DESCONSTRUÇÃO

DESCONSTRUÇÃO

24/03/2013

Outro dia tive notícias de um antigo pedreiro que tinha trabalhado para mim há tempos, o Nô. É estranho que não sei o nome dele e ele fez trabalhos para a família durante muito tempo. Quando conheci o Nô, ele era ex-alcoólatra e lembro que ao voltar da chácara onde ele finalizava minha casa parávamos na churrascaria do “Homão” e lá, eu e meu tio tomávamos cerveja e comíamos linguiça com mandioca, na época não éramos escravos do bafômetro e éramos responsáveis o suficiente para não enchermos o nosso tanque, e ao oferecermos um copo ao Nô ele sempre dizia: “não vou ficar no refrigerante, até hoje não voltei a beber”. Sempre entendi que aquela frase era dita para lhe dar a força de se manter íntegro a cada novo dia, mas a notícia que tive me entristeceu, me disseram que ele voltara a beber e que tinha deixado a família ou que a família o tinha deixado, e isso me desencadeou uma série de pensamentos.

Lembro que as construções da chácara gastaram exatos 22.486 tijolos, tinha a casa, a casa do caseiro, um espaço externo que eu chamava de cozinha natural, com fogão a lenha, churrasqueira, defumador e pia e construímos ainda um galpão, aberto, onde ficavam os banheiros masculino e feminino para os usuários da piscina, e uma futura sauna. Este galpão foi sendo construído aproveitando-se a antiga instalação de piso grosso e paredes de madeirite que fora feita para abrigar os pedreiros e guardar os materiais usados na obra. Por ser um aproveitamento e por consequência de sua origem não planejada para a nova finalidade, a obra ao ficar pronta parecia estar invertida e nela foram empregados 4.000 tijolos aproximadamente. Ao vê-la pronta e depois de ouvir a opinião de muitos, resolvi desmanchá-la e refazê-la de modo mais adequado. Quando falei isso para o Nô, ele chegou para mim e disse para eu ficar tranquilo que ele daria um jeito e que na próxima semana eu veria como ficou, e assim aceitei que acontecesse. No próximo final de semana voltei à chácara, curioso para ver o que tinha sido feito. Lá chegando o que vi foi uma desconstrução e nenhuma obra. Paredes quebradas, restos de tijolos amontoados e uma desculpa de que mais uma semana estaria pronta. E assim a cena com poucas alterações se repetiu por mais três semanas, para finalmente na próxima me causar surpresa. Lá estava o resultado da desconstrução, o que era frente virou fundo, o que era parede virou vão e vice-versa. Ao longe até parecia que estava bom, mas de perto o piso que deveria ser baixo para ficar escondido pelo gramado fora elevado por causa do alicerce das antigas paredes. As paredes foram reconstruídas com os tijolos da demolição, que apesar de ter sido feita com extremo cuidado deixou lascas e rachaduras que foram preenchidas por massa de cimento mais grossa do que as usadas nas outras paredes de tijolos a vista. Apesar de reconhecer os esforços do Nô para me agradar e minimizar meu prejuízo, não ficou do meu gosto. Os de fora quando me visitavam não notavam os defeitos que eu via e que me faziam evitar frequentar o espaço. Com o passar do tempo e outros fatos desagradáveis que ocorreram acabei por me desfazer daquilo que era meu sonho e que seria meu paraíso para quando fosse avô poder conviver com meus netos.

Hoje, após ter tido a notícia da volta do Nô para o uso do álcool e a destruição de todo o esforço para não beber que fizera, liguei os dois fatos, o da destruição do meu sonho do meu paraíso e o do construtor de tal sonho em relação a sua própria vida e entendi que as reconstruções não podem ser feitas com aproveitamentos de restos de coisas de uma desconstrução, ou seja uma desconstrução precisa ser completa é preciso voltarmos lá na origem daquilo que deu errado e dali construirmos nossos sonhos com novos tijolos, pois aqueles tijolos que desconstruíram o meu sonho representavam apenas a quinta parte do total de tijolos necessários a plena realização do meu paraíso.

Geraldo Cerqueira