Viagens pelo Ceará XXXVIII

IDEIAS AVENTUREIRAS, MUSICAIS, LITERÁRIAS, MÍTICO-CURANDEIRAS, ENXADRÍSTICAS, TEATROLOGAS E INSANAS... DE MORADORES DO VALE JAGUARIBANO, NUM ANO DE ESTIO.

CASOS DE POLICIA CONTADOS POR PETRONIO E DITOS DO BARBEIRO ALDENOR SOBRE AS OPINIÕES DE MANEZIM

O barbeiro havia terminado um corte de cabelo, estava espanado e retirando o pano que cobria o cliente e disse que ia descansar por hoje a tesoura, era hora de tomar um aperitivo para esperar e encarar mais tarde o almoço. Entrou na sala de jogos e foi direto pra geladeira de onde retirou uma garrafa de conhaque e nos ofereceu, aceitamos e a conversa foi ficando mais animada. Falei pra eles que eu havia conversado com o Adejante e ele havia ficado de aparecer por ali mas não disse quando. Aí o Petronio disse:

- Não espere nem por ele nem pelo Manezim hoje aqui, em dia de sábado só se for por milagre. Um vai tomar banho de rio e pescar na ilhota e o outro vai pra casa de um parente no Poço Verde.

A conversa ficou melhor ainda quando ganhei a segunda partida e tomei mais uma dose de conhaque. Como o Aldenor estivesse sentado observando o nosso jogo, pedi para que ele me falasse um pouco do Manezim.

E ele gostou quando toquei no assunto, naquela manhã de sol e sob os libações daquele conhaque ouvi coisas dignas de registro. Palavras do Aldenor em diálogo com o Petronio.

O poeta Manezim é ruim só pra ele, a bem dizer é zero na renda per capita do país mas ele não é a pura exceção, a gente sabe do monte de carrapato de que é composta a nação. Manezim coitado, quase não tem estrada, é de horizonte curto, nunca viajou pra longe, não sabe apreciar as belezas da natureza, sabe rimar e metrificar, mas ninguém é poeta só por isso. Não é nem ao menos bucólico-lírico, o que ele escreve são coisas sobre o que leu. É sobre Lampião, sobre escritores e poetas, e sua opinião é a dos críticos, é como um planeta velho, jamais poderá ser estrela, pois não consegue mostrar idéias próprias. Muitas vezes o ouço falar mais da vida dos escritores do que sobre suas obras. Posso assegurar que as criações de Manezim soam mais como resenhas do que como observações de uma alma de poeta.

Para provar o que dizia, ia me mostrar uns versos do dito cujo. Me trouxe uma folha de papel com o seguinte mote:

A estante fantástica do meu lar

Despertou minha grande vocação

Numa tarde de um mês muito distante

Eu descobrira a prosa de Varela

Os sonetos sublimes de Florbela

Poetisa fiel e delirante

O romance da vida do brilhante

Cangaceiro da velha geração

E depois li Catulo da Paixão

Um talento do verso popular

A estante fantástica do meu lar

Despertou minha grande vocação

Numa estante repleta de beleza

Manancial da minha inteligência

Ali busquei com muita sapiência

O mistério da santa natureza

Pesquisei com carinho e com firmeza

O passado da velha tradição

Os cordéis do bandido Lampião

E romances famosos de Alencar

A estante fantástica do meu lar

Despertou minha grande vocação

Coração de menino texto em prosa

Da verve autentica de Barrosos

Li também o Sr. Joaquim Cardoso

Os artigos do grande Rui Barbosa

E depois li também Guimarães Rosa

Romancista famoso do sertão

E Castro Alves cantando a escravidão

Ensinou-me também a versejar

A estante fantástica do meu lar

Despertou minha grande vocação

Foi Machado na prosa meu mentor

Com Augusto dos Anjos no soneto

Eu não posso esquecer Lima Barreto

Na crônica meu grande professor

E Bilac famoso trovador

Deu-me também a versificação

Patativa me trouxe inspiração

Sobre a vida do povo singular

A estante fantástica do meu lar

Despertou minha grande vocação

Com Leandro aprendi fazer cordel

Sobre a vida de Antônio Conselheiro

Nos poemas famosos de Junqueiro

Eu descobrira um mundo mais cruel

Lendo os textos sublimes de Rachel

Eu procurara a minha perfeição

E para ter bastante projeção

Lera os versos concretos de Gulart

A estante fantástica do meu lar

Despertou minha grande vocação

Aquela linda estante de madeira

Foi lembrança constante dos meus pais

Nela tinha Vinícius de Morais

E os contos autênticos de Bandeira

O romance também da Bagaceira

Descrevendo a tremenda inanição

Um poema da velha abolição

Que o público pedira pra cantar

A estante fantástica do meu lar

Despertou minha grande vocação

Li também as crônicas de Lobato

E os sonetos famosos de Bilac

Com os textos sensatos de Balzac

Eu procurei também ser literato

Descrevendo soneto puro e grato

Sobre a vida da nossa região

Eu agradeço ao autor da criação

Pelo dom poético e salutar

Na estante fantástica do meu lar

Despertou minha grande vocação.

Li os versos em voz alta e em seguida disse que eram interessantes para serem cantados como martelo de viola.

Obs:Tenho publicado somente no recanto das letras uma auto-biografia, meu primeiro livro, cujo nome é “Fascinado por chuvas”. Já este texto que voce acaba de ler é parte do meu segundo volume, cujo título e subtítulo pode se lê acima.

Caso essa seja sua primeira leitura desses contos, sugiro que leia desde o primeiro capítulo para uma melhor compreensão e proveito. Atenciosamente

Agamenon violeiro

Agamenon violeiro
Enviado por Agamenon violeiro em 06/04/2013
Código do texto: T4226655
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