O Contrato
Dia a dia a poeira dos anos deixara-a assim: amarga, envelhecida, sem graça. Primeiro as diferenças sociais, depois as exigências naturais e, já madura, a perceção de que embarcaria a seguir ou ficaria ali, rica, isolada e triste, a ver da varanda do solar a vida desfilar ao longe. Decidiu fazer do casamento um negócio de terras e incluiu-se no lote. E o homem ambicioso, tosco, simples, esperto, aceitou. Era tarde para filhos, era tarde para exigências, era tarde para arrependimentos. Difíceis eram os dias divididos entre a gestão da casa e os bordados a bastidor. Vivia do passado. Fora nele princesa, donzela, guardiã de sonhos encantados. Esperou tempo interminável pelo amor e, portanto, sempre que se isolava regressava pelo pensamento à juventude e muitas vezes ficava, olhos perdidos no horizonte, até a sala se acanhar de sombras e silêncios. Ainda sugeriu a António quartos separados, camas distintas, mas ele cobrava-lhe o cumprimento do contrato e vinha todos os dias, saudável e vigoroso, ver se havia fogo na mulher e os acertos eram, invariavelmente, penosos. Quando achava que não havia a mais remota possibilidade de ser feliz uma voz interior lhe assegurou que, no escuro, o mais feio dos homens poderia ser o príncipe encantado. Resultou.