Viagens pelo Ceará XV

IDEIAS AVENTUREIRAS, MUSICAIS, LITERÁRIAS, MÍTICO-CURANDEIRAS, ENXADRÍSTICAS, TEATROLOGAS E INSANAS... DE MORADORES DO VALE JAGUARIBANO, NUM ANO DE ESTIO.

RUSSAS

Acordei cedo, antes do meu conhecido Zé ligar o tear. Comprei uma de suas belas redes-cadeira, lhe agradeci pela boa estadia, pelo passeio de cavalo e por ter me apresentado ao galego Zé Arilo, bom de fala. Era minha intenção chegar cedo em Russas e tomar café por lá. Eu sabia por um livro de fotos, que havia nos arredores da terra de Dom Lino, casas de exótica arquitetura e era minha intenção vê-las de perto, viajar pelos vilarejos e depois seguir pra Quixeré e Limoeiro pelas estradas de piçarra. Queria fazer mais fotos do Jaguaribe e da vegetação nativa, conversar com ribeirinhos sobre o nível que chegaram as águas na enchente de 2009.

Devido à variedade de atividades que aprecio e à receptividade do Aldenor barbeiro, irmão do cozinheiro A.Carlos, me demorei em Russas mais de uma semana.

Ao chegar na terra de Dom Lino foi fácil encontrar a barbearia do homem, ficava num beco entre duas ruas grandes do comércio e era praticamente a única naquele formato antigo, onde só se fazia barba com navalha e só se cortava cabelo de homem. Fui muito bem-recebido e ele me disse que seu irmão já havia lhe telefonado falando de mim. Eu disse que não queria incomodá-lo em seu trabalho e ele disse que eu não incomodava, que ali trabalhavam outros três barbeiros e havia a sala ao lado onde alguns clientes jogavam dama e conversa fora, que ele conhecia um policial aposentado que era enxadrista e que de vez em quando jogava com outros que apareciam, e ia convidá-lo pra aparecer por ali num horário que fosse bom pra nós dois. Agradeci e disse que talvez eu ficasse uns três dias na cidade, falei que eu pretendia fotografar pontos próximos ao rio e ele disse que não poderia ir comigo mas ia chamar um moto taxista cunhado dele que me levaria a qualquer localidade e não ia cobrar tão caro. Gostei da idéia. Depois de ter alugado vaga numa pousada, naquela manhã mesmo saí com o moto-taxi e fotografei vários pontos entre eles a ponte da ilhota e a passagem do riacho Banabuiú em Gracismões. Almocei numa churrascaria e na pousada descansei até as três da tarde. Liguei pro Aldenor para saber se havia alguém pela barbearia que jogasse xadrez, respondeu que eu estava com sorte, que havia chegado um dos parceiros do policial e que este já havia sido convidado também e não demorava a chegar.

Não pensei que fosse tão aprazível a sala de jogo ao lado da barbearia, principalmente naquela hora da tarde. Era bem ventilada por ter uma passagem de ar, nela havia três mesas com cadeiras, um banco grande de madeira encostado à parede, uma geladeira e um armário. Ali alguns dos bons e sensatos clientes, podiam tomar seu aperitivo e como é de lei em barbearias, expressar suas idéias, conversar...

Senti-me bem no local, fui apresentado ao jogador que se chamava Luciano, este disse que mal sabia mexer as peças e eu ia ganhar facilmente dele, e eu lhe disse que nem sabia mexer nas peças direito e era bem capaz de ser o contrário. Mesmo assim começamos a jogar uma partidinha pra ver como era que ficavam as coisas. Uma mulher entrou na barbearia e trazia café fresco pra vender, pra mim é indispensável nesse horário da tarde. Depois do café e ainda se desenrolando a primeira partida, chegou o policial aposentado e o Aldenor me apresentou a ele. Parecia ter mais cinquenta de idade, meio barrigudo, careca e com uns óculos que pelas lentes pareciam ter bastante graus. Chamava-se Petronio. Sentou-se ao lado da mesa e ficou observando o nosso jogo enquanto a gente ouvia as conversas dos barbeiros na sala ao lado. Por lá falavam de dois sujeitos que costumavam discutir um com o outro. Pelo acalorado da conversação notei que eles se empolgavam e gostavam daquilo e procurei apurar o ouvido para ver se valia a pena eu documentar alguma coisa sobre os dois. Por conta disso de ficar ligado no que falavam, perdi a partida e já ia me levantando pra deixar o policial jogar, quando o ganhador se levantou também e disse que precisava sair e que eu ficasse à vontade pra jogar com o Petronio, e que aquela partida não tinha valido pois eu deixara ele ganhar. Conheço bem essas lorota de cortesia de jogador bem educado.

Tentei jogar a partida seguinte com mais cautela, mas somente a muito custo consegui empatá-la. A conversa ao lado me desconcentrava e eu me sentia dividido, até que os barbeiros mudaram de assunto. Ganhei a segunda e perdia a terceira e nisso começamos a conversar sobre as curiosidades do xadrez. O policial Petronio demonstrou ter um conhecimento vasto sobre a história do jogo e por que lhe perguntei de onde tinha tirado tantas informações, respondeu que havia pesquisado num dicionário de xadrez. Falei que eu estava viajando, fotografando e conversando com pessoas e esses assuntos de xadrez, música, poesia, teatro e tudo da cultura popular me interessavam. Ele então me disse que havia escrito um pequeno artigo sobre o jogo e que traria uma cópia para mim. Agradeci, jogamos até o escurecer e ficamos em empates consecutivos, pois quem jogava de pretas sempre perdia. Marcamos para a tarde seguinte novo encontro para novas partidas.

Obs:Tenho publicado somente no recanto das letras uma auto-biografia, meu primeiro livro, cujo nome é “Fascinado por chuvas”. Já este texto é parte do meu segundo volume, cujo título e subtítulo pode se lê acima.

Caso essa seja sua primeira leitura desses contos, sugiro que leia desde o primeiro capítulo para uma melhor compreensão e quem sabe proveito. Atenciosamente

Agamenon violeiro

Agamenon violeiro
Enviado por Agamenon violeiro em 23/03/2013
Reeditado em 08/04/2013
Código do texto: T4203744
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