Um corpo esculpido em mármore, deusa grega. Cabelos longos e folhados a ouro. Uma mulher muito simpática e admiradora. Usa muitas jóias e vestidos muito bonitos. Cuida da gente como tesouros. Dona de casa e somente isso. Não sei como ela dá conta de cuidar da casa, de papai e da gente... e às vezes ainda costura algumas roupas, seja para a gente ou para caridade.
Meus irmãos são terríveis. Queria ter uma irmã para poder brincar de boneca. Esses meninos vivem brincando de luta e de carrinho, futebol. Chatice! Mas por outro lado, me dão toda atenção do mundo, cuidam de mim e me mimam demais. Eu finjo não gostar, mas a verdade é que eu adoro. Só tenho medo de mais tarde se eu tiver algum namorado e eles baterem no menino... Imagina? Três contra um. Em pensar que... Ah, deixa pra lá.
Devo me apresentar. Sou Kuguia, tenho dez anos. Adoro observar tudo e imagino coisas demais. Sou uma leitora assídua. Meu pai se chama Sr. Lowil e tem trinta e quatro. Mamãe, Sra. Silia, tem trinta e dois. Tenho três irmãos, os gêmeos de onze e o mais velho de treze. Teremos que mudar para cidade de Haffy, papai foi transferido. Já arrumei minhas malas – a maioria com bonecas, só falta pegar e colocar no caminhão. Viajaremos amanhã pela manhã. As malas e a mobília estão indo hoje a tarde, dormiremos em uns colchonetes
- A cidade de Haffy -
Uma cidade com um número significativo de habitantes. Não tão populosa, mas já rodeada de comércio, com centro urbano e até mesmo lanchonetes famosas.
Lugar de praia onde o sol se põem no mar, magnífico! As manhãs costumam ser frescas, pois são regadas por noites frias. Já as tardes mais quentes, mas sempre com uma brisa. As ruas são belíssimas! Têm árvores a cada cinco metros, daí dá para imaginar, ficam parecendo até bosques. Na primavera tudo mais parece carnaval... as flores colorem todas as calçadas. É um lugar constituído por muitas casas e alguns prédios de no máximo quatro andares.
A prefeitura fica bem no centro da cidade e sua armação é de um casarão muito antigo, bonito por sinal. Os hotéis mais famosos são o GS e o Jorry. Os dois ficam defronte a orla azul que banha o litoral. Dá para imaginar que esse lugar é turístico, mas só fica cheio mesmo no verão – maio até agosto mais ou menos. Algumas pessoas tem casas aqui, que usam como casa de praia e, normalmente vêm nos finais de semana.
Ano passado um homem muito estranho se mudou para o local. Talvez pelos seus quarenta da vida e sozinho. Ele costuma usar um sobretudo bege com um chapéu branco, a calça da mesma cor no chapéu e a blusa da mesma cor do sapato azul escuro. Quase sempre assim. Exceto quando ele vai a praia... Já aí, sua vestimenta é apenas um calção preto – desses de surfista – e uma maletinha (talvez com cerveja, refrigerante ou outra coisa qualquer). O mais instigante, é que desde que esse homem apareceu na cidade, muitas coisas pavorosas tem acontecido. Ele mora no terceiro andar de um apartamento pequeno, que fica na rua Dopf, o último apartamento para ser mais exato. Ninguém sabia o nome dele, mas por ter a frase "Não é o tempo que faz a gente, somos nós que fazemos o tempo" escrita em todas as suas roupas, na porta do apartamento e tudo mais, todos os chamavam de Mr. Tempo.
- A viagem e a semana -
- Mamãe, tá chegando?
- Não, filha. Não está. Sabes que essa é uma longa viagem, tenha calma.
- Mas mamãe, estou casada, quero sair um pouco... Já estamos aqui mais de três horas. Os bobocas também querem parar!
- É mãe, é verdade. Quero parar mesmo.
- Eu também, mamãe.
- Não aguento mais, quero sair um pouco!
- Esperem um pouco crianças, mais à frente tem um hotel, pararemos.
- Não posso parar. O caminho longo e o tempo é curto. Tenho que estar na cidade amanhã.
Olha, que saco! Essa viagem está sendo mais chata que eu pensava. Só tem mato e carro, mato e carro, mato e carro... Papai ainda me vem com esse papinho chato "não posso parar nhe nhe nhe blá blá", que saco! Mamãe deve estar irritada, depois daquela resposta, ela olhou bem atravessado para ele. Mas ele nem liga, já está acostumado com esses tipos de olhares. O ato dele foi único: colocou a mão dele sobre as pernas dela como se fosse um carinho. Os três não sossegam aqui. Os gêmeos atrás ficam de chatice querendo me dar susto, e o outro aqui do lado é um espaçoso. Acho que vou escutar uma música para tentar relaxar.
Depois de mais ou menos cinco horas de viagem após toda a confusão, chegamos a tal cidade... Eu sinceramente não gostei muito. Preferia a outra cidadezinha pequena, isso aqui é muito grande, acho que vou me perder fácil!
- Chegamos, crianças. A casa é esta.
- Querido, que casa linda! É enorme... Vou adorar cuidar desse jardim.
- E nós vamos adorar jogar bola, né manés?
A resposta dos três foi apenas uma gargalhada.
E pra variar, eu não tenho o que fazer. De repente posso dar umas voltas na praia, mas será que meus pais vão me deixar sair sozinha?! Vida chata! Enfim, vou usar minha imaginação para poder brincar aqui... Às vezes eu até jogo bola com eles, sabe?! Mas é muito bruto, eu tenho medo. Prefiro ler meus livros, brincar com minhas bonecas... Até mesmo ajudar mamãe nas costuras. Mas essa casa é tão grande... vou dar uma de exploradora.
- Vamos entrar. Cada um pega uma dessas bolsas aqui. Depois eu levo o resto.
Às vezes papai me irritava, mas eu já entendia porque dele ser assim. Bem, vou iniciar minhas investigações pela casa, aproveitando que a mobília ainda não chegou. É maneiro porque dá eco na casa vazia.
Fui andando por toda a casa. A sala é enorme, daria para eu fazer vários chás com as bonecas! A cozinha é linda, imagino mamãe cozinhando bolos de chocolate, almoços de tempero exalador... Tem uma portinha que provavelmente é um estoque. Andei um pouquinho mais, quase do lado da escada, vi uma porta, era o quarto de hospede! Na outra porta, um escritório com muitas prateleiras. Aposto que papai vai usufruir do espaço por inteiro e vai se trancafiar a maior parte do dia. Logo quando eu sai do escritório, subi as escadas. Baita escadaria, a casa é de um pé direito bem alto. Lá em cima ficam os quartos, tem uma saletinha também. Não precisei nem me preocupar com qual seria meu quarto. Papai já determinou e além de tudo tinha um para cada um. Nessas horas é bom ser menina, porque eu fiquei com a segunda suíte! Meu quarto é lindo, bem maior que o outro, tem até varanda. A vista é maneira, dá para os fundos da casa e ainda dá pra ver um pedaço da praia.
A mobília finalmente chegou! Os homens devem entrar na casa agora para arrumar e deixar a gosto de papai e mamãe. A ordem foi que saíssemos e ficássemos por perto, mas poderíamos ir até a praia. Assim fizemos: andamos pela praia, brincamos na areia, até molhamos nossos pés na água. Minha vontade era de mergulhar, mas minhas roupas ainda estavam por vir. Nós não poderíamos esquecer o nome da rua: Dopf. Meus irmãos cuidam de mim como se eu fosse uma princesa... Quando algum garoto de minha idade olha para mim, eles já encaram com um olhar não tão aprovador. Já é hora do poente! Tão bonito... O sol parece estar se escondendo. Está quase escurecendo. Petriun chamou a gente para voltar... Minha vontade é dizer não, mas tenho medo de me perder aqui. Agora que estou voltando, percebo as ruas lindas, as casas, os prédios... Muito bonito! Até que estou me acostumando com a ideia... Chegamos em casa. Observei bem o caminho para poder sair um pouco sozinha às vezes.
A casa está tão bonita! Bem do jeito que meus pais gostam. Já vou logo para o escritório ver como papai deixou... Ficou incrível! Com certeza vou usar um pouco deste espaço para ler meus livros. Acho que mamãe está preparando o jantar, o cheiro é típico.
- Venham, queridos, o jantar está pronto!
Mamãe estava servindo frango ensopado com arroz e batatas coradas.
- Está uma delícia mãe, adoro sua comida!
- Obrigada querida! Aproveitando esse momento, seu pai tem que conversar com vocês...
- Sim. Cuidado com quem vocês conversam na rua, aqui a cidade é maior e tem mais pessoas desconhecidas. Comprarei um quadro e alguns papeis com canetas para vocês anotarem para onde forem, caso eu ou a mãe não estejamos em casa.
Fiquei até com medo. Mas não ligo, às vezes me sinto com um sexto sentido que sei com quem eu falo e sei discernir o bom do mau e o bem do mal. A semana está ainda por vir, espero que aqui na rua tenha alguma menina da minha idade para poder brincar.
- Bem, semana que vem vocês já começam as aulas. Aproveitem essa semana para brincar e ir a praia... Mas cuidado com o mar... Enfim, vocês sabem. Agora vão dormir que eu tenho que conversar com o papai.
Infelizmente tive que subir né... Antes de nada, todos nós fomos e demos o beijo de boa noite no papai e na mamãe. Lá fui eu pro meu quarto. A casa dá um medinho a noite, muito grande! Acho que se depender de mim não durmo aqui sozinha... Bem, melhor me cobrir logo, e apagar a luz. Gente, não sei porque isso, mas estou ansiosa, também não sei para que. Engraçado, tem um clarão ali na frente, vou ver o que... Abrir essa cortina... Prontin... Meu Deus, o que é isso? Estranho esse apartamento aí da frente. Parece não ter ninguém, mas esse clarão aí... Nossa Senhora! Quem é esse homem? Nunca vi disso, capa, chapéu, isso é hora de estar assim? Estranho... É ruim deu dormir aqui sozinha hein
- PETRIUUUN!
Ai, espero que ele venha logo! Estou com medo.
- Qu-qu-que foi menina? Tá maluca?
- Até estou sim... Olha lá hein, Petriun! Eu tô é com medo, muito medo! Dorme aqui comigo, tem um cara estranho ali na frente, no apartamento.
- Aaah pronto! Olha, não se acostuma não, só essa noite e só.
Ainda bem que ele está aqui, estava morrendo de medo, só não demonstrei mais porque ele ia rir de mim! Eu vou é dormir... Acho que vou ao centro com mamãe de manhã.
- Kuguia, Kuguia, acorde, acorde! Tem que tomar café e se arrumar, ande!
Nem parecia que eu tinha dormido e mamãe já estava me chamando.
- Já ouvi, mamãe! Vou me levantar já já.
Bem, vou com esse vestido amarelo, acho que tá bom. Não gosto muito de ir ao centro, mas...
- Mamãe, estou pronta!
- Ótimo, vamos indo... Queridos, já já estamos de volta.
Sabe que eu não esqueci daquele clarão dessa noite? Muito estranho... E agora que tou com mamãe, percebi que a cortina está aberta. Acho que na volta vou ficar no jardim de trás observando aquele apartamento.
Duas horas depois...
- Queridos, voltamos!
- Mamãe, acho que não tem ninguém aqui...
- Ah, é verdade, filha. Seu pai ia levar os meninos para um jogo desses...
Ai, queria ter ido... De repente depois ele ainda vai pagar um sorvete. Bem, eu vou é lá pra trás ver esse tal vizinho. Vou sentar um pouco aqui na grama... Meu Deus! É ele passando ali na rua... ele está falando...
"Escute o que tenho a falar... somos nós que fazemos os tempo, não o tempo que faz a gente... relaxa"...
- O beijo do príncipe -
O dia tinha amanhecido. Hisof, o marido de Lillian, já havia levantado. Pegou o jornal como todas as manhãs, preparou um café e tomou banho. Quando olhou para a mulher na cama, levou um susto!
"Jesus! Ela só pode estar tendo pesadelo".
Lillian estava suada, se mexendo demais, virando para o lado para o outro na cama, movimentos muito involuntários. O lençol que forrava a cama estava mais remexido do na hora do ato, o homem ficou assustado.
- Lillian, amor, acorde! Acorde...
E nada dela acordar... O homem já estava nervoso. "Será que é falta de ar?" foi o pensamento de Hisof. "Vou fazer respiração boca-a-boca". Quando os lábios se encostaram, a mulher começou a segurar forte o lençol, parecia que ia infartar. Apesar de tanto nervosismo, o homem conseguia perceber que ela estava querendo reagir. Deu-lhe um beijo: "vai ficar tudo bem, amor". Foi então que ela acordou. Assustada, com um pulo, o tronco de Lillian se ergueu. As lágrimas caim dos olhos dela e as palavras foram ditas...
- Era eu, criança, era eu!!! Na casa de papai, era eu. Amor, eu não entendi...
- Respira! Fica calma, tome um pouco de café. Tome!
- Não, não quero! Eu lembro de uma coisa, um homem estranho falava "somos nós que fazemos os tempo, não o tempo que faz a gente", repetia isso toda hora. Eu bem acho que esse homem era o que vendia empadinhas na praia... ele era estranho, sempre tive implicância com ele. Não sei o que aconteceu, e a menina era eu, mas chamavam de Kuguia, quem é Kuguia?
- Amor, acho que isso foi um aviso para você ter mais tempo para você, relaxar mais... Kuguia, Kuguia, minha ex namorada. Que tenso.
- Nem me fale... Preciso tomar um banho...