Viagens pelo Ceará XVIII

IDEIAS AVENTUREIRAS, MUSICAIS, LITERÁRIAS, MÍTICO-CURANDEIRAS, ENXADRÍSTICAS, TEATROLOGAS E INSANAS... DE MORADORES DO VALE JAGUARIBANO, NUM ANO DE ESTIO.

OUTROS DETALHES SOBRE ADEJANTE

A descrição teve início e o policial começou dizendo que Adejante ouvia na meninice e adolescência estórias e casos, contos de fadas e assombração. Aquilo tinha um efeito aterrador que durava o tempo da estória e podia se prolongar até no sonho da noite, mas depois de um certo tempo ia sentindo que não passava de uma fantasia, de uma invenção pra mexer com a imaginação dos ouvintes. Passou a dar mais importância aos contos de cunho moralista e sempre recontava um que muito lhe impressionou e serviu de lição e incentivo para trabalhar. Era o caso de um rapaz, avesso ao trabalho, filho único de um pai rico. Um dia, o velho se sentindo cansado e vendo a morte bem perto, resolveu dar um ultimato no seu herdeiro, já que este só queria viver na malandragem com outros desocupados e nem mesmo mais frequentava a escola. Chamou o filho e daquela vez não foi pra aconselhá-lo a mudar de vida, como fizera antes, mas sim para lhe dar uma tarefa, tarefa esta que era tudo ou nada para o futuro do rapaz. O velho lhe disse que se sentia cansado e via breve o seu fim, não havia ninguém para quem deixar seus bens a não ser para ele, seu único filho, mas estava desgostoso naquela fase da vida, pois o seu herdeiro se mostrava indigno de receber o que lhe era de direito. Estava se comportando de modo a lhe anuviar mais ainda os dias já enfadonhos. Pois bem, estava decidido a lhe deserdar caso, não estivesse à altura de corresponder às suas expectativas. Sua riqueza seria destinada a alguma instituição e o jovem, teria que se tornar responsável pela própria sorte e sustento após a morte do pai. Mas não queria isso e estava disposto a propor uma última tarefa ao filho, que era trabalhar e conseguir ganhar sua primeira rúpia, lhe dava o prazo de três dias. O que o rapaz devia ganhar, qualquer um trabalhador assalariado ganharia sem muito esforço nesse prazo. Mas o preguiçoso se viu diante de uma coisa séria, o tom de voz e os olhos do velho pai lhe amedrontavam. Sabia que o seu genitor não voltava a palavra atrás, era sério, parecia severo e era, mas era bondoso também, o caso agora tomava outro rumo. Era tudo ou nada. O rapaz naquela noite se sentiu angustiado e não sabia nem tinha com quem contar, a não ser com os amigos desocupados. Resolveu dar uma volta e se dirigiu à praça como era seu costume.

Por lá chegando, os seus colegas logo notaram sua preocupação e abatimento. Souberam do caso, e um deles foi propondo solução bem à moda de gente mentirosa: dispunha da quantia e o emprestava, mas exigia uma quantia exorbitante em juros que era pelo empréstimo e pelo conselho. Pois bem, bastava apresentar a moeda ao velho, e dizer que havia trabalhado e ganhara aquele dinheiro. Seu pai estava de cama e não tinha como como saber se o filho havia ou não trabalhado. Pois é, e assim foi feito, só que no dia seguinte à tarde quando o filho chegou com a rúpia em uma única moeda e a depositou na mão do pai dizendo que a havia ganho com o seu trabalho, o velho deitado como estava, tomou a moeda em sua mão, olhou nos olhos do filho por algum tempo, em seguida arremessou o dinheiro nas brasas da lareira e exclamou: você não ganhou esse dinheiro! Aquilo foi como uma bofetada na cara do rapaz que, diante do olhar penetrante, se sentiu mais angustiado ainda do que no dia anterior. Envergonhado, baixou a cabeça e se retirou da presença do pai. Foi para a praça outra vez, e contou o acontecido. Obteve mais uma proposta mentirosa de outro seu companheiro. Este ainda disse: está na cara que teu pai te observou e te viu limpo, sem aparentar cansaço e por isso te disse que não tinhas trabalhado, mas se ele te ver suado, sujo e com traços de cansaço certamente vai achar que trabalhaste. Vou te emprestar o dinheiro e vais me pagar com um juro acima da média que é para compensar o bom conselho que vou te dar: amanhã à tarde procura fazer uma corrida e amarrota tua roupa, chega diante do teu velho com a moeda e diz que trabalhaste e ele não deve dizer que não trabalhaste.

Assim foi, e a cena se repetiu, diante do olhar do pai o rapazote outra vez ouviu a mesma frase, antes do dinheiro ser arremessado nas brasas da lareira: você não ganhou esse dinheiro! E ele se sentindo incapaz de mentir, se retirou da presença do pai, envergonhado pela segunda vez. Sentindo que a coisa ficava séria e reconhecendo não ser capaz de mentir para o seu pai, seu descontentamento e apreensão aumentaram. Não só porque agora mais do que nunca queria ser obediente e bom filho mas, também por ver que desbaratou mais da metade do tempo ouvindo seus péssimos conselheiros. Mesmo assim resolveu sair a rua, mas dessa vez não procurou a companhia dos desocupados e começou a andar noutra direção e depois de muito caminhar e cogitar seu caso, como quem pede ajuda ao Criador em pensamentos, de repente se encontra com um seu conhecido da época em que frequentou o colégio. Este seu antigo companheiro estranhou o fato de ele se encontrar por ali andando só, e com aquela cara de preocupado, quando seu normal era estar sempre pela praça com os amigos, descontraído e risonho. Conversaram, e ele resolveu confessar seu dilema, contou-lhe que o pai lhe deserdaria se no dia seguinte não levasse à sua presença uma rúpia ganha com o seu trabalho. Esse seu companheiro de escola era de família pobre e trabalhador. Por muito se ocupar com as suas atividades não lhe restava tempo pra conversas bobas mas, viu que aquele caso merecia sua atenção e aconselhou o rapaz a ir para casa descansar e se preparar para no dia seguinte fazer bastante esforço. Havia muitas atividades pelo campo e na cidade que podia exercer e ganhar aquela rúpia, bastava estar disposto pra encarar a atividade que encontrasse pela frente. E assim o rapaz fez, na manhã seguinte se dirigiu ao campo onde se ofereceu para trabalhar na colheita da juta. Trabalhou aí umas duas horas e foi dispensado pois apareceu alguém com mais prática, mas recebeu seu pagamento, uns poucos trocados, depois trabalhou como oleiro, recebeu outra pequena parte, com o que ganhou nessas atividades comprou uma boa quantidade de ervas aromáticas e foi vendê-las na feira, por lá conseguiu mesmo com algumas dificuldades vender as ervas. Ainda na feira encontrou um homem analfabeto desejando que alguém lesse para ele uma carta e escrevesse a resposta, pagaria por isso, e lá foi ele ganhar mais alguns trocados. Já ao meio dia, estava com setenta por cento da rúpia, cansado e faminto nem foi em casa almoçar, pois o preocupava não conseguir atividade para ganhar o resto. Se deparou pela rua com um homem tentando conduzir uma mula, mas esta se recusava a andar, e o dono do animal já se impacientava e ia agredi-la, foi quando o rapaz resolveu se intrometer e pediu para olhar de perto a pata da mula. Descobriu um espinho e retirou-o, com isso ganhou mais umas moedas. Se dirigiu na direção do rio e por lá encontrou um remador que estava com muitos passageiros para transportar. Se ofereceu para a atividade e depois de muito suar, já no fim da tarde, estava com o restante para completar a tão difícil e suada rúpia. Saiu correndo em direção de casa e lá chegando, entrou no aposento do pai, pediu sua benção e disse com voz cansada depositando as moedinhas na mão do pai:

- pai aqui está a rúpia que ganhei com o meu trabalho. O velho recebeu o dinheiro, olhou pro filho e pro dinheiro como que a refletir e após alguns instantes disse: Você não ganhou este dinheiro! mas antes de arremessá-lo contra o fogo da lareira, ouve o filho dizer em soluços: Meu pai! No mesmo instante o ancião detém o movimento e reconhece diante do choro comovido do filho, que este já não era o mesmo, que havia sofrido uma transformação e disse que agora sim, estava certo de que tinha um filho digno de receber sua herança.

Obs:Tenho publicado somente no recanto das letras uma auto-biografia, meu primeiro livro, cujo nome é “Fascinado por chuvas”. Já este texto que voce acaba de ler é parte do meu segundo volume, cujo título e subtítulo pode se lê acima.

Caso essa seja sua primeira leitura desses contos, sugiro que leia desde o primeiro capítulo para uma melhor compreensão e proveito. Atenciosamente

Agamenon violeiro

Agamenon violeiro
Enviado por Agamenon violeiro em 24/03/2013
Reeditado em 08/04/2013
Código do texto: T4205956
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