MISSÃO CUMPRIDA (EC)

Saía incontinenti de seu refúgio no alto da torre, batia asas e partia ligeiro.

Carregava, naquelas algemas das patas cobertas de tenras penas negras, que apenas alguns de sua espécie possuíam, mais uma mensagem.

Era seu mister.

Espalhar notícias pelos povoados. Más. As boas não têm urgência. Os do povo podiam esperar.

Sua missão era voar aos vilarejos mais distantes, mas quando sobrevoava os próximos, deixava a curiosidade e temor. Qual desgraça acontecera, era a dúvida que rastejava no chão, à sua aparição no horizonte, originando disse que disse.

Ignorante das reações humanas e da importância da mensagem que carregava, sentia-se garbosa, quando apontada e observada lá debaixo.

Para si, era a mais importante das criaturas do reino.

Às vezes, rodeava e ameaçava descer. Aumentava seu ego perceber o medo estampado nos olhos fugidios ao seu mergulho. Porém, cioso de suas obrigações, como era de lei, seguia seu rumo até as terras longínquas.

Temia desobedecer a ordens do vassalo que a alimentava.

Se o rei morrera, se o reino inimigo invadira território, se... sabe-se lá o que acontecera. Pouco importava a mensagem levada no papel.

Importava ser rápida e voltar ao abrigo. Embora descendente de predadores, sequer dirigia o olhar, se cruzasse sua frente alguma presa natural.

Que fugisse desesperada.

Era especial, julgava-se.

Tinha tido um tratamento especial. Retirada do ninho, fora tratada com a melhor das rações. Nenhuma necessidade de caçar.

Sua lida diária era apenas voar, na agilidade máxima de suas asas, de um vassalo a outro, cada vez mais distantes, esperar, um e outro, lhe retirar aquele incômodo da pata, colocassem outro, dessem-lhe água e ração e pronto...

Voar de volta.

Assim fazia diversas vezes, diuturnamente.

Sua condição de ave não lhe permitia entender por que substituíra outra de sua espécie, há tantos anos na função.

Ah! A juventude... Implacável ilusão de nunca terminar... Que o dissesse a velha ave substituída, de um negro desbotado. De um dia para outro, não mais voou carregando papeizinhos. Envelhecida, lenta e cansada, esperava o desfecho, com ração de nem tão boa qualidade.

Estranho!...

De repente, as costumeiras distâncias pareceram ficar maiores. Aguçava a visão e via as mesmas paisagens. Ainda que passassem mais devagar, eram os mesmos vales, as mesmas montanhas.

Certa feita, pareceu-lhe não ser o mesmo vassalo quem a esperava. A princípio, achou enganara-se o trajeto, mas estava correto. Pousou no local de costume, retirada a mensagem, tornou aos céus.

Sinais do tempo, inexorável.

A deficiência de percepção e sensação de infindável importância não lhe permitia perceber existirem aves de ninhadas mais recentes repetindo ações, antes a ela incumbidas.

Numa manhã, ao ver o vassalo, posicionou-se, mas o papelzinho foi colocado em penas mais tenras.

Viu-a partir e o mesmo olhar temeroso dos lá de baixo.

Talvez, sequer qualquer um do povo percebera a mudança do mensageiro, Nunca mais lhe foi colocado um papelzinho.

Recolheu-se a um canto, dando pela falta da velha ave...

Não entendeu nada...

Mudam-se as aves...

As notícias...

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Este texto faz parte do Exercício Criativo - Pássaro de Mau Agouro

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Pedro Galuchi
Enviado por Pedro Galuchi em 01/04/2013
Reeditado em 01/04/2013
Código do texto: T4217753
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