Viagens pelo Ceará XXVI
IDEIAS AVENTUREIRAS, MUSICAIS, LITERÁRIAS, MÍTICO-CURANDEIRAS, ENXADRÍSTICAS, TEATROLOGAS E INSANAS... DE MORADORES DO VALE JAGUARIBANO, NUM ANO DE ESTIO.
COISAS QUE OUVI NO SARAU RUSSANO
Aos poucos foram chegando pessoas, uns com instrumentos outros com livros e papéis. Foram se sentando nas cadeiras em círculo e eram plateia e artistas.
Pouco depois, o José Maria, representante da secretaria de cultura abriu o evento, e explicou da importância daqueles encontros entre os criadores literários da região, porque vinha gente até de outras cidades para se apresentarem ali. E que havia sites na internet onde se podiam postar textos de vários tipos e onde outros interessados e escritores podiam ler. Portanto, era importante que houvesse mais e mais união entre os beletristas. Apresentei-me ao diretor do evento antes e por isso fui apresentado por ele ao grupo de pessoas, como um fotógrafo itinerante, pesquisador e apreciador das artes e que ia documentar e divulgar o que ia testemunhar naquela noite.
E havia de tudo um pouco: crianças tocando pianos em teclados elétricos, cantores de música popular acompanhados por violão e recitadores de vários estilos. Transcrevo a seguir, algumas prosas poéticas e poemas que gravei e julguei interessante.
Algo curioso acontecia naquela confraria, era uma convenção antiga, cada um dos recitadores se apresentava com pseudônimo.
Para quebrar a monotonia, intercalavam uma recitação com uma música.
O primeiro a declamar se apresentou dizendo se chamar Vate Natureza e recitou com tôsca e fanhosa voz de matuto os seguintes versos:
IPÊ
Ipê é pau-d’arco, li no jornal, o que me levou à minha vila
Voltei e vi, um começo de inverno, da puberdade
E o abandono da santidade
Guiado pelo toque do bronze, senti o prenúncio da festa
Degustei a música da voz de estranhos
E tudo parecia novo naquela manhã:
O mato, a terra molhada, abelhas acrobatas amarelas
Sob raios de um sol diagonal de sete e pouco.
Eram verdes minhas horas, minutos e segundos
Eu ainda olhava mais pros olhos e seios das moças
Do que pras suas pernas...
O som do acordeon soava acústico, puro pulmão
O odor de milho verde cozido e o perfume dos transeuntes
Impregnavam minhas narinas...
Um padre velho viria repetir os ensinamentos de Cristo
Abençoar, advertir e acrescentar aos ouvintes
Que não fizessem o que ele a muito custo tentava evitar
Mas o perdão seria distribuído generosamente ao final
E haveria festa, leilão, bebedeira, dança, namoro, beijo,
Algum novo casal podia até fugir e se acasalar na selva
Vi tudo isso e um pouco antes pelo caminho
A mocinha bonita da cidade, sem acanhamento
Falando tanto e dizendo pouco
Se interessando por nomes de plantas,
peixes e sangue-sugas do açude,
Seguindo com o olhar, cachorros, cavalos e os vôos dos urubus
Enquanto nós, meninos, homens e mulheres
Olhávamos pra ela e nos admirava sua admiração
Por cantigas de bem-ti-vis...
O séquito seguia de roupa nova,
Homens tragando cigarros fortes
Mulheres de vestidos estampados
Uns a pé outros a cavalo...
Um rastro de cobra cruzando a estrada,
Era uma cascavel alguém garantiu, e foi recente
Cancões bradavam seu canto de espanto no mato
E a serpente era o alvo certamente
Aquelas aves formais de pluma preta e branca
Tal músicos da orquestra, arregalavam ainda mais os olhos de loucos...
As vergônteas de marmeleiro e velames trajavam verde novo
Pra admirar o cortejo colorido em direção à igrejinha da vila
De paredes grossas, ao lado do córrego, em frente ao grande Juazeiro...
Onde uma minha tia solteirona desenterrara botija
Doada em sonho por um defunto de outrora, pessoa do lugar
Como éramos nós e os paus-d’arco da capoeira!
Terminou sua recitação com um gesto de saudação que me pareceu de extrema humildade, baixado a cabeça e cruzando os dois braços sobre os peitos, enquanto era aplaudido. Em seguida um grupo de estudantes de percussão mirim tocou uma música indígena e outros da mesma idade dançaram. Os pais das crianças eram os que mais aplaudiam e incentivavam os pequenos artistas.
Obs:Tenho publicado somente no recanto das letras uma auto-biografia, meu primeiro livro, cujo nome é “Fascinado por chuvas”. Já este texto que voce acaba de ler é parte do meu segundo volume, cujo título e subtítulo pode se lê acima.
Caso essa seja sua primeira leitura desses contos, sugiro que leia desde o primeiro capítulo para uma melhor compreensão e proveito. Atenciosamente
Agamenon violeiro