ELISA

ELISA

Chega-nos uma hora - de angústia de não sei bem o quê...

Será de resquícios de um passado, aquela esquina, o velho Conservatório Musical, as aulas de piano e aquela menina?

Que de longos cabelos negros os tinha a brilhar, nos últimos raios

do Sol de outono, onde todas as folhas se quedam como o amor juvenil?

Porque me angustio tanto, onde está meu sorriso, que se espraiava nas tardes claras quando a via chegando,

e hesitavas a subir as escadas da velha Escola de música,

parando e lançando-me quentes e ternos olhares à distância?

Onde estás agora, que tu fazes,

estarás a tocar piano que tão cedo aprendestes?

Passava a propósito por perto da Escola, o Conservatório Musical de Dona Todó.

Se não podia ver-te pelo menos a ouvia tocar: “Sonata para Piano em Lá Maior ou “Menuetto” de Mozart; outras vezes tocava Schumann,

é certo que gostávamos: eu e ela, mais de Mozart;

sabia de sua preferência - pela constância de Mozart em

suas execuções - mas dava graças aos céus quando Dona Todó repassava Schumann; por causa das sinfonias serem mais longas

e eu a teria mais tempo perto de mim...

Debaixo da janela! E ela sabia disso!

Nunca nos havíamos falado ainda. A menos de cinquenta metros um do outro, o coração disparava, as mãos tremiam, ela ruborizava e todo meu ensaio a falar-lhe desaparecia.

Eu perguntava a mim mesmo:

“Onde se esconde a tua determinação e desejo de tê-la ao teu lado”? Por acaso és hoje menos valoroso que ontem, quando planejastes abordá-la, e ver a menos de um palmo seu rosto lindo?

Sendo possível sentir seu hálito quente?

Este prêmio não o anima

a ter coragem de falar com a doce menina?

Sois por acaso covarde?

Claro que não!

Os sentimentos que estão comportados no amor, são de outra textura. O amor é feito de outro estofo, feito que é de finíssimos fios de ouro e de rosas bem desabrochadas que ao forte golpe de um vento inesperado se rompem e quedam-se todas as pétalas das rosas

ficando, a mim, as tardes tristonhas...!

Mas ficava Elisa, no ar seu perfume, tinha ciúme

então de seu perfume.

Era meu o perfume dela.

Outros não o podiam respirar...

Que perfume ela usaria, para que eu buscasse igual, só para sentir que era ela presente ao meu lado?

Os sonhos ficam mais reais, quando a nossos sentidos

chega algo, objeto, perfume ou um toque

de harpas aos nossos ouvidos

Com seu perfume em meu lenço a sentiria perto de mim.

Sentia o vento trazendo seu perfume, queria que o vendo pudesse materializar imagens.

Vendo-a desaparecer de meus olhos, a trazia para meus sonhos.

Via a doce menina me fitar longamente

enviando seus olhos dourados,

a este ser apaixonado

aguardando que eu me aproximasse mais uma vez.

Onde está agora minha amada Elisa?

Me indagava, e, lembrando um velho acalanto medieval,

buscava me consolar:

"Onde está aquela indizível magia?

Por acaso esqueceste de me amar?

Lembra-te contudo de tua própria natureza?

És filho do Destino e da Criação,

Herança melhor não poderias receber...

Foste o escolhido, por ela, entre milhões

Para recebê-la, junto ao teu coração

E ninguém mais a terá, senão tu...Zackan.*

Contempla este teu próprio destino

E alegra-te... com o alvor do amanhã.

Pois hoje há brilho e juventude mais e mais.

Hoje teu espírito se agita por entre os olmeiros

Ergue teu ânimo e faz dele uso

Para defender o que acreditas por inteiro

E aquela a quem amas...busca os abraços

Observa teus princípios,

Sê humilde e paciente

Mas jamais inferior!

Pois teus sonhos te reservam fortemente

O sucesso em tuas empreitadas por teu braços

E cabe só a ti decidir por eles...

Cria tua oportunidade, a qual ide buscar

Não a deixes por hesitação escapar.

Trabalha, persevera, sê sábio, que tua glória

Há de chegar, e tua amada estará contigo.

Auxilia teus propósitos, jamais lhe dê as costas,

Fazei sua própria História

Zela para a visão de onde está teus inimigos

E sejas sempre fiel aos amigos.

Que sejamos feitos um para o outro

Para despertarmos a compartilha de nossa essência

Com os demais.

Se nossa saudade é grande na ausência

Podemos despertar os sonhos adormecidos e

Como a nós foi dado, dar a eles da mesma água da razão

Para sorrir e acreditar, reconstruir suas muralhas

Com alegria, amor e emoção

Pois a felicidade, que são concessões do espírito e da graça

São nossa própria essência.

Pretendamos nos fazer companheiros até o

Último momento de nossa existência.

Ainda que um dia tu insistas em me esquecer,

Creias, sem ti, minha vida será na verdade

Uma espada sem corte

Um escudo estilhaçado

A uma armadura enferrujada sem utilidade.

A que prefiro mil vezes a morte.

Sou, e poderei ter sido, sempre teu melhor aliado,

Tua melhor arma...a mais forte,

Tua melhor defesa nos dias amargos.

Sou tua esperança quando estiveres aflita

Prisioneira na guerra, levada pelos inimigos.

Nem assim, creias, não serás maldita...

Sou tua certeza, teu amparo

Tua espera de vitória, serei

Tua crença... se tornará bendita

Pois.. sou teu sonho, tua recompensa

Pelas tuas lágrimas, pelos teus soluços,pela tua vigília.

"Este Acalanto Medieval me animava a vencer a timidez, que fiz eu então? Entrei de pronto para o Conservatório para aprender violino.

Só que meu instrumento era lecionado em outra sala.

Mas a felicidade de estar ocupando o mesmo prédio que ela, já era

imensa.

Daí, era traçar um plano de nos cruzarmos de alguma forma. Os pais dela, italianos severos.

O pai vinha ao seu encontro para voltar com ela.

Sorte que a esperava em um outro local, no alto da rua Padre Soares, enquanto o Conservatório ficava abaixo da Padre Feijó, quase perto da Praça Machado de Assis. Isto queria dizer que o pai dela estaria a mais de quatro quarteirões de distância, o que daria para ao menos, falar

com ela na área do Conservatório. Foi o que um belo - belo mesmo - dia aconteceu.

Fitamos um ao outro, por não sei quanto tempo, pareceu-me uma eternidade silenciosa, estava tão feliz te tê-la tão perto, que nem tomei conta que se precisava falar. A respiração dela estava acelerada. Não ruborizou, o que me deu mais coragem, pois pensei ela é forte, não está fraquejando, não posso me acovardar. Vou falar, vou falar...e falei:

"Quer ser minha namorada?" Por um tempo ela ainda continuou a me olhar fixamente, em seguida seus olhos molharam, e percebi seu curto

soluço.

Não entendendo bem aquela reação indaguei: "Você não gostou de meu pedido, te ofendi em alguma coisa" - gaguejando.

Ela me respondeu e eu ouvi pela primeira vez o som de sua voz. Nunca tinha ouvido som de voz feminina mais linda do que aquela - não sei se foi o amor que a fez soar assim - só sei que fiquei em estado de encantamento e nesse estado, quase fiz o vexame de desmaiar, quando

ela disse: "Eu quase chorei foi de felicidade, eu aguardava por esse momento deste quando estava na primeira série (do ginásio lá no Colégio São Vicente).

Portanto, tinha ela 13 anos, e eu nem notara isso. Fui cruzar com o par de olhos dourados, quando ela estava na quarta série e eu no segundo colegial. Ela havia mudado tanto, deixara de usar óculos, seu andar não era mais de uma garotinha, seu corpo era magro sem exagero, alta, ganhava dela por seis centímetros de altura e tenho 1,78 cm. Havia ficado uma garota muito linda, e por isso, não acreditava no que estava me acontecendo.

Ao vê-la coração e mente entravam em ebulição e sentia que isso também se passava com ela.

Tudo o que ela me disse aos dezessete anos foi eu estou morrendo de felicidade, porque eu te amo desde os treze anos, e mais agora que meu sentimento amadureceu e cresceu comigo.

Nesse dia disse a ela que me desculpasse se não havia percebido seu amor por mim mais cedo. Mas que meu coração não cabia em mim de tanto amor por ela e era o rapaz mais feliz do mundo - tinha a certeza. Não sei nem como pegamos as mãos. Nunca mais em minha vida alguém apertou tão fortemente minha mão como Elisa o fez no átrio do Conservatório aquele dia. Ela teve que ir embora, seu pai já fazia menções de descer a rua para buscá-la. Não foi preciso, nos despedimos com olhares, meu sorriso, ela não sorriu, aliás raramente eu a vira sorrir. Sua manifestação de alegria era uma menção com a boca e sorria com os olhos, sempre com os olhos.

Passamos a nos encontrar, seguindo as velhas regras do passado, no cinema, onde podíamos trocar beijos, acobertados pelo escuro e sem o perigo de sermos pegos pelo pai de Elisa Maria.

O amor só foi aumentando com o passar dos anos, estávamos muito além da paixão um pelo outro. Três anos juntos e nos amando cada vez mais.

Um noite, eu já trabalhando em uma multinacional, e fazendo a Faculdade de Direito, ela cursando o terceiro ano do magistério, nos encontramos. E como sempre fui beijá-la e abraçá-la e dar-lhe todo meu amor e carinho. Ela me ofertou uma boca fechada, seca, sem nenhuma emoção, amor ou carinho. Levei um choque, com se uma descarga de onze mil voltes tivesse me atingido. Temi que meu coração parasse. Passei em revista tudo o que dissera, apenas há dois dias atrás. O que dissera, pois outra ação não existia senão essa.

No mundo só existiam olhos, alma, emoção paixão e desejo por Elisa. Perguntei a ela o que estava acontecendo e ela então pela primeira vez, desde que a conhecera, ela não sorriu: gargalhou! Coisa inusitada. Seu rosto não me pareceu o mesmo. Sua voz elevada um ponto a mais não tinham a mesma beleza e candura que sempre amei.

Gargalhando disse-me. Está tudo acabado entre nós.

Perguntei, por que?? Ela responde: Não te amo mais! Como assim? O que foi que te fiz , alguém falou alguma coisa de mim, que eu conversei com outra na empresa ou na faculdade? Se isso aconteceu não passa de contingências ou do trabalho, ou dos estudos na faculdade. Ela disse: que nada, nem ninguém havia dito alguma coisa. Que tudo era de iniciativa e vontade dela. Não conseguia ver mais nada, meus olhos se turvaram e ela percebendo que fraquejava, gargalhava mais ainda, e tudo o que ela falava era pura ironia.

Você disse que me amava desde sempre Elisa. Que eu era toda sua vida. Eu ouvi muitas vezes de você isso!!

"Sim é verdade, mas acho que estava enganada, não te amo mais!"

Nem um pouco? Elisa responde com o melhor sorriso irônico que eu já vi: "Nem um pouquinho".

Estava, totalmente sem ação. Meu mundo havia desabado sobre minha cabeça, não conseguia raciocinar. Repense tudo o que me disse Elisa, por favor! "Vou repensar, vê se me entende não-te-amo-mais. E agora, vou-me embora, não tenho mas nada a falar. Encontre-me amanhã aqui mesmo, (defronte ao colégio).

Tive ingenuamente um alento, uma ilusão que ela voltaria com outro pensamento. Engano. Só o que ela queria era me devolver (era costume naquele tempo) tudo o que eu lhe havia dado de presentes, minha foto, as poesias que eu escrevera a ela, até os lacinhos de papel de bala que as namoradas faziam quando recebiam balas dos namorados, como prova de amor. E Elisa me disse, as minhas coisas que estão com você faça-me o favor de não me procurar, mande através da Luzia (uma amiga em comum). Já se passavam doze anos desse triste acontecimento - para mim, claro - eu estava apreciando à distância um carnaval de rua. Senti como se algo, ou alguém me fitasse. Sentia que estavam cravados nas minhas costas dois pontos quentes. Aos poucos fui perscrutando a multidão e me virando, dei com os olhos dourados de Elisa, olhando-me da mesma forma ardorosa como quando me amava. Mais madura, mas tão linda quanto sempre foi. Não estava sozinha, ao seu lado um homem louro, muito magro, de nariz adunco como uma águia, com os olhos muito próximos do nariz. Na frente de Elisa e do homem estavam duas meninas os 8 e 9 anos, acredito. Não consegui desviar o olhar de imediato, pois deu para perceber em Elisa Maria Bertucci um suspiro curto e sentido e seus olhos apenas se molharam.

Passam-se agora deste último olhar, quarenta e cinco anos. Moro durante todo esse tempo em outra cidade. Nunca mais a vi e nada soube de Elisa, a não ser um dia, por um acaso no cemitério da outra cidade, vejo uma foto num túmulo, levo um choque, leio o nome, veja-se bem fiquei aliviado! Não era Elisa Maria e sim sua irmã (eram quatro irmãs) a Elisete, morta em acidente de trânsito, tinha o mesmo rosto de Elisa, permaneci um tempo olhando aquela foto e lembrei-me da que devolvera a Elisa, a quarenta e oito anos atrás.

Esta é a vida, a estúpida

Lenta qual fosse um século,

Breve qual fosse uma hora

Vida um oscilar eterno

Entre o paraíso e o inferno

Que não se aquieta jamais

(* A citação de Fanny e Zackam são de um Conto e Peça Teatral, Medieval: por isso aludido ao rapaz como, Zackan)

Mauro Martins Santos
Enviado por Mauro Martins Santos em 06/04/2013
Reeditado em 04/03/2015
Código do texto: T4226197
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