Viagens pelo Ceará XIX

IDEIAS AVENTUREIRAS, MUSICAIS, LITERÁRIAS, MITICO-CURANDEIRAS, ENXADRÍSTICAS, TEATROLOGAS E INSANAS... DE MORADORES DO VALE JAGUARIBANO, NUM ANO DE ESTIO.

OUTROS DETALHES SOBRE ADEJANTE

E continuou o policial Petronio - Adejante ao me contar essa história, me chamou a atenção para as muitas atividades que o rapaz exerceu naquele dia desesperador. A maneira como ele me contou esse conto, confesso que me fez emocionar.

Falei que o conto era suficientemente instrutivo para despertar a responsabilidade até de quem não estivesse disposto a trabalhar, Nisso o Aldenor tomou a palavra para dizer mais coisas sobre o barbudo. Que este primeiro viajou pra Manaus, onde aquele seu tio contador de estórias já trabalhava. Na viagem viu muitas cidades do Piauí, Maranhão e Pará, a navegação no rio foi desconfortável mas cheia de novidade.

Trabalhou ajudando o tio na venda de redes, esteve na serra pelada, fez pescarias e nas horas de divertimento dançava carimbó e lambada nos cabarés. As mulheres da região eram índias ou descendentes de índias com nordestino, por lá era muito difícil encontrar uma loira legítima, mas mulher era mulher em qualquer lugar. Dizia que a sua bebida preferida sempre fôra a aguardente, por não encher demais a barriga e por dar sede de água depois. E mais que pra se ter saudade de alguma coisa era necessário que se tivesse vivido, visto ou sentido essa coisa para se recordar depois.

Cada um vivia o que dava prá viver, nem todo mundo conhecia a satisfação de dirigir um carro de boi, andar de bicicleta, voar num balão, escapar com vida de uma queda de avião, navegar num barco à vela num rio, subir num coqueiro, pescar de tarrafa, dançar um xote com uma cabocla nova, beber uma pura com limão e tirar o gosto com ostra crua ou caju, comer peixe assado com pão como fez Jesus, sentir o frio do sul, viajar de caminhão durante alguns anos e todo dia chegar em um lugar diferente. E por aí ia dizendo coisas assim novidadescas. E mais, que fumar não fazia bem, mas ele achava prazeroso, beber aguardente também era prejudicial, moderava o uso dos dois e ia indo. Esse negócio de moral era muito bom prá quem já fôra imoral e agora se metia a aconselhar os outros prá não fazerem o que eles já fizeram e às vezes ainda faziam, era a velha hipocrisia que vinha já desde bem antes de Jesus o Cristo. Contava que conhecia inúmeras pessoas com esse costume feioso.

Diz que o que o fez experiente, foram as tentativas. Achava que todo rapazote devia aprender por si só algumas coisas que a escola não ensinava. Que era necessário prática, treino, que se visse se alguém conseguia andar de bicicleta na primeira tentativa, se alguém dedilhava um violão de imediato, se alguém jogava bem a sua primeira partida de xadrez! Que se interrogasse os que praticavam essas atividades e ouvisse deles a resposta. Ele mesmo praticava uma porção de atividades por puro divertimento. Gostava de cantar, cantarolava para se alegrar, batia um pandeiro, dançava e não era com a intenção de fazer arte pra os outros lhe pagarem não, fazia isso porque sentia prazer, não era pra se mostrar, nem tão pouco se exibir.

De todas as atividades que exerceu na vida sempre procurou tirar proveito e a devida satisfação, desde o tempo em que desenhava a lápis e antes até, quando pescava traíra no açude, ou pegava preá de fôjo. Pedia a Deus que não lhe tirasse a satisfação de fazer alguma coisa. Diz que excomungou muito cedo a preguiça. Que quando a euforia toma conta dele, dança até sem música... gosta muito de assobiar também.

Adejante diz que foi pau para toda obra, quando era menino foi coroinha de igreja e achou aquilo bom, não entendia bem porque no sermão o padre às vezes levantava a voz e depois baixava, hoje sabia, era até meio parecido com ele no jeito de falar. Depois de ser coroinha, quase não foi vendo as transformações, quando de repente estava de olho nas colombinas, e mesmo que quisesse ter se devotado à missão celibatária, coisa que nunca pensou, a sua vocação era outra. Começou a sair no faro da mulherada e era verdade dizia olhando pras moças taludas que passavam: “o que Deus dá, ninguém podia negar!”

Não acreditava ser hipócrita, era genuíno isso sim.

Hoje quase nada lhe causava espanto, já havia se livrado de muita esparrela, não tinha visto tudo, mas havia visto muito, muito mais do que esses da sua idade que nunca haviam saído daqui. Trabalhou! e hoje podia se dar ao luxo de vir ao bar tomar umas duas. Foi artesão, fez escultura em madeira, em coco, de barro, foi entregador de leite, pegou caranguejos nos mangues.

Diz que leu sobre Aristóteles, o grego filósofo, e este disse que o artesão era um escravo qualificado naquele tempo, e que Platão e Aristóteles, não viam grande coisa nem em se ser comerciante, para eles era mais importante ser militar, e isso Adejante também havia sido. Segundo o próprio Adejante, só na época do Cristianismo foi que todos os tipos de trabalho foram enaltecidos.

Ele gosta muito de falar sobre trabalho e outras coisas que fez, diz que a gente só sabe mais é da gente mesmo, e qualquer um pode falar melhor sobre o que passou, praticou e viveu. Se chama Salomão, Adejante é apelido da época do tiro de guerra, diz que nunca viu uma Juliana feia. Observou que aqui e em todo lugar tem gente que não quer fazer esforço nenhum, e o pior preguiçoso é o que não quer trabalhar. O sargento do tiro de guerra o observou e disse um dia que ele gostava de adejar. Talvez aquele sargento tivesse algum conhecimento de psicologia, sabe lá, ele viu como ele se comportava no cumprimento das obrigações.

Mas ele sabia que logo se resolveu a fazer alguma coisa, alguma atividade. Foi vendedor de carvão, naqueles anos, ninguém tinha fogão a gás por aqui, vendeu tapioca, milho cozido, picolé...

Ele mesmo alardeia que cada um deve ser responsabilizado pelos seus atos, sabe que não há igualdade de oportunidades, e conta o caso de um francês que era contra os filhos de quaisquer famílias receberem herança dos pais, já imaginou? por aí se vê, o sujeito que era de família abastada tinha mais condições de se destacar, de ir pra melhores escolas, certo? Já um pobre qualquer, não. E sem receber herança todos estariam igualados. É claro que essa proposta do francês nunca foi aceita. Diz que sabe ser a assistência social um meio de vida pra uns, mas isso é hoje, quando o governo fornece um bocado de ajuda.

Acha que o verdadeiro artista tem prazer em fazer a sua arte, ele mesmo nem sempre trabalhou por dinheiro. Ao desenhar, ao esculturar sente grande satisfação, isso sem falar dos passa-tempos como pescar, tocar pandeiro e cantar, nadar, jogar xadrez... diz que todos fomos e podemos ser insensatos alguma vez na vida e penso igual, que erramos enquanto estamos aprendendo, e que quem tem paixão tem pesar! E o que é que tem uma coisa a ver com outra? Sei lá!

Quando Aldenor encerrou sua fala, eu lhe disse que gostei de saber que o Adejante era enxadrista e eu iria convidá-lo pra gente jogar no dia seguinte e assim eu poderia conversar diretamente com ele.

Obs:Tenho publicado somente no recanto das letras uma auto-biografia, meu primeiro livro, cujo nome é “Fascinado por chuvas”. Já este texto que voce acaba de ler é parte do meu segundo volume, cujo título e subtítulo pode se lê acima.

Caso essa seja sua primeira leitura desses contos, sugiro que leia desde o primeiro capítulo para uma melhor compreensão e proveito. Atenciosamente

Agamenon violeiro

Agamenon violeiro
Enviado por Agamenon violeiro em 25/03/2013
Reeditado em 08/04/2013
Código do texto: T4206567
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