Viagens pelo Ceará XXXIX

IDEIAS AVENTUREIRAS, MUSICAIS, LITERÁRIAS, MÍTICO-CURANDEIRAS, ENXADRÍSTICAS, TEATROLOGAS E INSANAS... DE MORADORES DO VALE JAGUARIBANO, NUM ANO DE ESTIO.

CASOS DE POLICIA CONTADOS POR PETRONIO E DITOS DO BARBEIRO ALDENOR SOBRE AS OPINIÕES DE MANEZIM

Pois é, concordo que ele devia ter continuado na viola fazendo coisas simples e descrevendo o mundo fantástico do sertão como fazem os bons cantadores. Mas não, o homem cismou de uma hora pra outra que devia ser literato e começou a ler coisas antigas e imitá-las. Pra você ter uma ideia, vou tomar mais uma e te dizer alguns dos termos que ele costumava usar nos poemas e sonetos quando começou a ler a poesia de Augusto dos Anjos.

Foi à geladeira e nos serviu outra rodada de conhaque com tira-gosto de queijo enquanto ia pronunciando:

Teratológico! Timorato, volutabro, valongos, malédico, nefasto, solarengo, nefando, bordalengo, chalaça, fescenino, tosquiento, turbamulta, sorumbático, raté, verdugo, peralvilho, verborrágico, proscênio, labrego, escorreito, madraço, precito...

Admiti que os termos eram bem antigos e deviam estar boa parte em desuso.

O barbeiro concordou comigo e continuou dizendo:

“Ele tem sim suas virtudes, é do tipo que não tem vícios que o tornem um pecador, mas se existe pecado capital, ele pode ser enquadrado na conta de grande preguiçoso para o trabalho, para uma atividade que, pelo menos lhe renda o sustento. Para falar, ele nunca está cansado, está sempre disposto a tagarelar alguma coisa embora nem sempre diga algo que preste.. é que esbarra em falácias as mais cruentas quase sempre.

O Adejante disse-me em tom de galhofa que ele mesmo tem nome de Salomão mas, sem modéstia se acha superior ao personagem bíblico desse mesmo nome, pelo menos em sensatez, e explica que Salomão o rei, foi muito justo e sábio em alguns momentos da vida mas, igualmente muito insensato e exagerado noutros, porém, ele, Adejante, acha que usa da equidade e tem igual autoridade de mandar um sujeito como Manezin ir ter com as formigas, porque nisso, ou seja em assunto de labor, o poeta velho está abaixo dos insetos, já que os seres inferiores pelo menos trabalham e conseguem seu sustento.

O velho preguiçoso é do tipo que gosta de repetir os seus ditos e além disso se exalta dizendo que não conhece ninguém aqui na cidade que tenha lido o quanto ele leu, nem ninguém que tenha o dom dele para escrever, em suma se vangloria e eu não vejo graça nem muito verdade nos seus escritos sinceramente”.

Aproveitei para dizer que li um artigo dele sobre a falta de cultura do Brasil publicado no Correio de Russas.

E o barbeiro disse que não havia lido esse ainda e prosseguiu:

“É por conta das repetições do Manezim que o Adejante o chama de bicho-refrão, ramerrão, lugar-comum, e às escondidas de mamute. Manezim na verdade é um sujeito pedante, contador de vantagens, imagina que depois de morto será homenageado por sua obra.

- Que obra?- pergunta o Petronio tomando outra depois de fazer a jogada.

- Ele diz que tem muitos sonetos e motes escritos...

- Rapaz ele gosta muito é de falar sobre tôscas criações de cantadores que ele diz serem grandes, e acentua: é grande! é grande! E eu pergunto grande em que? E ele não gosta disso e diz que eu não entendo por não ter alma de poeta.

- É verdade, ele tem decorado muitas estrofes de cantadores do passado. É um sujeito perrengue, chama Adejante de pau-d´agua, é despeitado com outros que foram seus colegas de profissão, calunia e os critica de vez em quando, manifesta menosprezo pelo mérito dos outros na maior cara dura. Aí o Petronio diz:

- Fala que passou muita fome e que igualmente comeu pouco priquito, é assim que se refere à genitália da mulheres. É homem de alguma leitura mas, de entendimento superficial. É de uma lógica arcaica, parece que muita coisa dele está estagnada, morta, e ele coitado, ainda gasta a maior parte do seu tempo ou todo, falando coisas sem importancia que não interessam à nossa realidade. Mas se você quer ver discussão boa dele com Adejante procura tocar no assunto futebol num momento em que os dois estiverem juntos, aí você vai ouvir as opiniões do antiquado. Tudo dele é meio fora de esquadro, diz muita coisa que não combina com o nosso tempo... pode ser que eu esteja exagerando mas eu pergunto, quem é que aqui pelas ruas do comércio quer saber da vida de escritores do passado, que Machado de Assis era filho de um pintor de parede e que Lima Barreto vivia tomando cachaça e criticando a sociedade carioca do início do século vinte? Quem? Pois é, nem doido quer escutar esse tipo de conversa.

Obs:Tenho publicado somente no recanto das letras uma auto-biografia, meu primeiro livro, cujo nome é “Fascinado por chuvas”. Já este texto que voce acaba de ler é parte do meu segundo volume, cujo título e subtítulo pode se lê acima.

Caso essa seja sua primeira leitura desses contos, sugiro que leia desde o primeiro capítulo para uma melhor compreensão e proveito. Atenciosamente

Agamenon violeiro

Agamenon violeiro
Enviado por Agamenon violeiro em 07/04/2013
Código do texto: T4228611
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