As tesouras e o amor
Cada pessoa tem seu jeito de se livrar da tristeza. Alguns escrevem, outros se banham no mar. Há alguns que gostam de abraçar e ainda aqueles que afogam suas mágoas comendo chocolates. Porém, Antônia tinha uma mania diferente, que lhe dava tanto alívio quanto o cacau para aqueles que buscam saciar a chocolatria. Ela tinha uma tara por tesouras e sempre descontava os desapontamentos nos seus cabelos desde criança, quando sua mãe cultivou suas madeixas por dez anos, e quando, num momento de descuido materno, ela aparou as pontas pela primeira vez. Foi tiro e queda. De súbito, ela esqueceu o sumiço do seu cachorrinho Fluff, que tanto a entristecia.
Assim, ela foi crescendo, enquanto os fios iam encolhendo. Até que, ao completar 18 anos ela já era uma sarara de nuca batida e estava as vias de raspar a cabeça, pelo estresse pré-vestibular. Mas como fora sempre estudante aplicada, passou na primeira chamada para o curso de Letras.
Conforme foi amadurecendo, Antônia passou a observar o mundo de outra maneira e, sem perceber, seu cabelo já chegava a altura dos ombros. Havia um motivo para a mudança: na turma dela tinha um cabeludo que muito lhe chamou a atenção. E a distração foi tamanha que ela esqueceu das tesouras e se formou indo direto para o altar.
Antônia, agora professora de Literatura, e o garoto de longas mechas se casaram e tiveram uma filha chamada Clarice, que tinha lindos cabelos loiros. Mas que nunca foi obrigada a deixa-los crescer.