(Des)Romance
Fazia dois anos que havíamos nos conhecido. Eu estava profundamente apegada a ele e ao que me tornava enquanto estávamos juntos. Ao contrário dos demais casais, não me prendia ao que ele me despertava de melhor e mais angelical. Não. Eu estava presa à necessidade que ele tinha de mim, mesmo quando estava ao meu lado. Sentia-me soberana enquanto seus olhos me buscavam e, quando sua voz me gritava na ausência, eu vibrava. Ele havia feito de mim um escudo. Eu o transformara em prisioneiro.
Quando nos conhecemos, eu tinha voltado há pouco para a nossa cidade. Passei alguns anos estudando em outra região. Se eu saí tranquila, voltei desconfiada e esperta. O tempo me mudara profundamente e, até encontrá-lo, eu não tinha descoberto esse lado.
Em uma noite, num bar da cidade, eu conheci Eduardo. Ele chamou a minha atenção pela beleza. Seus olhos eram encantadoramente azuis e ele transpirava sensualidade. Olhei e decidi que ele seria meu. Sua aparência calma era exatamente o que faltava na minha constante agitação. Desde então, não nos separamos. Éramos dois e nos tornamos um corpo e uma sombra. Ele me seguia, me amparava, me adorava e me colocava como prioridade em sua vida vazia.
O tempo passava e, ao contrário do esperado, sua necessidade de me ter só aumentava. E ele se abria de uma maneira indescritivelmente ingênua. A cada gesto, a cada momento e a cada palavra, seu coração falava mais alto. Eu sabia de tudo sobre ele e me tornei o melhor exemplo de companheira, até o dia em que percebi que ele estava dependente de mim.
Tentei fugir, escapar, mas ele me pedia para que ficasse mais, só um pouco mais, até que ele conseguisse reestruturar a sua vida. E eu fiquei. Estava penalizada com a solidão que havia se instalado nele. Sentia que estava lutando contra mim mesma, mas decidi ajudá-lo. Odiava-me todas as vezes que o via.
Mas chegou o dia em que tudo mudou. Ao contrário de detestar toda a minha nova realidade, comecei a gostar dela. Eu não estava apegada a Eduardo. Na verdade, estava encantada com a dependência dele. Era fascinante, e deprimente, ver outro ser depender de mim até para decidir coisas banais. Preferi não lhe dizer, mas estava me adaptando à vida atual ao lado dele. Seria um fracasso se Eduardo percebesse o que estava fazendo consigo. Era sádico, mas eu queria continuar naquela situação de comando.
“Lu, o que você acha deste short?”, perguntava, inocentemente, enquanto eu me aproveitava daquela circunstância para me sentir plena e me livrar do vazio que me inundava há anos. Eu ficava saciada quando via sua dependência infantil.
E descobri que o dito amor era, na verdade, o mais puro egoísmo maquiavelicamente travestido. E prazeroso. Todo “eu te amo” inocente carregava um “preciso de você para, covardemente, conseguir seguir minha vida e tomar minhas decisões”. Covardia era o que o desditoso amor iria revelar com o passar do tempo.
Aos vaidosos, o amor trazia o prazer de ser o comandante, o guia de um viajante sem rumo, incoerente, vazio e fraco. O sentimento, como descrevem a literatura e seus românticos narradores, não existia. E tolo era quem vivia em busca dessa utopia. Eu havia percebido isso por meio do meu convívio doentio com Eduardo. O cotidiano constrói e destrói conceitos e ideologias.
- Você acha que devo fazer essa viagem? – perguntou o melancólico galanteador.
- Acho, Dudu. Acho. – “será a melhor maneira de, momentaneamente, me livrar do achismo forçado que tinha se transformado minha existência”, respondi a mim mesma. E, na volta, continuaríamos achando que tínhamos uma vida.