Viagens pelo Ceará XIV
IDEIAS AVENTUREIRAS, MUSICAIS, LITERÁRIAS, MÍTICO-CURANDEIRAS, ENXADRÍSTICAS, TEATROLOGAS E INSANAS... DE MORADORES DO VALE JAGUARIBANO, NUM ANO DE ESTIO.
JAGUARUANA
E ele não estava ali pra tapar o sol com uma peneira, com ele não havia mistérios nem segredo, não gostava era de boatos falsos, quando uma conversa chegava aos seus ouvidos, ele aguardava os acontecimentos pra depois se convencer ou não do que diziam. Sabia que ele mesmo era uma pedra no sapato de muitos mas, não queria criar inimizades, me contava aquelas coisa pois nada daquilo era segredo pra ninguém do lugar.
Depois contou rapidamente que um amigo seu vendedor de rede em Natal, frequentador de uma igreja em Parnamirim contou a ele sobre um padre ainda novato que era bom de sermão e encorajador das famílias. O batina era conhecido pelo fervor que demonstrava nos funerais, encorajando os parentes dos finados. Pois bem o dito sacerdote era órfão de pai e a mãe dele era doente e numa das muitas internações no hospital a velha apagou de vez. O padre, jovem e fervoroso consolador dos aflitos se comportou de forma tão indecente dentro do hospital, que o médico teve que tomar algumas medidas para tentar salvá-lo. Foi escandaloso até demais para um homem de fé. É colega, é muito fácil encorajar os que estão doentes, outra coisa é o cabra sentir a dor.
Demonstrei espanto quanto ao caso, mas continuei calado.
Àquelas alturas, como eu continuava ouvindo atentamente seus relatos, ele foi desfiando mais e mais, falou-me de um cidadão morador da cidade apegado aos cerimoniais da paróquia, e que agora se candidatara ao cargo de vereador, até aí tudo bem, “ mas uma coisa era a proposta de um representante do povo, onde o que ia valer eram as obras, coisas que o dinheiro faz, e outra era a moral da fé... na cabeça dele, não era pra se misturar uma coisa com outra, não é? Pois a tônica do discurso desse candidato era a igreja, seus santos e a fé dos fiéis, dava pra entender uma coisa dessas?!
E pulava pra relatos escabrosos.
Casos de freira lésbicas também chegaram aos seus ouvidos... ele citava essas realidades sem esquecer que as Madalena haviam merecido o perdão de Jesus, mas será que as saboeiras e os veados iam ter direito às mesmas complacências? O que é que eu achava!
A pergunta me surpreendeu e eu lhe disse que uma coisa eram as leis da instituição eclesial com seus códigos e proibições, outra eram as leis naturais, estas estudadas pela ciência, e outra bem mais polêmica eram os princípios da fé e consciência.
Nada disse a respeito da minha opinião, nem mesmo se concordava ou não,, citou que o que se devia fazer era, se procurar as boas inclinações, que qualquer um podia andar em qualquer caminho ou vereda, mas devia refletir e procurar viver a oração do pai nosso.
E não parou por aí, disse-me que conhecia muitos beberrões que só estavam vivos hoje por terem ido pro AA. E exemplificou que na cidade de Russas havia um cidadão da política que num passado recente, bebia e acabava caindo nas calçadas e dormindo no chão igual a um cachorro. Disse que conheceu outros por ali que acabaram perdendo o viço, os cabelos, os dentes, foram ficando pálidos e trêmulos e agora dormiam um profundo sono no campo santo. Conhecia desses viciados que paravam com o mau hábito e voltavam a ser o que eram, e que havia outros que resolviam adotar novo credo. E ainda mais que ali havia um safado que era desse time e ele havia feito uns versinhos sobre a mudança do sujeito. Levantou-se e foi buscar um papel, que em seguida leu pra mim:
Hum rum que mudança
Se hoje fala de paz
É por não poder brigar
O cigarro lhe fez mal
O álcool o derrubou
Foi coisa desimportante
Mas a mudar começou
Agora vislumbra a morte
E medroso se acovarda
Rejeita os seus parceiro
Dos tempos do fuzuê
É do rol dos cavalheiros
Dos salvos não sei de quê
Mas já bateu na mulher
Santo que fez diabo
Por hora mudou de lado
Até se diz convertido
Já foi um fardo pesado
O bandido arrependido
É sujeito moralista
Mas não confiava em nada
Hum isso lá era gente
Já foi uma besta fera
Mas agora persevera
Pra se manter São Clemente.
Aplaudi os seus versos e comentei que ainda bem que a mudança do arruaceiro havia sido pra melhor, mas ele não disse mais nada sobre isso, guardou o papel e eu perguntei se podia fazer uma cópia, ele tirou do bolso e me deu, disse que estava salvo no computador do seu neto e que eu podia levar, agradeci.
Depois disso ainda citou casos de suicídios acontecidos por ali e teria falado muito mais se eu tivesse mostrado disposição em ouví-lo, mas, eu estava me saturando e resolvi me despedir do falador de Jaguaruana, era hora de tomar um cerveja e comer alguma coisa, por que ninguém é de ferro. Quando saímos de lá, o Zé de São Bento por entre risos foi me perguntando se eu teria ouvido e paciência prá ouvir um tipo daquele todas as noites e eu disse que isso podia ser interessante embora depois passasse a ser enjoativo devido à repetição.
Obs:Tenho publicado somente no recanto das letras uma auto-biografia, meu primeiro livro, cujo nome é “Fascinado por chuvas”. Já este texto é parte do meu segundo volume, cujo título e subtítulo pode se lê acima.
Caso essa seja sua primeira leitura desses contos, sugiro que leia desde o primeiro capítulo para uma melhor compreensão e quem sabe proveito. Atenciosamente
Agamenon violeiro