Carnaval
- Trim... Trim... Trim... - toca o telefone.
- Alô. - atende Pedro, sonolentíssimo.
- E aí? Já está pronto? - entusiasma-se Danilo, do outro lado da linha. - Que voz de morto-vivo, cara! Você estava dormindo? Não vai cair na folia hoje?
- Não, não vou. Já passou da meia-noite. Você não acha que está muito tarde para estar me ligando? Vou voltar a dormir. Boa noite.
- O quê? Como você me diz que não vai? Escuta, de fato, já passou da meia-noite, eu me atrasei, você se atrasou, nós nos atrasamos. Mas não faz mal, os melhores trios sempre saem mais tarde mesmo. A diversão não está perdida.
- Só que eu não quero saber de trios, nem de folia. Eu estou morrendo de sono.
- Eu não vou deixar você dormir em pleno carnaval. Vamos, tome um banho. Quando chegar lá, aposto que esse sono vai embora.
- Vai nada. Ir para a avenida com sono nem dá certo. O som do trio é alto demais e acabaria me irritando.
- Deixa de birra, rapaz. Só por causa do horário? Já disse, o melhor está apenas começando. Você sabe disso, todo mundo sabe disso. Claro que você vai! Vai querer perder as gatas que vão topar pelo caminho? Eu mesmo vou apresentar umas que você vai adorar. É só me acompanhar.
- E quem garante que elas vão se interessar por mim, com tanta concorrência? Aposto que você já está flertando com uma conhecida. Se eu te acompanhasse, correria o risco de ficar segurando vela.
- Pára com isso. Eu sei que você está doido pra ir. Eu sei também que você tem um tênis novo e não vê a hora de inaugurar. É uma oportunidade de ouro, não existe outra melhor.
- Tênis novo? Quem disse que eu tenho um tênis novo? E mesmo que tivesse, eu jamais inauguraria um tênis melando todo em uma única noite.
- Pois então pense nos artistas que vão cantar essa noite e que você não vai ter outra oportunidade de ver. Cantarão nos trios, como convidados, artistas internacionais. Artistas internacionais, cara! Vai dizer que você prefere dormir e perder isso.
- Se eles vêm uma vez, não vai me surpreender se vierem outras. Garanto que nenhum que eu seja fã foi convidado.
- Eu não estou acreditando. Você está parecendo um menininho dando chilique. Mas eu vou te dizer uma coisa que você não perderia por nada: aqueles engraçadinhos que todo ano vão curtir e fazem palhaçadas. Você não vai querer deixar de ver a galera se soltando, chamando atenção, dançando danças de doido, dizendo coisas engraçadas... Sempre tem um que...
- ...Eu acho esse tipo de espetáculo mais engraçado no circo. Rapaz, eu estou morrendo de sono. Se me dá licença, vou voltar a dormir. Boa noite.
- Mas esse carnaval promete ser o melhor dos últimos anos! Vai ficar para a história! Tudo está perfeitamente elaborado! Vai ser um show como você ou eu nunca vimos antes e não vamos esquecer mais!
- Sei... Vai ser isso tudo até chegar o carnaval do ano que vem. O do ano passado também foi.
- Então, quer dizer que a cidade toda vai estar na maior alegria e você dormindo?
- Pois minha alegria agora é voltar para a cama.
- Mas... mas... e os abadás que eu consegui? O que eu faço com eles? Para quem eu dou?
- Gente querendo é o que não falta.
- Puxa vida! Me belisca, eu estou sonhando, só pode ser isso. Você vai mesmo me dar esse bolo. Inacreditável. Vai perder Ivete, Gil, Daniela, Margareth e tantos outros. Você está doente?
- Minha saúde vai bem. Doente é você, que me liga a essa hora e fica insistindo depois que eu já disse que não. Se você quer ir, divirta-se, boa sorte e boa folia, mas me deixa em paz.
- Mas justo você, que sempre gostou de carnaval?
- Eu? Eu nunca gostei de carnaval. Se gostasse não estaria dormindo.
- Quê? Como assim? Hã... É o Humberto quem está falando?
- Não. Meu nome é Pedro. Não conheço nenhum Humberto.
- Ah... Desculpa. Foi engano.
- Tum... tum... tum... - toca o telefone.