Viagens pelo Ceará XXXX

IDEIAS AVENTUREIRAS, MUSICAIS, LITERÁRIAS, MÍTICO-CURANDEIRAS, ENXADRÍSTICAS, TEATROLOGAS E INSANAS... DE MORADORES DO VALE JAGUARIBANO, NUM ANO DE ESTIO.

CASOS DE POLICIA CONTADOS POR PETRONIO E DITOS DO BARBEIRO ALDENOR SOBRE AS OPINIÕES DE MANEZIM

- Pois é - diz Aldenor. Claro que já propus a ele que procurasse uma escola para ensinar esses assuntos de literatura, mas quem foi que disse que ele quer trabalhar? Muda de assunto e foge de situações assim mais rápido do que o diabo da cruz. Gosta é de viver alugando o ouvido dos outros para assim parecer sabido, pensa que me engana?

- Rapaz, diz o Petronio - ele vive acusando, defendendo, comparando, aliás comparar é o que ele mais sabe fazer e gosta. Tem o despautério de dizer que Jackson do Pandeiro é maior do que Luiz Gonzaga, que fulano canta mais do que sicrano, que Paulo Coelho é um escritor fraco, que Patativa só se tornou famoso porque alguém publicou a sua obra, e que a obra dele Manezim poeta, é tão grande ou quiçá maior que a de Patativa, com um detalhe que ele, Manezin, não é um poeta matuto mas sim um Parnasiano. É de uma cara muito dura, não é não?

- É home, nunca foi diligente, diz que trabalhou cantando, mas não levou muito a sério a carreira da viola. Viveu alguns anos com uma mulher e tiveram uma filha, depois separaram-se. Está quase chegando aos sessenta e pensa em se aposentar pela previdência social mas, imagina que pode morrer antes de merecer o benefício. Teve e tem alguns padrinhos pela cidade e praticamente vive da caridade destes.

E eu diante daquele fogo cruzado de palavras eu não sabia se olhava pro tabuleiro ou pros dois falantes... notei que aquela empolgação dos dois homens era pelo menos em parte, efeito do álcool que havia ingerido.

Mas Petronio continua:

- Por outro lado é sujeito sóbrio, que não esmola nem tem maus hábitos, seus únicos empecilhos de vida certamente são sua preguiça crônica e sua grandiosa língua ferina, ô bicho ruim! Um Dom Quixote de magro, um tagarela de primeira, um insatisfeito com o mundo!

E o Aldenor não deixa cair a bola.

- Numa coisa ele se parece com os padres, pregadores e pajés em geral, pois é, acha que quem tem mais, tem que dar as coisas a ele. Nunca prestou um concurso público, mas acha que sabe mais do que os alunos que frequentam cursos superiores. É dono de uma caligrafia nojenta de feiosa mas, não se exercita pra melhorá-la, definitivamente não quer saber de trabalhar, nem de melhorar... mas se acha o tal, e não vá discutir com ele que as coisas não são assim, que ele morre dizendo que são do jeito dele...

O Petronio no vapor do álcool pega a deixa diz

- É, coleciona muitos livros e costuma dizer que os tem ao invés de dizer que os lê ou leu: eu tem-o, Os Miseráveis? eu tem-o, a obra toda de Machado eu tem-o, o Grande Sertão de Guimarães eu tem-o, os poemas de Augusto dos Anjos eu tem-o... o cacete eu tem-o! esse tem-o dele, é um mau de sua pronúncia de desdentado. Parece sentir grande prazer em dizer que tem muitos livros, se sente o tal por esse feito de possuí-los, mas sua visão e interesse não parece ser para com as obras e sim para com as vidas dos escritores.

É verdade diz o barbeiro

- Sabe muito sobre Lima Barreto, Adolfo Caminha, Euclides da Cunha, Machado e nisso de contar como foi a vida de alguns deles, se deleita, principalmente se houver algum drama ou escândalo no meio. Faz disso uma espécie de conto contado, aí cita nomes, crimes, datas, tudo. Um manual de resenha ambulante. Diz das diferenças entre as obras de Olavo Bilac e a de Augusto dos Anjos, entre Coelho Neto e os modernistas e tal. E repete o ramerrão: Patativa só se tornou famoso porque alguém publicou a sua obra e levou pra França seus poemas para serem lidos na Sorbone, e por aí vai enchendo o saco de quem o escuta.

E foi dito muito mais coisas depreciativas sobre o magricelo ausente, no vapor do conhaque daquele sábado chegaram a dizer que o poeta era de araque e que teve até um caso com uma jumenta. Como eu estava diante de dois, falando e concordando com as mesmas citações só me estava ouvir com interesse e rir, pois, o dia estava me favorecendo com bom jogo e boa conversa.

Mas eu queria mesmo era encontrar a dupla Adejante, Manezim para ouvir algum diálogo dos dois. Só consegui isso na segunda feira pela manhã.

Obs:Tenho publicado somente no recanto das letras uma auto-biografia, meu primeiro livro, cujo nome é “Fascinado por chuvas”. Já este texto que voce acaba de ler é parte do meu segundo volume, cujo título e subtítulo pode se lê acima.

Caso essa seja sua primeira leitura desses contos, sugiro que leia desde o primeiro capítulo para uma melhor compreensão e proveito. Atenciosamente

Agamenon violeiro

Agamenon violeiro
Enviado por Agamenon violeiro em 07/04/2013
Código do texto: T4228811
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