Janela do 9º andar
Da janela do meu apartamento no nono andar, olho para o céu abarrotado de estrelas e com uma lua quase cheia brilhante. São oito horas de uma noite quente do mês de janeiro. Olho para baixo e vejo as luzes da cidade, os faróis dos carros, os transeuntes. Ouço ruídos de todos os tipos: buzinas, o ronco dos motores de carros e motos, freadas, vozerio, música que vem do meu aparelho de som e de outros apartamentos. Daqui também posso ver crianças, no playground do condomínio, correndo, brincando, gritando. Pessoas entram e saem na guarita, a pé ou em seus automóveis. Tudo está em movimento. Só eu estou imóvel, olhando da janela do nono andar. Tudo é som e, ao mesmo tempo, existe um imenso silêncio dentro de mim. Estou pensando por que cheguei até aqui. Estou me sentindo sozinha, triste, desamparada, desprotegida. Esse aqui não é o meu mundo, não é o meu lugar. Eu não nasci pra cidade grande. Não nasci pra essa cidade. “O que você está fazendo aqui Mariana? Volte para casa.”, me diz uma voz interior.
Estou aqui há um ano. Morava em outra cidade e vim em busca de sonhos, em busca da felicidade. Deixei tanta coisa para trás: família, amigos, minha casa, meu trabalho. Vim acreditando que aqui encontraria o que já não conseguia encontrar na vida que eu tinha. Fazia muito tempo que estava insatisfeita, infeliz, sem perspectivas. Acabara de viver o rompimento de um relacionamento desgastado pelo tempo e pela falta de amor. Precisava recomeçar. Já que era para ter uma nova vida então que fosse tudo novo: parceiro, cidade, casa, trabalho, amigos, tudo.
Nas primeiras semanas eu estava muito feliz, embora sentisse muita saudade das pessoas que ficaram. No novo trabalho também estava entusiasmada, cheia de ideias e de planos para mostrar a minha eficiência aos novos chefes.
Quanto ao novo relacionamento, melhor não poderia ser. Estava apaixonada e me sentia muito amada. Marcos me cobria de carinhos e de atenção e fazia de tudo para me agradar. Tínhamos um imenso desejo e nossa vida íntima era muito prazerosa.
Não posso dizer que hoje eu não esteja feliz na relação, eu amo o Marcos e sei que ele me ama também. Mas o fato é que, mesmo que tudo seja diferente do que eu vivia, algo é exatamente igual: a rotina. A lua de mel não durou muito e a nossa vida foi contaminada pelo implacável vírus da rotina. De manhã levantamos cedo, vamos para o trabalho, voltamos ao final do dia, exaustos. Corro para a cozinha para preparar o jantar, enquanto isso ele toma o banho e assiste ao noticiário da TV. Termino de fazer a comida e vou eu tomar uma chuveirada. Durante o jantar conversamos um pouco sobre o nosso dia, depois vou lavar a louça, colocar a roupa na máquina ou fazer outra tarefa. Marcos, às vezes, ainda tem de fazer relatórios para entregar no trabalho na manhã seguinte. Quando vou me deitar, com o corpo moído, mal consigo lhe dar um beijo e já estou fechando os olhos. Ele, por sua vez, muitas vezes nem aguenta esperar que eu me deite. Nos fins de semana quase sempre viajamos para nossa cidade para ver nossas famílias e descansar, porém, no domingo à noite quando retornamos, parece que estamos ainda mais cansados do que quando saímos. Assim, vão se passando os dias, as semanas, e nosso desejo vai sendo corroído pela maldita rotina. Às vezes, passamos até uma semana sem termos um momento de intimidade e prazer.
Com os novos amigos que chegaram não tenho a mesma relação de afeto e de cumplicidade que eu tinha (e tenho) com os antigos amigos. Na verdade, adquiri novos colegas de trabalho, nenhum que eu possa chamar de amigo, com quem agora eu poderia estar desabafando. Sinto tanta falta de meus amigos!
Entretanto, não há nada que me faça mais falta do que minha família. Como eu gostaria de estar agora na casa da minha mãe, recebendo seu carinho, seu colo, seu amor incondicional! Como eu queria estar agora sentada à mesa da cozinha de sua casa comendo seu delicioso bolo de laranja, tomando um cafezinho fresco e jogando conversa fora! Que saudade de meus irmãos! Eu não sabia que os amava tanto.
Marcos está viajando há dois dias. Ele foi a São Paulo por motivo de trabalho e só deve retornar amanhã. Sua ausência me deixa ainda mais desamparada. Nosso pequeno apartamento parece enorme de tão vazio. Sinto sua falta, sinto falta de nossa conversa durante o jantar, sinto falta de me deitar abraçada com ele. Há dois dias não consigo dormir e nem comer direito. Não tive o mesmo rendimento no trabalho, estava dispersiva, desconcentrada, só pensando no momento de vir embora para casa. Pensei em Marcos o tempo todo e rezo para que essa noite não seja tão longa. Espero que logo o dia amanheça e que chegue a hora de vê-lo entrando em casa.
Se tivéssemos um filho acho que minha solidão não seria tão grande. Eu queria muito ter um filho, mas ele não acha uma boa ideia. Pelo menos por enquanto. Marcos diz que nossa situação financeira ainda não é estável e que, morando em uma cidade longe de nossas famílias, como faríamos com o bebê para podermos trabalhar? Sei que ele tem razão, mas meu desejo de ser mãe é tão grande que chego a sonhar que tenho um bebê. Também me preocupo com a minha idade, afinal já estou com 32 anos e não quero ser mãe muito tarde. Fico torcendo para que ele mude de ideia e que aceite que eu engravide logo.
Já são oito e meia. O movimento lá embaixo continua como há meia hora. Eu também continuo olhando tudo da minha janela. Saí apenas para trocar o CD que acabou. Eu estava ouvindo Elis Regina: “quando caminho pela rua lado a lado com você me deixas louca...”. Adoro essa música! Acendi outro cigarro (já é o terceiro), peguei uma latinha de cerveja na geladeira e coloquei outro CD. Agora está tocando Jorge Vercilo. Nossa, essa música tem tudo a ver com o que sinto: “...faça alguma coisa pra acalmar a dor/posso suportar cataclismas, vendavais/mil vezes mais, te amo/longe de você, nem sei como será, quando a noite chegar/ler qualquer coisa, tentar me acalmar/ fumo um cigarro, fico a esperar esse telefone que não quer tocar/ Como será quando a noite chegar?”. A noite já chegou e eu sei exatamente como está sendo: fria (apesar do calor), escura (apesar da lua e das estrelas), morta (apesar de tanta vida ao redor), vazia (apesar de estar cheio de gente lá embaixo) e triste, muito triste. “Cadê você, Marcos? Por favor, não demore a ligar”.
Acho que vou entrar agora. Poderia ligar a TV, ou assistir a um filme em DVD, ou ler um livro. Talvez eu conseguisse continuar a ler Perdas & Ganhos, da Lya Luft, que comecei na semana passada e não consegui passar da página cinquenta e cinco: “Para qualquer mudança é necessário compreender o que há de errado em nossa relação amorosa, em nossa casa, trabalho...em nós.” Eu mudei minha vida toda e, no entanto, parece que ainda sou a mesma. Não, a mesma não. Estou um pouco pior, porque agora estou muito mais sozinha.
Agora são 8h45. Marcos ainda não ligou. Talvez nem ligue mais, pois já nos falamos pela internet, à hora do almoço, no computador lá da empresa. Droga, eu preciso instalar a internet no computador aqui de casa com urgência. Vou procurar providenciar isso amanhã. Decididamente não quero ligar a TV, tampouco estou com vontade de ler. Vou continuar na janela um pouco mais.
Essa música que está tocando agora também é linda: “Nós já temos encontro marcado/eu só não sei quando/ se daqui a dois dias/ se daqui a mil anos...” Ah, Jorge Vercilo, você mexe com minha cabeça e com meu coração!
Já não há tantas crianças brincando lá embaixo, nem tantas pessoas passando na rua e o trânsito já não é tão intenso. Vai começar a novela das nove e muita gente deve estar se posicionando em suas poltronas para assisti-la. Não assisto a essa novela: Insensato Coração. Dizem que é boa, mas não gosto de novelas. Gosto de minisséries, porque as histórias se resolvem rápido. Não tenho mais paciência para ver mocinhos e mocinhas sofrendo por meses a fio, passando por todo tipo de injustiça para ficarem juntos e felizes só no último capítulo.
Estou bebendo mais uma latinha de cerveja e fumando o quinto cigarro (ou será o sexto?). Eu preciso parar de beber. Por hoje chega. O melhor que tenho a fazer agora é sair dessa janela, tomar um banho e tentar dormir. Amanhã, quando o Marcos chegar, não quero que ele me encontre tão abatida.
Quando eu me deitar vou rezar e agradecer a Deus por ser uma pessoa equilibrada, por não sofrer de nenhum transtorno psíquico, por ser capaz de encarar minha solidão sem perder o controle. Senão, nessas últimas horas em que me senti tão só e tão desamparada, poderia ter cometido uma grande loucura: ter me jogado da janela do nono andar.
Estou aqui há um ano. Morava em outra cidade e vim em busca de sonhos, em busca da felicidade. Deixei tanta coisa para trás: família, amigos, minha casa, meu trabalho. Vim acreditando que aqui encontraria o que já não conseguia encontrar na vida que eu tinha. Fazia muito tempo que estava insatisfeita, infeliz, sem perspectivas. Acabara de viver o rompimento de um relacionamento desgastado pelo tempo e pela falta de amor. Precisava recomeçar. Já que era para ter uma nova vida então que fosse tudo novo: parceiro, cidade, casa, trabalho, amigos, tudo.
Nas primeiras semanas eu estava muito feliz, embora sentisse muita saudade das pessoas que ficaram. No novo trabalho também estava entusiasmada, cheia de ideias e de planos para mostrar a minha eficiência aos novos chefes.
Quanto ao novo relacionamento, melhor não poderia ser. Estava apaixonada e me sentia muito amada. Marcos me cobria de carinhos e de atenção e fazia de tudo para me agradar. Tínhamos um imenso desejo e nossa vida íntima era muito prazerosa.
Não posso dizer que hoje eu não esteja feliz na relação, eu amo o Marcos e sei que ele me ama também. Mas o fato é que, mesmo que tudo seja diferente do que eu vivia, algo é exatamente igual: a rotina. A lua de mel não durou muito e a nossa vida foi contaminada pelo implacável vírus da rotina. De manhã levantamos cedo, vamos para o trabalho, voltamos ao final do dia, exaustos. Corro para a cozinha para preparar o jantar, enquanto isso ele toma o banho e assiste ao noticiário da TV. Termino de fazer a comida e vou eu tomar uma chuveirada. Durante o jantar conversamos um pouco sobre o nosso dia, depois vou lavar a louça, colocar a roupa na máquina ou fazer outra tarefa. Marcos, às vezes, ainda tem de fazer relatórios para entregar no trabalho na manhã seguinte. Quando vou me deitar, com o corpo moído, mal consigo lhe dar um beijo e já estou fechando os olhos. Ele, por sua vez, muitas vezes nem aguenta esperar que eu me deite. Nos fins de semana quase sempre viajamos para nossa cidade para ver nossas famílias e descansar, porém, no domingo à noite quando retornamos, parece que estamos ainda mais cansados do que quando saímos. Assim, vão se passando os dias, as semanas, e nosso desejo vai sendo corroído pela maldita rotina. Às vezes, passamos até uma semana sem termos um momento de intimidade e prazer.
Com os novos amigos que chegaram não tenho a mesma relação de afeto e de cumplicidade que eu tinha (e tenho) com os antigos amigos. Na verdade, adquiri novos colegas de trabalho, nenhum que eu possa chamar de amigo, com quem agora eu poderia estar desabafando. Sinto tanta falta de meus amigos!
Entretanto, não há nada que me faça mais falta do que minha família. Como eu gostaria de estar agora na casa da minha mãe, recebendo seu carinho, seu colo, seu amor incondicional! Como eu queria estar agora sentada à mesa da cozinha de sua casa comendo seu delicioso bolo de laranja, tomando um cafezinho fresco e jogando conversa fora! Que saudade de meus irmãos! Eu não sabia que os amava tanto.
Marcos está viajando há dois dias. Ele foi a São Paulo por motivo de trabalho e só deve retornar amanhã. Sua ausência me deixa ainda mais desamparada. Nosso pequeno apartamento parece enorme de tão vazio. Sinto sua falta, sinto falta de nossa conversa durante o jantar, sinto falta de me deitar abraçada com ele. Há dois dias não consigo dormir e nem comer direito. Não tive o mesmo rendimento no trabalho, estava dispersiva, desconcentrada, só pensando no momento de vir embora para casa. Pensei em Marcos o tempo todo e rezo para que essa noite não seja tão longa. Espero que logo o dia amanheça e que chegue a hora de vê-lo entrando em casa.
Se tivéssemos um filho acho que minha solidão não seria tão grande. Eu queria muito ter um filho, mas ele não acha uma boa ideia. Pelo menos por enquanto. Marcos diz que nossa situação financeira ainda não é estável e que, morando em uma cidade longe de nossas famílias, como faríamos com o bebê para podermos trabalhar? Sei que ele tem razão, mas meu desejo de ser mãe é tão grande que chego a sonhar que tenho um bebê. Também me preocupo com a minha idade, afinal já estou com 32 anos e não quero ser mãe muito tarde. Fico torcendo para que ele mude de ideia e que aceite que eu engravide logo.
Já são oito e meia. O movimento lá embaixo continua como há meia hora. Eu também continuo olhando tudo da minha janela. Saí apenas para trocar o CD que acabou. Eu estava ouvindo Elis Regina: “quando caminho pela rua lado a lado com você me deixas louca...”. Adoro essa música! Acendi outro cigarro (já é o terceiro), peguei uma latinha de cerveja na geladeira e coloquei outro CD. Agora está tocando Jorge Vercilo. Nossa, essa música tem tudo a ver com o que sinto: “...faça alguma coisa pra acalmar a dor/posso suportar cataclismas, vendavais/mil vezes mais, te amo/longe de você, nem sei como será, quando a noite chegar/ler qualquer coisa, tentar me acalmar/ fumo um cigarro, fico a esperar esse telefone que não quer tocar/ Como será quando a noite chegar?”. A noite já chegou e eu sei exatamente como está sendo: fria (apesar do calor), escura (apesar da lua e das estrelas), morta (apesar de tanta vida ao redor), vazia (apesar de estar cheio de gente lá embaixo) e triste, muito triste. “Cadê você, Marcos? Por favor, não demore a ligar”.
Acho que vou entrar agora. Poderia ligar a TV, ou assistir a um filme em DVD, ou ler um livro. Talvez eu conseguisse continuar a ler Perdas & Ganhos, da Lya Luft, que comecei na semana passada e não consegui passar da página cinquenta e cinco: “Para qualquer mudança é necessário compreender o que há de errado em nossa relação amorosa, em nossa casa, trabalho...em nós.” Eu mudei minha vida toda e, no entanto, parece que ainda sou a mesma. Não, a mesma não. Estou um pouco pior, porque agora estou muito mais sozinha.
Agora são 8h45. Marcos ainda não ligou. Talvez nem ligue mais, pois já nos falamos pela internet, à hora do almoço, no computador lá da empresa. Droga, eu preciso instalar a internet no computador aqui de casa com urgência. Vou procurar providenciar isso amanhã. Decididamente não quero ligar a TV, tampouco estou com vontade de ler. Vou continuar na janela um pouco mais.
Essa música que está tocando agora também é linda: “Nós já temos encontro marcado/eu só não sei quando/ se daqui a dois dias/ se daqui a mil anos...” Ah, Jorge Vercilo, você mexe com minha cabeça e com meu coração!
Já não há tantas crianças brincando lá embaixo, nem tantas pessoas passando na rua e o trânsito já não é tão intenso. Vai começar a novela das nove e muita gente deve estar se posicionando em suas poltronas para assisti-la. Não assisto a essa novela: Insensato Coração. Dizem que é boa, mas não gosto de novelas. Gosto de minisséries, porque as histórias se resolvem rápido. Não tenho mais paciência para ver mocinhos e mocinhas sofrendo por meses a fio, passando por todo tipo de injustiça para ficarem juntos e felizes só no último capítulo.
Estou bebendo mais uma latinha de cerveja e fumando o quinto cigarro (ou será o sexto?). Eu preciso parar de beber. Por hoje chega. O melhor que tenho a fazer agora é sair dessa janela, tomar um banho e tentar dormir. Amanhã, quando o Marcos chegar, não quero que ele me encontre tão abatida.
Quando eu me deitar vou rezar e agradecer a Deus por ser uma pessoa equilibrada, por não sofrer de nenhum transtorno psíquico, por ser capaz de encarar minha solidão sem perder o controle. Senão, nessas últimas horas em que me senti tão só e tão desamparada, poderia ter cometido uma grande loucura: ter me jogado da janela do nono andar.