Viagens pelo Ceará XXIII

IDEIAS AVENTUREIRAS, MUSICAIS, LITERÁRIAS, MITICO-CURANDEIRAS, ENXADRÍSTICAS, TEATROLOGAS E INSANAS... DE MORADORES DO VALE JAGUARIBANO, NUM ANO DE ESTIO.

ENTREVISTA COM ADEJANTE

No dia seguinte resolvi não fotografar pela manhã e sim tentar uma conversa com Adejante e Manezim. Ia deixar pra fazer outras fotos no final da tarde e aproveitar outra luminosidade. Cheguei ao bar do Antonio antes das nove e o Adejante ainda não havia aparecido. Perguntei ao proprietário por ele, disse-me que não demorava e acertou. Uns dez minutos depois o vi chegar.

Me aproximei e ele me reconheceu do dia anterior, lhe falei que eu estava de passagem pela cidade, fotografando e conversando com pessoas sobre assuntos variados de arte, cultura, música ou mesmo experiências vividas por pessoas comuns, e que o Aldenor da barbearia e o Petronio me disseram que ele havia trabalhado em Manaus e outros lugares e se não fosse incômodo, eu gostaria de ouvir alguns das suas histórias. Me disse que teria o maior prazer em ser entrevistado por mim e fomos nos acomodar em uma das muitas mesas vazias.

Lhe perguntei sobre o Manezim, e foi dizendo que o poeta naquele dia estava enfurnado com os seus livros velhos e talvez não aparecesse por ali.

É, eu não imaginava, mas o nosso diálogo soou mais como um monólogo do que uma entrevista.

Comecei a perguntar sobre trabalho e ele foi filosofando:

- " rapaz pra mim um grande exemplo de trabalhador, talvez o maior do mundo, eu vejo na figura do americano Benjamim Franklin! O tal Benjamim se meteu até com o raio, foi um grande homem da América do Norte, nasceu pobre mas se destacou até demais. Pode até ser que hoje exista alguém com a mesma garra pra fazer o que ele fez, não duvido de nada, porém lhe garanto que nenhum outro cidadão me impressionou tanto com os seus feitos e ditos, depois de Jesus Cristo e São Francisco de Assis, do que aquele que está na nota de cem dólares, que isso fique bem claro.

Perguntei sobre suas preferencias em leituras e ele me disse:

- Leio contos, poesia de sonetos... gosto muito mesmo é de biografias, já folheei tantas histórias de vultos do passado e não vi nenhum igual a Benjamim. Uns dizem que Da Vinci foi grande e eu não desdigo, mas este viveu há muito tempo e ao meu ver, não fez muita coisa prática para o nosso tempo. Da Vinci teve foi muita ideia sim e andou pintando belos quadros, mas dizem os historiadores que ele tinha a triste mania de começar umas coisas e deixá-las pela metade. Não aprecio isso, e tenho direito às minha preferencias!

Sei que, trabalhar é definitivamente muito bom, falar? quem não é gago pode falar o que quiser, embora à moda papagaio, sem dizer muito com isso. Digo por experiência, o negócio é ação.

Rapaz, trabalhar, é a melhor maneira de se passar o tempo, porque quem se ocupa sofre menos e ganha o sustento, é mais digno e mais feliz, a gente se sente como quem está do lado da verdade, ora! você também trabalha e tem o seu jeito de definir isso! vamos tomar uma aguardentezinha?"

É exatamente assim que ele fala. Diz que nunca foi canalha, nem quando era garoto mas, admite que a faculdade da ironizar, nunca despregou de sua língua. Não é enfadonho, é arguto, se usa algumas ciladas em suas conversas, não é pra derrubar o interlocutor, é pra dar alguma força ao seu argumento. Diz que conseguiu alguma notoriedade como bom profissional que foi. Gosta de bebericar uns aperitivos mas, diz que na medida em que se embebeda, pode usar de linguajar sórdido para descrever cenas escabrosas... diz que nesses momentos, pode dar sopapos com as palavras na ironia interrogatória: e aí doutores? como é que é juiz? está tudo como manda a lei? ou a sua lei?! Diz que não se acha gabola nem desordeiro, se comporta com certa dignidade mas se toma umas a mais, a língua fica afiada para a baixaria, só que isso é só quando ele quer, rebate.

Não se acha no direito de dizer que é “boa pessoa”, foi obediente às leis das instituições, viu despautérios, coisas das antigas, revolução no meio do povo inflamado por política, linchamentos de assassino por parte da população revoltada devido a crimes hediondos... viu suicida pendurado pelo pescoço, sofreu acidente de carro e viu gente morrer por ter sido atingido por raio. Conta coisas que para algumas pessoas da cidade é pura mentira. Diz que nunca procurou prestígio, mas também nunca desprezou amizades. Aprendeu com um tio dele que boa parte dos padres são como pajés que vivem amedrontando os fiés, e esse seu tio tinha sempre uma resposta prá os pregadores de arrependimento que era: "onde há prudência não há penitencia viu padre? Viu pastor? os senhores só sabem muito é falar, e olha que isso eu também sei, além de dar duro na labuta... eu trabalho viu zangão velho! pago minhas contas e vósmecês?... se ao menos dissessem algumas coisinhas práticas vá lá, mas aquela falação frouxa soava prá ele o mais das vezes, ôca! ôca! sai pra lá bando de besta duma figa! procurem o time de vocês! e que o bom Deus se apiede dos donos da pseudo-fé e que teêm medo das obras! passar bem e amém".

Disse também que não se acha piegas nem piedoso, fuma pouco, bebe mais e isso ele explica, joga o jogo dos reis, que é como ele chama o xadrez, mas nunca aposta nada. Gosta de natação, seu corpo já não é tão lépido quanto a sua língua, é lhano com idosos e crianças, mas antes avalia se são dignos de sua delicadeza. Gosta de apelidar a alguns ridículos metidos a besta. Não é lá muito bom contador de piadas mas os casos que relata, as pessoas os acham mais engraçados do que certas piadas convencionais.

Pergunto sobre seu parceiro de conversas e ele me diz que o seu maior interlocutor por aqui é o poeta Manezim, o mamute velho, de idéias parnasianas que costuma ler livros de literatos, se tornou fã de Lima Barreto e parece que parou no tempo daquele sofrido escritor carioca. Confessa que vê o poeta Manezim como uma espécie de profeta sem revolução, fora do tempo e de pouca razão mas, que é sujeito divertido.

Sem que eu perguntasse mais nada ele foi me dizendo que é viajado, que é bom imitador de vozes de cantores, e demonstrou. Se o cantor que está cantando é meio fanho se tem o erre muito pronunciado, tudo isso ele enfatiza e caricatura, faz cara e jeito à moda de grande palhaço. Essas duplas sertanejas de vozes gritantes se tornam ridículas no seu arremedo de palhaço..

Obs:Tenho publicado somente no recanto das letras uma auto-biografia, meu primeiro livro, cujo nome é “Fascinado por chuvas”. Já este texto que voce acaba de ler é parte do meu segundo volume, cujo título e subtítulo pode se lê acima.

Caso essa seja sua primeira leitura desses contos, sugiro que leia desde o primeiro capítulo para uma melhor compreensão e proveito. Atenciosamente

Agamenon violeiro

Agamenon violeiro
Enviado por Agamenon violeiro em 27/03/2013
Código do texto: T4210412
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