Amor de Menina

Noite fria. Noite silenciosa. Noite estrelada. Uma bela noite. Há muitas lojas de conveniência que ficam abertas 24 horas, mas isso causa um grande tédio aos funcionários que trabalham nelas durante a madrugada. São horas de tédio; quase não há clientes. Foi até uma surpresa para o jovem rapaz que estava sozinho naquela loja durante a noite, quando ele viu aquela mulher ruiva, de 1,80M, olhos castanhos, seios exuberantes, cabelos lisos e postura ereta entrar abruptamente na loja. Ela apenas entrou na loja, deixou a porta se fechar atrás de si e ficou parada de pé ali na entrada da loja.

- Ah. . . Olá. - disse o funcionário, quase sem reação diante da incomum cena. Ela o olhou com uma expressão indiferente. Tão indiferente que chegava a dar medo. Quieta, ela se dirigiu ao balcão, sentou-se num banquinho e então abriu a boca pela primeira vez desde que entrou na loja.

- Uma xícara de café. - O rapaz ficou apenas olhando-a, confuso. - Não ouviu? - reforçou a mulher.

- Oh! Sim, senhora! - ele falou, espantado.

- Um desses pãezinhos de canela, também. - falou ela. O rapaz trouxe as duas coisas no mesmo minuto.

Enquanto ela comia e bebia sentada ali no balcão, o rapaz tentou puxar assunto com ela, para quebrar o ambiente maçante da madrugada:

- Você trabalha de noite? Porque pra vir aqui a essa hora. . .

- Não enche. - disse ela, com frieza. O modo como ela nunca mudava a sua expressão facial era impressionante.

Aconteceu, porém, que enquanto ela tomava seu café, pôde-se ouvir fora da loja o estridente canto dos pneus derrapantes no asfalto seguido de um grande estrondo, cortando o silêncio mortal da madrugada.

- Filho-da-mãe! - gritou a mulher, largando a sua xícara de café em cima do balcão. Tirou uma cédula do bolso, colocou-a sobre o balcão e meio segundo depois estava fora da loja.

Quando saiu, dirigiu-se a passos largos e rápidos para o carro acidentado. O carro tinha se chocado com o meio-fio enquanto derrapava e por isso reduziu significativamente a velocidade ao se chocar contra uma árvore, portanto, os danos não foram grandes. Apenas um pneu estourou e uma lanterna quebrou.

A pessoa que dirigia o carro, embora não tenha sofrido nenhum ferimento, saiu instintivamente do veículo por causa do susto. Era um rapaz de dezessete anos. Estava sentado no chão em frente ao carro quando a moça chegou.

- Tudo bem, eu estou bem, não me machuquei. - disse ele.

- Já é hora de criança estar na cama! - falou a mulher, agressivamente.

- O quê? - assustou-se o rapaz.

- Você nem tem idade para dirigir! Meliante! Roubou esse carro de quem? - Ela dizia com voz firme, deixando o rapaz cada vez mais assustado.

- O carro é dos meus pais! - balbuciou.

- Entendo. - disse ela. - De pé. - Ele continuou olhando-a, assustado. - Não ouviu? Fique de pé! - Ele obedeceu na mesma hora. O medo o fazia obedecer o que a mulher falava quase como uma função mecânica. - Mão para frente. - tornou ela a dizer. No momento em que o rapaz pôs as mãos para a frente, ela o algemou. Certamente uma surpresa desagradável para o garoto. Aquela jovem era uma policial.

Depois de tê-lo algemado, ela guiou-o até o carro que se achava estacionado do outro lado da avenida, a poucos metros dali.

- Entre - ordenou ela. Ele obedeceu, afinal não tinha escolha. Depois de ter entrado no carro e se postado no banco do motorista, a mulher perguntou:

- Onde é a sua casa? - O garoto abriu a boca, mas as palavras quase não saíam de tão nervoso que ele estava. Depois de muito gaguejar, ele lhe disse o nome da sua rua e onde ficava. Ela ligou o carro e começou a dirigir durante a madrugada. Enquanto dirigia, pegou o seu celular e ligou para um de seus colegas policiais, pedindo que ele rebocasse o carro acidentado. Ela disse o nome da avenida e deu a loja de conveniência como referência.

A mulher com as mãos ao volante continuava com a sua expressão tão imutável e fria como sempre. Sentado ao seu lado no carro, o jovem pôde contemplar a sua face pela primeira vez, de modo que só então ele percebeu que ela era uma mulher muito bonita.

A casa dele não ficava muito longe do local do acidente, mas mesmo assim a viagem lhe pareceu demorar uma eternidade. Por causa disso, ele sentiu necessidade de puxar conversa com ela.

- Faz muito tempo que você é policial? - Ele falou, com a voz ainda um pouco trêmula. - Você por acaso tem. . .

- Calado. - Ela o cortou com aspereza, o que deixou o rapaz totalmente desanimado. Poucos minutos depois, eles chegaram na rua em que ele morava.

- Qual dessas é a sua casa? - Ele gaguejou novamente e lhe falou o número. Ela estacionou bem em frente à casa indicada e, depois de sair, andou até o outro lado do carro e abriu a porta que ficava bem ao lado de seu passageiro e então ordenou:

- Saia. - Ele obedeceu, apavorado.

Ela o guiou até a frente da casa e não hesitou em tocar a campanhia. As luzes da casa se acenderam e pouco depois um homem de roupão abriu a porta da frente.

- Boa noite, senhor. - falou a policial, respeitosamente. - Esse garoto é seu filho?

- Diego! - Exclamou o homem, assustado. Ele se dirigiu até o portão e abriu-o, logo depois disso ela soltou Diego das algemas. Ele entrou na mesma hora, ainda pasmo demais para pronunciar uma palavra.

- Pode buscar o seu carro quando quiser neste endereço. - Falou a moça, entregando um pedaço de papel ao homem.

- Meu carro! O que houve com ele?

- Seu filho o bateu numa árvore perto daqui.

- Oh. . .

- Isso é tudo. Boa noite. - bateu continência, virou-se de costas e entrou no carro.

- Obrigado. - foi tudo que o pai de Diego conseguiu dizer, e logo depois entrou em sua casa. Ao passar pela sala, notou que o filho estava sentado no sofá. Os dois ficaram se olhando por apenas alguns segundos, mas para Diego pareceram semanas.

- Amanhã eu penso no seu castigo. Agora vá dormir. - Ordenou.

- Sim, senhor. - Disse o rapaz, levantando-se e indo para o seu quarto.

Diego tinha dezessete anos, era um rapaz de aparência muito boa, de modo que atraía para si várias garotas na escola e em outros lugares, mas nunca ligou para isso. Tinha 1,77M e cabelos muito escuros. Os pais de Diego sempre foram excessivamente condescendentes, e era isso que o levava a desobedecê-los.

No daí seguinte, Diego estava contando a um amigo sua pequena aventura da noite anterior enquanto os dois voltavam juntos da escola.

- Então eles cortaram a minha mesada, confiscaram meu videogame e me colocaram de castigo por quatro meses. Serão certamente quatro meses bem longos. - Ele contava, sorrindo como se esse fato em nada lhe afetasse. - Meu disse até que o corte da minha mesada vai ajudá-lo a pagar o conserto do carro.

- Mas eu ainda não entendo. - falou o amigo. - Por que você fez essa coisa, Diego? - ele desviou o olhar.

- Foi apenas pela emoção. - Foram as melhores palavras que ele achou para responder. Naquele momento, eles ouviram uma voz à distância:

- Vocês dois aí, cuidado! - Dois homens mal-encarados vinham correndo do outro lado da rua, ao chegarem perto, cada um agarrou um dos garotos e lhe rendeu com uma pistola na cabeça.

- Agora fiquem parados ou esses moleques vão pagar! - disse um dos criminosos. Dois policiais, também armados, vinha na mesma direção.

- Está certo. - falou um deles. - Não podemos pôr em risco a vida de civis. - dizendo isso, ele jogou o seu revolver no chão.

- Esperem! - exclamou a parceira dele. - Eu não vou deixar vocês escaparem desse jeito! - O homem a olhou, intrigado.

- Natália, pelo amor de Deus, não seja idiota! - gritou ele. - Largue logo a sua arma.

- É melhor você ouvir o que ele diz, senão o moleque aqui vai pagar! - ameaçou o bandido. A policial ficou olhando-o, ainda indecisa sobre largar a arma ou não, naquela hora, o bandido tirou a arma da cabeça de Diego. - Acha que estou brin. . . - Antes de terminar a frase, deu um grito estrondoso. Um grito horrível. Diego mordera a sua mão. A policial aproveitou a brecha para lhe acertar um tiro no ombro, o que o fez cair no chão, deixando Diego livre. Aproveitando a distração, o amigo de Diego acertou um chuto com seu calcanhar nas partes genitais do homem que o segurava. A arma caiu no chão e o homem se ajoelhou, dando oportunidade do garoto correr para longe.

- Desgraçados! - falou o bandido, um momento antes de se levantar e tentar recuperar a arma, mas antes que pudesse pegá-la foi rendido pelo policial homem, que apontou a sua arma para ele por trás e disse:

- Acabou, amigo.

Um instante depois, o bandido estava algemado. O policial pediu resgate médico pelo homem baleado pelo seu celular. A mulher recolheu as armas dos dois e foi mostrar a ele.

- São apenas pistolas d’água. - Disse ela. - Eles não estava em perigo. - Quando ela terminou a frase, o homem lançou sobre ela um olhar muito ameaçador e em seguida a derrubou com uma bofetada.

- Tenente Natália. - disse ele. - Hoje você desonrou o seu dever como policial. Nosso trabalho é garantir a segurança da população, e você podia ter colocado em risco a vida de duas crianças inocentes. Você não sabia naquela hora que eram pistolas d’água, se não fosse esse caso, me pergunto se eles ainda estariam vivos. Você agiu com imprudência. Está entendendo?

- Sim, senhor. - falou Natália, levantando-se ainda com a face vermelha. Depois disso, o seu parceiro foi levar os dois bandidos até uma viatura, deixando-a sozinha ali na rua.

- O que você está olhando, Diego? Vamos embora! - falou o amigo. Ignorando-o, Diego andou até a policial.

- Olá. - disse ele, apreensivo. Ela nada respondeu. - Obrigado.

- Eu não fiz nada. Eles nem mesmo estavam armados

- Obrigado por ter me levado para a casa ontem à noite. - disse Diego, sorrindo. Ela o olhou novamente. Não é que não o tivesse reconhecido, mas não fazia caso disso. Ela ficou sem reação diante da alegria do rapaz.

- Eu. . . estava apenas cumprindo meu dever! - Disse ela, um momento antes de bater continência e se retirar.

- Oh! Então ela é a policial que tinha te levado pra casa ontem à noite? - falou o amigo. - Se for pra ser levado por uma policial tão gata assim, acho que também vou sair com o carro dos meus pais escondido.

- Ora, não seja idiota. - falou Diego. - Vamos embora.

Quando chegou em casa, Diego foi severamente interrogado por sua mãe.

- Por que é que você fez uma idiotice dessas? Eu sei que você é mais inteligente que isso, Diego! - dizia ela, enfurecida.

- Na verdade eu estava apenas atrás de emoção. É como um videogame.

- A vida não é um videogame. - falou ela.

- Eu sei. Me desculpe. - a mãe suspirou.

- Bem, não podemos fazer mais nada agora. Você está de castigo por quatro meses. Nada de sair de casa hoje.

- Sim, senhora. - disse ele.

Depois do almoço, ele se deitou na cama em seu quarto e ficou apenas meditando. Apesar de terem confiscado o seu videogame, tinha muitas outras coisas que ele poderia fazer em seu próprio quarto, mas algo estranhamente o impedia. Era aquela face. A face da policial. Sua expressão fria e sua completa falta de emoção. De alguma forma isso o intrigava. Ele queria muito vê-la novamente, mas sabia que isso seria difícil, ainda mais porque estava impedido de sair de casa. Pelo menos agora ele sabia o nome dela.

- Natália. . . - o nome ficou impregnado em sua cabeça de tal forma que ele não parava de repetir. Assim o dia passou rapidamente. O castigo de Diego fazia sua vida parecer uma prisão, mas no fundo ele sabia que isso lhe era merecido. No dia seguinte a sua mãe deu permissão para ele ir andar de bicicleta.

- Por quê? - perguntou ele. - Não eram quatro meses de castigo? Só se passaram dois dias!

- Eu sei, mas eu percebi que você reconheceu o seu erro, então vou reduzir a sua pena. - falou a mãe, com indiferença. - Mas espero que você nunca mais faça uma bobagem dessas. - Ele apenas a olhou, e depois foi embora e saiu de casa. Sabia que sua mãe era muito tolerante. Ela deveria ser mais rígida com suas penas. As penas eram para ele, mas ele era imparcial em seu senso de justiça, assim como todo ser humano deveria ser. Mas não iria falar isso em voz alta, já que isso era para sua própria conveniência. Afinal, ele tinha um motivo especial para poder sair com a bicicleta naquela tarde. Foi até o Distrito Policial, o único da região.

Deixou a sua bicicleta parada na entrada. Ali era o último lugar que alguém tentaria roubá-la. Quando ele entrou, viu várias pessoas ali, algumas para pedir informações, outras para prestar queixa, mas a maioria delas eram da polícia. Mas ele não viu a moça que estava procurando. Sentou-se em um dos bancos ali e ficou observando cautelosamente todas as pessoas que entravam e saíam do saguão. Depois de meia-hora, um dos policiais ali lhe chamou a atenção.

- Quer alguma coisa, rapaz?

- Ah! Não! - ele se assustou.

- Você está sentado aí já faz meia-hora. Ou você está querendo alguma coisa, ou sua viagem de bicicleta foi realmente longa. - Diego se levantou.

- Bem, na verdade eu. . . - ele ia perguntar se o policial conhecia a “Tenente Natália”, mas logo se deu conta da idiotice que estava fazendo. Saiu correndo do Distrito Policial e pegou a sua bicicleta, com avidez para voltar para casa. Percebeu que tinha sido idiota duas vezes. Uma por ir procurar a mulher no Distrito Policial. Havia muitos policiais ali no Distrito Policial, achar uma pessoa específica poderia ser muito difícil. Além disso ela poderia não necessariamente estar ali, poderia estar fazendo ronda ou vigia em qualquer outro lugar, ou mesmo cuidando de algum caso criminal. Além disso, por que a procurava. Ele queria descobrir alguma coisa sobre aquela mulher. Estaria apaixonado? Não, isso não seria possível.

Quando a madrugada chegou, ele saiu silenciosamente pela janela do seu quarto. Não iria pegar novamente o carro, que já tinha voltado do conserto, mas apenas saiu com sua bicicleta novamente.

- Caramba! Por que estou fazendo isso? Eu não entendo! - dizia ele. Apesar disso, continuava pedalando. Algo dentro dele não o deixaria parar até chegar ao seu destino, além disso, ele já tinha começado, então não tinha nada a perder. Ele chegou naquela avenida por volta das três horas da manhã, quase a mesma hora em que o acidente tinha acontecido poucos dias antes. Sentou-se na calçada, deixando a bicicleta ao seu lado e ficou apenas observando. Como era quieta aquela avenida durante a madrugada!

Às vezes lhe passava pela cabeça que era perigoso estar ali sozinho, mas no caso de uma pessoa mal-intencionada aparecer, a polícia iria intervir, então talvez ele visse Natália de novo. Também pensava que poderia parecer suspeito parado ali em plena madrugada, e talvez alguém da polícia viria verificar se estava tudo bem com ele. Se isso acontecesse, ele iria torcer para que essa pessoa da polícia fosse Natália.

Esperou por um longo tempo. Depois se levantou e atravessou a rua, indo para a loja de conveniência que ficava do outro lado da avenida. Sua mesada tinha sido cortada, então ele não tinha dinheiro para nada, mas queria apenas entrar ali para beber um pouco de água antes de voltar para sua casa. Para sua surpresa, quando ele entrou, viu duas pessoas na loja. As mesmas duas que estavam naquela loja no dia do acidente. Era raro uma pessoa entrar na loja áquela hora, e isso fez os olhares dos dois se direcionar imediatamente para ele. Inevitavelmente, seu olhar colidiu com o de Natália, que estava tomando café ali, exatamente como antes. Os dois ficaram calados durante um longo tempo, apenas olhando um para o outro, mas Diego uma hora teria que quebrar o silêncio.

- Natália. - balbuciou ele. - Que surpresa te encontrar aqui.

- Não aja com tanta intimidade. - ela falou, agressiva como sempre. - Como você sabe o meu nome?

- Foi assim que o seu amigo te chamou no dia daquele assalto. - Ela o encarou por mais um segundo e depois voltou a tomar o seu café, como se nada tivesse acontecido. Diego ficou sem reação. Parecia que ele queria muito encontrá-la, mas agora que a havia encontrado, ele não sabia mais o que fazer.

- Espero - disse ela. - que você não tenha roubado novamente o carro dos seus pais. Isso me obrigaria a te levar pra casa de novo, Diego. - ele deu uma breve risada irônica.

- Você não pode fazer isso, porque dessa vez eu não fiz nada de errado. - de repente ele se surpreendeu, percebendo o que ela havia dito. - Como você sabe meu nome? - perguntou, intrigado.

- Foi assim que o seu amigo te chamou no dia daquele assalto. - disse ela. Pouco depois ela se levantou, pagou pelo café e se dirigiu para fora da loja. Como Diego estava parado de pé na frente da loja, ela apenas disse:

- Com licença. - Diego saiu do caminho e ela continuou andando normalmente.

- Ei, espere! Espere! - falou ele, correndo atrás dela para fora da loja. Os dois estava ali na rua durante a fria e escura madrugada.

- O que você quer? - perguntou ela.

- Quero te conhecer melhor. - Diego falou, sem hesitar.

- Por quê? - perguntou ela, fria como sempre. O rapaz parou para pensar durante um tempo, e a única resposta à qual pôde chegar foi:

- Tem algo em você que me intriga. Eu gostaria de me aprofundar nisso.

- Não sou sua cobaia. - disse ela, virando-se de costas e indo embora na mesma hora.

- Não! Espere! - gritou ele.

- Volte para casa antes que algo ruim aconteça com você. Já é tarde.

- Sim, senhora. - respondeu ele, desanimado. Ao atravessar a rua, porém, ele percebeu que a bicicleta não estava mais lá. Ele apenas olhou em volta rapidamente. Não viu ninguém. Ele sabia muito bem o lugar onde tinha deixado a bicicleta, e ela não estava lá. Isso lhe causou várias preocupações. A primeira, obviamente, era o medo de perder a bicicleta. Se isso acontecesse, seus pais iriam notar, e ele teria que confessar que saiu escondido de noite mais uma vez, e isso significaria uma encrenca muito grande.

Ele precisava então buscar ajuda. Mas de quem? Da polícia? Isso era o óbvio, ainda mais porque ele tinha uma amiga policial bem ali, à disposição.

- Natália! - ele gritava, enquanto atravessava a rua correndo novamente. - Me ajude, por favor!

- O que foi, Diego? - perguntou ela, surpresa, quando o garoto veio correndo em sua direção.

- Levaram a minha bicicleta. - disse ele, ofegante.

- Mas você é idiota? - Tornou a perguntar a mulher. - Como pôde deixar sua bicicleta na rua a essa hora?

- Justamente por ser tarde, eu achei que ninguém iria passar por aqui. - Ela fitou-o por um tempo, suspirou e então disse:

- Descreva a sua bicicleta para mim e eu vou registrar a sua queixa no Distrito Policial.

- Não! - exclamou. - Eu fiquei pouco tempo dentro da loja de conveniência, então seja quem for que a levou, não deve estar muito longe. Você pode encontrá-lo de carro!

- Garoto, essa avenida liga-se com várias ruas e avenidas da região, começar uma busca aqui seria muito difícil. - Ela parou de falar quando reparou na expressão facial do rapaz. - Está bem. Venha, vamos dar uma volta no quarteirão. Mas é só isso. Se não acharmos, eu vou encaminhar seu caso para o Distrito Policial.

- Muito obrigado! - disse ele.

Os dois entraram no carro e ela começou a dirigir pelo quarteirão. Na primeira esquina em que entraram, viram logo um mendigo pedalando. Natália o iluminou com o farol do carro e perguntou:

- Aquela é a sua bicicleta?

- É sim, tenho certeza. - respondeu ele. Ela continuou se aproximando com o carro e parou ao lado do mendigo, logo depois abriu a porta, saiu e disse:

- Senhor, preciso apreender a sua bicicleta.

- Oh! - foi o único som que o homem maltrapilho e barbudo pôde emitir antes de largar a bicicleta e sair correndo. Um segundo depois, Diego já a tinha pego de volta.

- Muito obrigado, Natália. - disse ele. Ela não falou nada, apenas voltou para o carro. Diego montou em sua bicicleta e foi pedalando o caminho de volta, mas notou que Natália estava voltando com o carro em sua direção. Quando chegou perto, ela baixou a janela do carro e disse:

- Entre, eu vou te levar pra casa. - Isso era, no mínimo, estranho. Natália lhe oferecendo um favor? Ele não achou que isso fosse possível, mas não poderia recusar. Ele entrou, colocou a bicicleta no banco de trás e sentou-se ao lado dela no carro. A viagem foi rápida. Ela parou bem em frente à casa dele, mas não saiu do carro e nem tocou a campanhia. Quando saiu do carro, Diego ficou olhando para ela por um tempo.

- Por que você me trouxe?

- Eu gosto de você. Você é uma alma livre. - Diego ficou surpreso de ter ouvido essas palavras. - Ei, não confunda as coisas. Nós não somos amigos. Entre logo porque já está tarde. Boa noite. - O vidro do carro subiu novamente antes que Diego pudesse dizer mais alguma coisa. Antes que se desse conta, ela já tinha ido embora.

- Eu deveria ter perguntado. . . se nos veremos de novo. - Diego falou, um tanto frustrado.

Passaram-se alguns dias sem que Diego voltasse a ver Natália, mas ele nunca a esqueceu. Seus pais também nunca tiveram conhecimento de que ele tinha saído de madrugada para se encontrar com ela. Por notarem a mudança no comportamento do rapaz, devolveram-lhe o videogame. Mas isso de nada importava. O que ele mais queria era ver Natália. Certa vez, na escola, ele estava sentado em sua carteira e, sem perceber, tinha escrito o nome dela numa folha de seu caderno.

- Mas que bobagem! Por que eu fiz uma coisa dessas? - ele falou consigo mesmo antes de arrancar a folha, amassá-la e jogá-la para longe.

- Algum problema. Diego? - perguntou um amigo que estava sentado ao seu lado. Diego o olhou por apenas um momento e desviou o olhar.

- Não é nada.

- Ah! Então você gostaria de dar uma olhada nisso aqui? - retrucou o rapaz, sorridente.

- O quê? - Diego perguntou, fingindo interesse. O rapaz lhe mostrou o livro que estava lendo.

- Esse livro aqui fala sobre o Cardeal Joseph Mezzofanti, que é referência entre os poliglotas. Diz-se que ele era capaz de se comunicar com “excepcional excelência” em trinta idiomas diferentes. Isso não é incrível? - Diego apoiou-se em sua carteira e começou a meditar.

- Depende do ponto de vista. - o rapaz ficou espantado com tal resposta.

- Eu não entendo.

- Bem, certamente esse cardeal tinha uma notável habilidade com os idiomas. Mas eu não creio que seja isso que faça um homem. Eu acho que as pessoas são aquilo que têm dentro de si.

- Cara, desde quando você se tornou filósofo? Eu só queria te mostrar uma coisa que achei interessante.

- Oh, me desculpe. - dizendo isso, ele voltou a meditar em sua carteira. Realmente, nunca fora o tipo de pessoa que diria coisas filosóficas como essa. Alguma coisa impregnada em sua mente o fez mudar. Mas o quê? A resposta seria óbvia para um espectador casual, mas o próprio Diego não seria capaz de encontrá-la.

Que dizer do Cardeal Mezzofanti? Não são as habilidades que fazem um homem, e sim as suas virtudes. E era isso que ele queria descobrir. Não pode haver no mundo pessoa sem virtudes. E Natália certamente também tinha as suas virtudes, mas ela os ocultava. Diego estava disposto a descobri-las. Ele sabia que se havia algo oculto no coração da mulher, somente ele poderia desenterrar.

Quando o período de aulas acabou e todos saíram, Diego voltou sozinho para sua casa. Quando estava voltando, parou naquela mesma rua em que viveu um dos episódios mais assustadores de sua vida, embora o perigo fosse apenas imaginário. Mas Natália não sabia disso. Ela queria apenas salvá-lo. Novamente, estava pensando bobagens. Ela estava apenas cumprindo o seu dever como policial.

“Eu gosto de você. Você é uma alma livre”

Olhou para o céu, pensativo.

- Por quê? Droga! Por que as coisas tem que ser assim? Quando poderei vê-la de novo? - Ele gritava do fundo de sua própria alma.

- Ver quem? - Ele se virou na mesma hora para ver quem era.

- Você. - respondeu ele, com um sorriso de satisfação. Ele notou que Natália não estava mais usando seu uniforme da polícia, mas uma roupa casual com quem alguém sairia para um passeio: uma blusa branca e uma saia vermelha.

- Não está trabalhando hoje?

- Hoje não. Policiais trabalham em divisões de turnos. Trabalhamos num turno de doze horas e temos trinta e seis horas de descanso. Porém o turno pode ser estendido devido a uma emergência, e foi o que aconteceu no dia em que nos encontramos aqui. Por isso estou de folga hoje.

- Que bom! - exclamou Diego. - Então você me encontrou aqui por acaso?

- Mais ou menos. - falou Natália. - Eu aproveitei meu dia de folga para passear. Estava indo para o shopping e me lembrei que tinha te encontrado nessa rua naquele dia mais ou menos a essa hora, e, como você parecia estar voltando da escola naquele dia, eu resolvi pegar esse caminho para o shopping, apenas para ver se te encontraria aqui.

- Não, não foi isso. - Falou o garoto, confiante. - Você queria mesmo era me ver de novo, porque você me ama. - Natália não conseguia rir de uma brincadeira. Ela soltou um grunhido áspero em resposta ao bom-humor do garoto.

- Você é um idiota, sabia?

- Sim, eu sabia.

- Até mais ver, Diego. - ela disse, fria como sempre, e desviou do rapaz e continuou seguindo seu rumo.

- Ei, espere! - exclamou Diego. - Você disse que está indo passear no shopping, mas você vai sozinha?

- Vou sim. - respondeu ela. - Algum problema.

- Bem, eu posso ir com você, se você quiser. - Ela coçou a cabeça, pensativa.

- Mais uma vez, você age como se tivesse intimidade comigo. Já disse que não somos amigos.

- Mas então por que não podemos ser, Natália? - Ela o olhou, espantada. Diego continuou sorrindo. Estava feliz por tê-la encontrado, afinal. Ela deu um sorriso discreto.

- Viu só? Eu sabia que conseguiria arrancar um sorriso da “fria-como-gelo” Natália! - ele disse, satisfeito.

- Está bem, você me convenceu. - disse ela. - Pode me acompanhar no shopping, mas seus pais não vão ficar preocupados?

- Como se você se importasse com isso.

- Está certo, não me importo. Vamos logo. - e assim ele continuou andando ao lado dela até que eles chegassem ao tal shopping, que ficava bem longe dali, considerando que eles estivessem indo a pé. Chegou uma hora em que Diego reparou isso e lhe perguntou:

- Ei, Natália, por que você não está com o seu carro hoje?

- Ele está com a janela de trás quebrada. Foi atingido por uma bala durante uma perseguição alguns dias atrás. Achei que seria perigoso deixar o carro estacionado no shopping nessas condições, então resolvi vir a pé. - Diego deu uma risadinha ingênua.

- Você certamente leva uma vida emocionante. - ela deu de ombros.

- A vida de todo policial é assim.

- Seu marido também é policial?

- Sou solteira.

- Mas você deve pelo menos ter um namorado no Distrito Policial, certo?

- Não.

- Eu não acredito.

- Por quê?

- Uma mulher de vinte e sete anos, tenente da polícia e tão bonita quanto você não pode ser solteira.

- Ei, não adianta querer me bajular. - disse ela. - Talvez você esteja certo. Muitos colegas meus já me pediram em namoro, inclusive na época em que eu estava fazendo o treinamento para ingressar na polícia, mas eu acho que não há homem neste mundo que esteja à minha altura.

- É por isso que eu gosto de você. - Diego disse, sério, para a surpresa da mulher. Ela o olhou, intrigada e perguntou:

- Por que sou arrogante?

- Porque você finge ser arrogante. - ela ficou brava, a seu modo, sem mudar a expressão facial ou o tom da voz, mas se sentia irritada no seu íntimo.

- Está dizendo que sou hipócrita? - Os dois pararam de caminhar naquele momento.

- Oh! Se você põe nesses termos. . . eu acho que é isso mesmo. - Diego disse, desviando o olhar.

- E o que você acha que sabe sobre mim, senhor? - perguntou ela, com sarcasmo.

- Na verdade, muito pouco. - Disse o garoto, com sinceridade. - Mas por alguma razão eu acredito que você tem muitas qualidades ocultas. Que você oculta intencionalmente.

- Isso não é nada senão intuição empírica.

- Pode ser. - Concordou Diego. - Mas você disse que no outro dia que gostava de mim.

- E o que tem isso a ver?

- Significa que eu consegui arrancar alguma coisa dessa concha. E acredito que ainda posso tirar muito mais que isso. - Ela olhou para o chão. Os dois ficaram parados ali na calçada durante um longo tempo, um na frente do outro, sem olhar um para o outro e sem dizer uma palavra. Natália quebrou o silêncio entre os dois quando começou a rir. Sua risada começou como um riso discreto, mas aumento gradativamente até se tornar uma gargalhada.

- Qual é a graça? - perguntou Diego, sério.

- Agora eu finalmente entendi suas intenções. - Falou a policial, fitando-o profundamente.

- E isso é uma coisa boa ou ruim? - perguntou Diego.

- É o que nós vamos descobrir. - falou ela, um momento antes de continuar andando. Diego continuou a acompanhá-la. Os dois foram juntos ao shopping como planejado. Onde quer que eles fossem, as pessoas achavam que Natália fosse mãe de Diego. Diego ficava muito bravo quando isso acontecia, mas Natália era indiferente quanto à essa questão. Os dois se divertiram muito no shopping. Natália tinha ido lá na verdade com o objetivo de comprar um par de sapatos, e os comprou. Enquanto ela via a loja de roupas, Diego estava na loja de jogos. Depois de ter comprado os sapatos que queria, ela foi procurá-lo lá. Achou-o contemplando a caixa de um jogo.

- Vai comprar? - perguntou ela.

- Bem que eu gostaria. Mas graças a você minha mesada foi cortada. - Ouvindo isso, ela riu. Era um riso diferente do que ela tinha dado da outra vez. Era um riso alegre e espontâneo. Diego nunca a tinha visto rir assim antes. Naquela hora ele concluiu que começara a conhecer os verdadeiros sentimentos da mulher.

- Não foi culpa minha, seu idiota. - disse ela. - Você acha que seus pais não teriam notado o estrago que você fez no carro?

- Mas isso não quer dizer que eles iriam cortar a minha mesada.

- Ora, mas é claro que iriam.

- E você, comprou os sapatos que queria? - ele perguntou, desviando o assunto.

- Já.

- Então por que não compra esse jogo pra mim?

- Comprar o jogo eu não posso, mas posso te levar pra tomar sorvete.

- Sério? - perguntou ele, intrigado. Algumas semanas antes, ela nunca faria tal convite. Diego sabia que, de alguma forma, ele conseguira mudar a mulher.

Depois de terem tomado o sorvete, eles estavam prontos para sair do shopping. Quando já estava saindo, a tenente chamou a atenção do rapaz.

- Ei, Diego.

- Sim?

- Tome aqui, pegue. - ela disse, sorrindo e estendendo um pedaço de papel. Ele o pegou prontamente e abriu-o.

- Seu telefone? - exclamou ele, surpreso.

- Pode me ligar quando quiser, mas não garanto que estarei em casa, já que às vezes eu tenho que fazer patrulha. - Diego sorriu em resposta.

- Isso quer dizer que agora nós somos amigos?

- Sim, acho que sim. - disse ela. - Bem, então acho que ficamos por aqui. Boa tarde pra você. - Bateu continência, mesmo não estando trabalhando e não usando o uniforme de polícia. Depois disso foi embora. Os outros policiais não tinham costume de bater continência ao se despedir em ocasiões informais, mas Natália não estava acostumada a sair acompanhada em ocasiões informais, portanto geralmente não tinha ninguém de quem se despedir.

Natália nunca quis ter a amizade de Diego. De fato, fez o que estava ao seu alcance para que ele não simpatizasse com ela. Da vez que o ajudou a recuperar a sua bicicleta, estava apenas cumprindo seu dever como policial. Nenhum policial deve ignorar uma queixa de roubo, em hipótese alguma, mesmo que seja mentira. Diego dizia que queria descobrir algo sobre Natália, e era por isso que ele queria ter a amizade dela. Se era esse mesmo o desejo do rapaz, se a curiosidade dele era tão grande que nada o faria desistir de andar com a tenente, então talvez não houvesse nada que ela pudesse fazer.

Diego ligava para Natália sempre. A maioria das vezes, ele ligava de noite, mas como ela mesma havia dito, era impossível saber quando ela estaria em casa. Assim, da maioria das vezes que ele ligava, não a encontrava. Às vezes também a procurava no Distrito Policial, mas lá também era difícil encontrá-la, porque ela ocupava um alto cargo na polícia e por isso quase sempre ela estava envolvida em algum delito ou mesmo numa investigação. Uma vez no Distrito Policial, Diego reconheceu o homem que havia ajudado ele e o amigo naquele incidente na volta da escola. Quando o reconheceu, fez questão de chamar a atenção dele.

- Ei, policial!

- Estou tremendamente ocupado agora, garoto, se precisa de ajuda para alguma coisa, peça para qualquer outro dos policiais do Distrito. - Diego tinha que agir rápido, senão iria perder a sua chance.

- O senhor é o superior da tenente Natália, certo? - ele o olhou, surpreso.

- Sou sim, mas como você sabe disso?

- É que vocês dois me ajudaram com uns bandidos alguns dias atrás. O senhor não deve se lembrar porque tenho certeza que lida com meliantes o tempo todo.

- De fato. - Respondeu ele, rindo.

- Sabe onde ela está?

- Sei sim; está na casa dela.

- O quê? - exclamou o rapaz, inconformado. - Ela não trabalha hoje?

- Garoto, eu realmente não tenho tempo de conversar com você. Ela estava trabalhando até essa madrugada, então eu a deixei descansar nessa manhã. - ele ainda nem tinha terminado de falar e já estava saindo apressado do Distrito Policial.

- Espere, espere! - gritou ele, num gesto desesperado, correndo atrás do policial. - Pode pelo menos me dizer onde é a casa dela?

- Olhe, pergunte para qualquer um dos policiais aqui. Diga que o major Nelson te deu autorização de saber e tenho certeza de que eles lhe dirão. - ele nem parava de andar enquanto falava. Diego fez o que lhe foi pedido. A atendente do Distrito não acreditou nele e foi necessário que ligasse para o major, mas no final Diego conseguiu sim o endereço da tenente. Ele chegou lá por volta das seis horas. A casa dela ficava bem longe da dele, e ele não usou a bicicleta, o que fez demorar quase uma hora para que ele chegasse. Por um momento ele até mesmo duvidou que estivesse no lugar certo, porque caminhava por um bairro nobre da cidade. Eram todas casas grandes e luxuosas com belos jardins e a vasta maioria delas tinha piscina no quintal. A casa que lhe indicaram não era muito diferente das outras, então ele até mesmo duvidou que fosse a casa de Natália, mas o endereço era aquele mesmo, sem a menor sombra de dúvida. Ele tocou a campanhia. Natália não levou mais que dez segundos para abrir a porta. Cabelo despenteado, calça moletom e uma camisa velha e gasta de algodão, Diego nunca a tinha visto assim. Ela se espantou quando notou que era ele.

- O que você quer? - perguntou ela.

- Saber por que você não atendeu todos os meus telefonemas. Me disseram no Distrito que você ficou em casa essa manhã. - falou o garoto, num tom de voz firme.

- Eu estava dormindo. Ainda mais, não quero você se intrometendo na minha vida pessoal, seu moleque.

- Por quê? Não somos amigos? - tornou ele a perguntar, mantendo o mesmo tom de voz de antes.

- Não, já te disse que não. - por alguma razão, ouvir isso o deixou ofendido.

- Mas então por que você me deu seu telefone? - ela balançou as mãos como um sinal de desprezo.

- Foi um ato impensado da minha parte. Pode esquecer.

- Mas. . .

- Se você não tem mais nada pra falar, volte para casa. - assim que terminou de dizer isso, fechou a porta.

- Espere! - gritou o rapaz. Ela tornou a abrir a porta, que nem tinha se fechado totalmente.

- O que foi agora?

- Eu vim de longe. Será que você não vai me deixar entrar só um pouquinho? - ela suspirou e respondeu:

- Está bem. Entre. - ela abriu o portão e o levou até a sua luxuosa sala de estar.

- Quer alguma coisa? - perguntou ela, quando o rapaz já estava acomodado no seu confortável sofá importado.

- Só um pouco de água já está bom.

- Vou pegar pra você. - dizendo isso ela se retirou para a cozinha. Voltou poucos segundos depois segurando uma jarra e um copo de cristal.

- Para uma policial, você até que ganha muito bem. - disse ele, admirado.

- Na polícia há mais coisas envolvidas do que você pensa. - respondeu ela, séria como sempre. Depois dele ter bebido, ela levou a jarra de volta para sua cozinha e disse-lhe:

- Vou tomar banho agora. Tenho que estar no Distrito em uma hora. A chave do portão está em cima da televisão. Quando for sair, coloque-a na caixa do correio, sim?

- Está bem. - no instante seguinte ela tinha subido as escadas da casa. Diego aproveitou a chance estar ali sozinho na casa de Natália para, de alguma forma, conhecê-la melhor. Começou fuçando na instante de livros. Stephen Hawking, Abrahan Pais, Michael Denton, Hubert Reeves. . . a mulher certamente era de um intelecto raro. Ele queria muito se aprofundar no conteúdo desses livros, mas não havia tempo para isso. Subiu para o andar de cima. A casa, naturalmente, tinha muitos quartos, mas como ela era solteira, apenas um dos quartos estava ocupado com alguma coisa, os outros estava todos vazios. Esse era certamente o quarto de Natália. Ele entrou e o contemplou durante algum tempo. Quando viu que havia alguns CDs guardados no raque, ele decidiu que seria uma ótima chance para descobrir qual era o gosto musical da mulher. Mozart, Bach, Haydn, Liszt. . . além de inteligente ela era culta.

Pensar nisso, por um lado, deixava Diego profundamente contristado. Porque ele sentia que sua beleza, de sua notável habilidade como policial, de sua erudição, eram apenas uma concha. E por baixo da concha havia apenas um completo abismo vazio e solitário. Não. Não queria acreditar numa coisa dessas. Ele sabia que Natália tinha sentimentos humanos ocultos em seu coração, e teria que descobri-los a qualquer preço. Por qual razão? Talvez não houvesse mesmo uma razão, mas apenas uma necessidade.

Ele ainda estava com um CD de Mozart na mão quando o som da água corrente do chuveiro cessou. Rapidamente, colocou tudo de volta no lugar e saiu do quarto. O quarto de Natália ficava bem ao lado do banheiro, então quando ele saiu viu quase na mesma hora aquela porta se abrir, deixando todo o vapor escapar da pequena sala e logo em seguida a mulher enrolada numa toalha saiu de lá.

- Ainda está aqui? - perguntou ela, quando o viu.

- Estou preocupado com você.

- Por quê? - perguntou ela, sem demonstrar nenhuma emoção.

- Porque você está sendo hipócrita comigo todo esse tempo! Eu realmente quero que. . .

- Não tenho tempo para ouvir suas ladainhas. - disse ela, caminhando de volta para o seu quarto. Quando ela passou por ele, Diego virou-se e segurou-a pelo braço.

- Natália, tem muitas coisas que eu quero te perguntar. - ela se soltou dele, entrou no quarto e fechou a porta. O rapaz, abismado, ficou parado ali no corredor.

- Pode perguntar. - disse ela, de dentro do quarto. Ele sorriu. Ela tinha alguma consideração por ele, afinal.

- Você já namorou, Natália?

- Sim, muitas vezes. Quando tinha a sua idade e também na época da faculdade. Mas nunca encontrei um homem que estivesse à minha altura. - Diego não se surpreendia com tal atitude. Sabia que era típico dela.

- Você já fez faculdade? Eu não sabia disso.

- Geologia. Mas parei no segundo ano para me tornar policial.

- E desde então você mora sozinha?

- Sim.

- E você não tem nenhum amigo?

- Não, Diego, nenhum.

- É mentira! - ele gritou. - Ninguém pode viver sem amigos!

- Eu não ligo. - Depois disso ele se calou. Não tinha mais palavras para continuar. Um momento depois ela abriu a porta, vestida com o uniforme da polícia, exatamente como da primeira vez que os dois se encontraram.

- Você é uma atriz.

- Por que você diz isso?

- Por que você tem ocultado seus verdadeiros sentimentos de mim. Não só de mim, de todos. É como o Cardeal Joseph Mezzofanti, que sabia falar trinta línguas diferentes. Isso não fazia dele mais humano. O que faz alguém ser humano é externar seus verdadeiros sentimentos. E eu sei que você é humana.

- Essa foi a maior bobagem que já ouvi. - ele negou com a cabeça.

- Por que não me mostra o que há por baixo dessa concha? Você já me mostrou um pouco. Naquela noite em que você me deu carona pra casa, e também daquela vez no shopping. - Antes que ele terminasse de falar, ela o derrubou com um tapa. Quando ele a olhou do chão, seus olhos lacrimejavam e seu semblante era desgostoso. Certamente, ele tinha removido a concha.

- Por que não vai para o Inferno, seu filho-da-puta?

- Não creio que seja isso mesmo que você queira, Natália! O que eu estou fazendo é algo ruim? - ela ficou calada por um tempo e então respondeu:

- Eu. . . não sei.

- “O amor é a mais abstrata, e também a mais potente força que há no mundo.”

- Gandhi?

- Isso mesmo. - falou o rapaz, levantando-se do chão com um grande sorriso no rosto. - E se eu disser que te amo?

- Eu não acreditaria. - falou ela.

- Ora, mas o quê senão a força do amor me possibilitou remover a sua “concha”? - ela o encarou durante um longo momento e sorriu. Mas esse sorriso era diferente. Esse sorriso vinha do fundo de seu coração. Era um sorriso puro e sincero. E era isso que o sorriso expressava, uma imensa gratidão e satisfação.

- Eu estou impressionada. - disse ela. - você está certo, afinal. Eu sempre ocultei meus sentimentos dos outros. Meu pai era um perfeccionista, e ele exigia que todos nós, os seus cinco filhos, dos quais eu era a mais nova, fôssemos perfeitos, também. Acho que a diferença entre eu e meus irmãos era que eu tinha prazer em atender aos caprichos do meu pai. Por isso eu sou uma perfeccionista também.

- Mas isso está errado, Natália.

- Quem é você pra julgar? - exclamou ela. - O fato é que o meu perfeccionismo me levou para um caminho errado. Me fez pensar que eu era superior a todas as outras pessoas, que ninguém estava à altura de ser meu amigo. E foi por isso que eu ocultei meus sentimentos. Eu nunca quis parecer humana, o que eu queria era apenas ser a melhor em tudo que eu faço. - Diego olhou para o chão e meditou por um longo momento.

- E você é feliz vivendo assim, Natália? - perguntou ele.

- Sou mais feliz agora! - ela respondeu prontamente. Diego tornou a olhá-la. Era o mesmo sorriso de antes. Ela andou na sua direção e o abraçou. - Muito obrigada, Diego.

- Pelo quê?

- Por ter sido capaz de olhar por trás da concha. Você é a pessoa que eu nunca quis encontrar, mas agora que encontrei, fico muito feliz pelo que você me fez. Irônico, não é? - Diego correspondeu ao abraço.

- Desde a primeira vez que te vi, naquela avenida escura às três horas da manhã, eu vi nos seus olhos que você ocultava sua verdadeira natureza com aquela frieza toda.

Resolvido o assunto, os dois estavam indo embora. Natália disse que levaria Diego até o Distrito Policial e dali ele poderia ir para casa. Mas, quando eles estava na sala de estar, ele parou ali no meio da sala e ela prosseguiu. Quando abriu a porta da casa, ela lhe perguntou:

- Você não vem?

- Não antes de te perguntar uma coisa. - disse ele, apreensivo.

- O que é? - ele apenas disse, com os olhos fechados:

- Você. . . aceitaria namorar comigo? - ela se assustou de tal forma que deu dois passos para trás.

- Você é idiota, moleque? Eu quase tenho idade pra ser sua mãe! - Um justificável exagero, evidentemente.

- E daí? - tornou ele a perguntar.

- Uma policial não pode namorar um delinquente.

- Eu não sou delinquente! - exclamou ele, bravo.

- É sim. - disse Natália. - se não é um delinquente, por que roubou o carro dos seus pais?

- Escute. . . isso foi há muito tempo e. . . - percebendo que a expressão repreensiva da mulher não mudava, ele não teve mais coragem para continuar. - Tem razão, eu sou um delinquente. - disse ele, aparentemente decepcionado. Mas logo em seguida abriu um grande sorriso e olhou nos olhos dela, dizendo com firmeza:

- Então acho que eu preciso de uma namorada muito competente para me botar na linha. - depois disso houve pelo menos um minuto de silêncio. Ela cortou o silêncio dizendo apenas:

- Vamos embora. - e foi assim que Natália levou Diego para casa em seu carro. Mas ela sentia uma satisfação imensa enquanto dirigia. Estava satisfeita e ao mesmo tempo impressionada, porque ela encontrou alguém que sentia por ela algo tão profundo que a fez ignorar a sua concha fria, insensível e egoísta e realmente ver o que Natália era por dentro: uma mulher.

O amor de uma forma ou de outra sempre prevalece. Porque o amor é algo que se revela.

Blau Tiger
Enviado por Blau Tiger em 25/03/2013
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