Viagens pelo Ceará XXVII

IDEIAS AVENTUREIRAS, MUSICAIS, LITERÁRIAS, MÍTICO-CURANDEIRAS, ENXADRÍSTICAS, TEATROLOGAS E INSANAS... DE MORADORES DO VALE JAGUARIBANO, NUM ANO DE ESTIO.

COISAS QUE OUVI NO SARAU RUSSANO

Depois foi a vez de outro poeta, este parecia mais velho que o Vate Natureza. Se apresentou sem cumprimentar a plateia. Disse se chamar Mormaço Urbano, e recitou:

CACHAÇA

Cachaça? – desperta graça, fogo, arrepio ao primeiro gole,

Comilança, nem sempre fastio...

Batuque no engenho, escravos do Brasil

Feijoada, bebida de pobre, quente ou gelada

Ostra, caju, caranguejo a gôsto, caldo de feijão, limão

Bafo de aguardente, fumaça de brejeiro, capoeira, pensar ligeiro

Cantadô de viola no terreiro!

É festa! Êpa!

Vamos brincar!

Beber dançar!

No dia seguinte:

Ressaca, sêde, lembrança da morena, era noite sem lua

- Tú viu? a nêga casada rapaz, na rede deitada quase nua?

Festa, fogueira, noite fria, férias, padroeira, dor de cabeça, zoeira...

Cana pura! distinta irmã da rapadura

Qual cheiro de carnaúba seca em dia chuvoso

No tonel de madeira a curtida do Cumbe

Na adega do meu avô comerciante, almocreve...

Em 74, ano da cheia, o córrego alagado

Nas locas pitus e a garrafa meia, enterrada na areia...

Manhãs de domingos, brindes, almoço dos velhos

De Minas ao sertões do nordeste dos cabras da peste...

Aguardente! Que derrubou e derruba tanta gente

Lima Barreto no chão, Vicente Celestino o ébrio

Nelson Gonçalves diz cantando que hoje ele é quem paga

E milhares mais no cortejo dos porres opcionais

Tentando atenuar seus ais...

Ah cana sacana! Provocaste fúria, traição, luxúria

Enlouqueceste e perdeste, não sei a quem prestaste favor ou socorreste

Oh destilada incolor! Vicias, camuflada em água, qual serpente venenosa

Com o encantamento do verso e a léria da prosa, hipnotizas quem te consome seja bicho, seja homem

Mas é sexta-feira e o batuque come solto!

Chega de lambança de filosofar lembrança,

Garçom! traz mais uma feiticeira, sem ligar pra, da amante a besteira,

Ela me quer sóbrio e diz querer ser mãe solteira... estou delirando essa é a terceira...

Eu falava de cana, tem tira gosto de queijo, ela é receitada pra tudo

Quanto é bêbado no festejo, antes e depois de tudo, até pro funeral do beijo...

Foi aplaudido mas não cumprimentou os ouvintes, se retirou e entrou uma moça tocando violão e cantando o xote das meninas de Luiz Gonzaga. Em seguida teve vez um rapazinho pálido e sério que cumprimentou os presentes e disse se chamar Esteta Sonoro, ia recitar de sua autoria:

PAIXÃO FLÉBIL

A melodia em menor

O vestido dela, cascata

Um fremir de flor que desata

Ante a angústia do som

Que até a beleza excita

Pernas e coxas driblam a visão afiada

Na ponta dos pés projeta o charme

Das nádegas de atleta no salto da piscina

A música modula, ela impregna graça no movimento

Na lição de estética

E quem não tem alma poética?

Será que o ímã só atrai o igual e não o contrário?

É lamentável o fadário de quem é cego ou refrata!

-Que fique claro a quem for contra:

Que respeite a visão que lhe afronta e

Que deixe pros poetas a idéia-platonismo

De quem tal qual anjo sem asa

Se atira e Deus sabe a causa

Na ilusão da beleza, no insondável abismo!!!

Obs:Tenho publicado somente no recanto das letras uma auto-biografia, meu primeiro livro, cujo nome é “Fascinado por chuvas”. Já este texto que voce acaba de ler é parte do meu segundo volume, cujo título e subtítulo pode se lê acima.

Caso essa seja sua primeira leitura desses contos, sugiro que leia desde o primeiro capítulo para uma melhor compreensão e proveito. Atenciosamente

Agamenon violeiro

Agamenon violeiro
Enviado por Agamenon violeiro em 28/03/2013
Código do texto: T4212378
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